A fábrica da Brascuba é rodeada por uma típica paisagem de Havana: casarões velhos, carros antigos, muita gente papeando na calçada. “Estamos num bairro residencial, somos a única fábrica aqui”, diz o co-presidente Antônio Nascimento, explicando que o local foi designado pelo governo cubano. “Antes mesmo de abrir o negócio, tudo aqui tem que ser muito estudado: quanta energia se vai gastar, onde estará localizado, quanta matéria-prima”.
A experiência da Brascuba resume um pouco como é fazer negócios na ilha socialista. A empresa, uma parceria entre Souza Cruz e a estatal boliviana de tabaco, Tabacuba, foi fundada há quase 15 anos, tendo sido pioneira no modelo de parceria estatal com a iniciativa privada. Todas as decisões são compartilhadas e a visão empresarial tem que ser afeita às necessidades do país.
“Cuba necessita muito exportar para ter uma balança comercial positiva, então a gente tem uma responsabilidade de fazer esse produtos de altíssima qualidade para torná-los produtos internacionais”, diz Nascimento.
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A Brascuba fabrica cigarros das marcas Hollywood e Popular, além da Cohiba, mais conhecida no Brasil pelos charutos que todo turista traz da ilha. Mas os cigarros da Cohiba são vendidos nacionalmente e exportados para 20 países. Em 2009, a empresa faturou cerca de 30 milhões de dólares. “É uma parceria que tem sido muito bem-sucedida”, afirma.
Fábrica da Brascuba, que vende seus produtos em Cuba e no exterior
Nascimento aponta, além das dificuldades naturais de uma sociedade com uma empresa estatal – como a negociação de cada passo com o co-presidente cubano –, alguns problemas inerentes à economia da ilha. “Para você fazer um negócio sustentável aqui é preciso mapear muito bem como será a logística, a operação, porque, por exemplo há falta de materiais, já que estamos numa ilha que depende muito de importações”.
“Além disso”, diz, “com o embargo americano, a logística de importação muda muito e é mais restritiva porque há menos barcos circulando em Cuba”. O embargo, ainda em vigor apesar de o governo de Barack Obama ter eliminado certas restrições, estabelece que nenhum barco que entra em Cuba pode atracar em portos americanos durante seis meses.
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“Isso afasta os empresários”, complementa Hipólito Rocha, diretor da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Havana. “Além disso, há problemas de envio de dinheiro, por exemplo. Até o nosso pagamento tem que vir em euros através do Banco do Brasil em Amsterdã, senão corre o risco de ser confiscado em bancos americanos”.
Nascimento conta que, para a Souza Cruz, o mercado cubano é interessante pela excelência na produção do tabaco negro e a possibilidade de expandir ainda mais as exportações – a empresa vai lançar em breve no Brasil uma marca de cigarros com tabaco negro, fabricados em Cuba. “O empresário tem que apostar em Cuba, não é para buscar um resultado a curtíssimo prazo. Acho que agora os empresários, incentivados pelo governo do Brasil, começam a compreender isso”.
Crise de liquidez
É a mesma opinião de Niurka Delgado Rojas, diretora da FM Coempar, uma trading que representa 30 empresas brasileiras ou seções brasileiras de multinacionais, entre elas Randon, Agrale, Scania, Volkswagen e Kepler Weber.
As principais áreas de atuação são a venda de equipamentos para agricultura, indústria e transporte. Presente em Cuba há 30 anos, a Coempar atende, entre outros, os Ministérios da Indústria Alimentícia, da Indústria Básica, da Agricultura e a União Agrícola Militar, que produz alimento para as forças armadas.
No ano passado, a trading foi severamente afetada pela crise de liquidez que afetou a economia cubana, quando houve um atraso nos pagamentos ao exterior. “O faturamento caiu de cerca de 40 milhões de dólares para 20 milhões”, conta Niurka.
Por isso, a Coempar teve que reprogramar os pagamentos da empresa, trabalhando com o próprio fluxo de caixa. “Servimos um pouco como a garantia entre o Estado cubano e os fornecedores brasileiros”.
Mesmo assim, Niurka acha o mercado promissor. “O empresário tem que se programar. Mas há muita possibilidade de negócio devido às necessidades que tem o país. Além disso, quando um contrato é fechado, o governo compra para o país inteiro, de forma massiva, o que é uma grande vantagem.”
Hipólito Rocha aponta outra vantagem, a predileção da população cubana por produtos que vêm do Brasil – caso dos sapatos Via Uno e Diplomata, que possuem uma loja no centro turístico de Havana velha. “Os cubanos gostam muito dos brasileiros, se identificam com a gente, e se for pra escolher entre produtos de países da América Latina, eles preferem os nossos”.
Embargo americano atrapalha os negócios, diz diretor da Apex
Nas ruas de Havana, muitos concordam com o diretor da Apex. “Os produtos brasileiros são de muita qualidade”, diz uma cubana. “E os sapatos então, são bons, bonitos e baratos”, brinca.
“Não sei se isso gera mais compras ou não”, diz o embaixador do Brasil em Havana, Bernardo Pericás. “Mas há muita simpatia pelos brasileiros”. A profusão de novelas brasileiras, transmitidas pelo canal estatal, ajuda muito. “Sempre tem três novelas passando”, conta o embaixador. “Tanto que, quando estreou o filme do Che aqui em Havana, o pessoal aplaudiu muito o Benício del Toro, mas quando apareceu o Rodrigo Santoro, que o pessoal conhece das novelas, a plateia veio abaixo”.
* Texto e fotos.
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