O setor privado brasileiro está dividido sobre a possibilidade de o governo aplicar a retaliação comercial contra os Estados Unidos, autorizada pela OMC (Organização Mundial do Comércio) ao final do julgamento sobre os subsídios concedidos pelos norte-americanos aos seus produtores de algodão e considerados ilegais pelas regras do comércio internacional.
Nesta quarta-feira (28) a Camex (Câmara de Comércio Exterior) anunciou a criação de um grupo técnico interministerial que irá estudar as possibilidades de retaliação e as formas como ela poderá ser implementada. O grupo vai também coordenar uma consulta pública para recolher sugestões do setor privado para fechar a lista de produtos e setores que serão alvo da retaliação.
Enquanto entidades do setor agrícola comemoraram a decisão do governo, o setor industrial teme os prejuízos que as retaliações podem trazer a setores que não têm relação com o contencioso. “Aplicar essas retaliações autorizadas pela OMC é sempre complicado, porque em geral o país que aplica também acaba prejudicado, tanto que muitos países nem usam”, afirma uma fonte do Ministério de Relações Exteriores (MRE). Ele explica que a retaliação consiste em criar barreiras para entrada de produtos do país punido no vencedor da ação, como elevação de impostos ou cotas de importação.
“A retaliação não é uma vitória simples. É uma conta complexa escolher setores que sejam sensíveis nos EUA, para que esses empresários pressionem o governo a acabar com os subsídios ilegais aos cotonicultores, e que ao mesmo tempo não tenha um impacto muito negativo no Brasil”, diz.
É essa a preocupação da CNI (Confederação Nacional da Indústria), já que produtos industriais devem entrar nessa lista. A gerente executiva da Unidade de Negociações Internacionais da entidade, Soraya Rosar, avalia que chegar de fato a aplicar a retaliação não é interessante para ninguém. “É um direito que os produtores de algodão conquistaram, mas que só deveria ser usado em último caso”, diz, considerando que ainda é possível negociar com o governo americano para que os subsídios sejam retirados sem a necessidade da retaliação. “Acho até que o simples anúncio de que o governo está estudando essa possibilidade já deve colocar pressão sobre os americanos”, supõe.
A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) também acredita que a questão ainda pode ser resolvida sem a imposição da pena prevista pelo órgão máximo do comércio mundial. “Dá para negociar e resolver antes disso, mas, em último caso, as retaliações têm que aplicadas e ajudaremos o governo na definição da lista dos produtos”, falou o diretor de comércio exterior e assuntos internacionais da entidade, Carlos Sperotto. “Se sempre tem que pensar se vale a pena aplicar a retaliação, nem adianta entrar com ação na OMC”, destaca.
O diretor-executivo da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), Ricardo Ferraz, disse que o que a entidade quer é que a sentença da OMC seja cumprida pelo governo americano. “O Brasil ganhou esse direito porque a cotonicultura investiu dinheiro e esforços para ganhar esse processo. Queremos que os programas que prejudicam os produtores brasileiros sejam extintos. Se a retaliação for necessária para isso, então tem que ser aplicada. Se outra proposta deles vier no meio do caminho, podemos conversar”, afirma.
Ferraz disse acreditar que é possível, com uma discussão ampla, chegar a uma lista que atinja esses objetivos sem prejudicar outros setores da economia brasileira. “Temos tempo para esse processo de construção, tem muita coisa para ser tratada”, diz.
A estimativa inicial do MRE é que a retaliação, que será calculada com base no volume de subsídios dado pelos EUA este ano e no fluxo de comércio do país com o Brasil, chegue a 800 milhões de dólares, mas o número final só será conhecido no início de 2010, depois de fechados os dados deste ano. Desse valor, estima a fonte do Itamaraty, um mínimo de 440 milhões de dólares teriam que ser aplicados sobre bens e produtos, e os 360 milhões de dólares restantes poderiam ser usados na retaliação cruzada, sobre outros segmentos do comércio bilateral, especialmente a propriedade intelectual.
Esta foi apenas a terceira vez que um julgamento da OMC permitiu essa modalidade de pena. Nos dois casos anteriores, o direito não foi usado pelo país vencedor. Por ser algo inédito para o Brasil, o governo terá que avaliar com atenção como e se realmente aplicará a retaliação cruzada – talvez seja necessário até modificar a legislação para permitir isso.
Esse ponto divide ainda mais o setor privado. A CNI acredita que a retaliação cruzada seria “o pior dos mundos”. “O Brasil sempre foi contra, inclusive quando os EUA ameaçaram usar contra nós”, afirma Soraya. Para ela, esse pode ser um mau sinal para um país que, como o Brasil, quer atraia investimentos externos. “Na área de tecnologia pode ser muito ruim no futuro. Realmente essa tem que ser a última cartada”, defende.
Já o especialista Pedro Camargo Neto, um dos idealizadores e articuladores da iniciativa brasileira na OMC, afirma que a retaliação cruzada é exatamente a medida que teria mais efeito para causar a pressão desejada do setor privado americano sobre o seu governo.
“Teria que ter a retaliação cruzada para esse processo ter efeito, mas tem que ser uma definição pragmática, cirúrgica, onde terá mais impacto. Seria fundamental para os EUA aprenderem que não podem continuar com os subsídios ilegais” destaca Camargo Neto, que hoje preside a Abipecs (Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Suínos).
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