Uma antiga queda-de-braço dentro do governo federal, entre os militares e os defensores dos direitos humanos, teve outro assalto nesta segunda-feira (21). O governo lançou o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a criação da Comissão Nacional da Verdade, para investigar crimes da ditadura militar (1964-1984).
Tanto o Ministério da Defesa, através do qual os militares costumam defender seus interesses, quanto a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que tem status de ministério, farão parte do grupo de trabalho interministerial instituído para elaborar o projeto de lei que vai criar a comissão. O grupo também terá representantes da Casa Civil, do Ministério da Justiça e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
A comissão deverá garantir o esclarecimento dos casos de torturas, desaparecimentos e mortes ocorridos durante a ditadura, podendo encaminhar essas informações à Justiça. A descrição das possíveis atribuições do organismo não menciona explicitamente a punição aos responsáveis por mortes e torturas, mas deixa essa possibilidade no ar ao prever que a comissão poderá “registrar e divulgar seus procedimentos oficiais, a fim de garantir o esclarecimento circunstanciado de torturas, mortes e desaparecimentos, devendo-se discriminá-los e encaminhá-los aos órgãos competentes”.
Outras atribuições devem ser apurar e reconstruir os casos de violação de direitos humanos, localizar e identificar os corpos e restos mortais de desaparecidos políticos e “identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de direitos humanos, suas ramificações nos diversos aparelhos de Estado e em outras instâncias da sociedade”. Tudo isso, no entanto, vai depender do texto do projeto de lei que será elaborado e depois votado, e possivelmente alterado, no Congresso Nacional.
O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) disse no evento, realizado no Palácio Itamaraty, em Brasília, que as informações levantadas pela Comissão Nacional da Verdade poderão ser levadas ao Poder Judiciário. Ele citou uma frase da presidente do Chile, Michelle Bachelet: “Só as cicatrizes lavadas podem se curar”.
A Lei de Anistia, sancionada há 30 anos pelo então presidente João Batista Figueiredo, continua intacta no Brasil, protegendo tanto os militantes que lutavam contra a ditadura militar quanto os repressores que matavam e torturavam.
Nos outros países do Cone Sul, o assunto vem sendo tratado de forma diferente. Argentina, Uruguai e Chile têm promovido mudanças na lei, colocando em xeque a impunidade dos torturadores.
Leia mais:
Países do Cone Sul reveem impunidade para repressores, ao contrário do Brasil
O ministro da Justiça, Tarso Genro, também defendeu, em evento no início de dezembro em Pelotas (RS), punição aos agentes do Estado que praticaram tortura durante a ditadura. “A transição para a democracia no Brasil precisa ser completada. Não desejamos que quem praticou tortura durante o regime [militar] seja preso, mas reconhecido pela sociedade e julgado, mesmo que seja para a Justiça dizer que a pena já esta prescrita. Quem foi torturado e quem torturou não pode receber o mesmo tipo de anistia”, defendeu.
“Nunca mais”
Já a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou que o trabalho de levantamento e divulgação das memórias dos perseguidos é fundamental para garantir a democracia e a liberdade de se dizer: “Nunca mais”. Chorando, a ministra parabenizou sua amiga Inês Etienne Romeu, que na cerimônia desta segunda-feira foi uma das homenageadas pelo Prêmio Direitos Humanos 2009, na categoria Direito à Memória e à Verdade.
Inês foi a única sobrevivente da casa de tortura de Petrópolis e ficou presa de 1971 até a edição da Lei da Anistia, em 1979. “Nós sobrevivemos, Inês, para ver a construção de um novo Brasil democrático. Nunca vou me conformar com tantos companheiros que perderam a vida e essa oportunidade que hoje temos de construir um novo país”, disse Dilma.
NULL
NULL
NULL