A partir da próxima segunda-feira (1º) a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, inicia um atribulado giro pela América Latina. Em menos de uma semana, ela vai visitar cinco países, encontrar mais de 20 chefes de estado – sendo pelo menos seis a portas fechadas –, abrir um encontro econômico que envolve 14 países das Américas e, especula-se, abordar questões delicadas da região, como a extração de petróleo nas Ilhas Malvinas e o apoio ao programa nuclear do Irã. Para analistas políticos entrevistados pelo Opera Mundi, a viagem de Hillary é uma prova de como a América Latina tem ganhado importância para o governo de Barack Obama.
Um dos indícios seria a presença de Hillary na posse do novo presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, em 1º de março. Ex-guerrilheiro do Movimento de Libertação Nacional dos Tupamaros, Mujica passou 14 anos na prisão durante a ditadura uruguaia e já disse apoiar a posição do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, na questão nuclear iraniana. Também em Montevidéu, Hillary terá uma reunião com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Há cinco anos, George W. Bush enviou ao Uruguai a secretária do trabalho Elaine Chao para a posse de Tabaré Vázquez e, em 2007, fez o mesmo na posse da presidente argentina.
“Mujica não é hoje um grande amigo dos EUA, mas seu governo representa uma continuidade do governo de Vázquez, que foi muito bem sucedido. A orientação de esquerda moderada de Mujica é exatamente o tipo de governo que Obama quer apoiar na América Latina”, disse ao Opera Mundi Michael Shifter, vice-presidente do instituto Diálogo Interamericano, centro de estudos latino-americano em Washington.
“E é importante destacar que, por conta da posse, Hillary terá a chance de encontrar outros líderes regionais, como Cristina Kirchner”, completou, lembrando que, no início desta semana, na Cúpula dos países da América Latina (Calc), em Cancún, foi criado um novo bloco regional com 24 países, sem a participação dos EUA e do Canadá.
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Batizado provisoriamente de Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o bloco é considerado uma versão “B” da OEA (Organização dos Estados Americanos) e terá o objetivo de “consolidar a identidade latino-americana e caribenha”, segundo a declaração final da cúpula, que tem 88 parágrafos.
Mediadora nas Malvinas
A expectativa é a de que a visita de Hillary não se restrinja à diplomacia. A reunião com Cristina foi anunciada três dias depois que a plataforma britânica Ocean Guardian começou o trabalho de prospecção para extrair 60 bilhões de barris de petróleo ao redor das Ilhas Malvinas.
Os protestos do governo argentino – que acusou os ingleses de ignorarem resoluções da ONU e adotarem medidas unilaterais –, foram ouvidos pelos vizinhos. No encontro em Cancún, os países participantes aprovaram uma declaração de apoio à soberania da Argentina sobre as ilhas e pediram que os dois países retomem negociações para alcançar “uma solução justa, pacífica e definitiva”.
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A analista política argentina Graciela Romer, que tem uma empresa de consultoria com seu nome em Buenos Aires, vê com bons olhos a visita. “O governo Obama tem a intenção de modernizar as relações com a América Latina. Acredito que os objetivos dessa viagem sejam reparar os danos causados por mais de duas décadas de política econômica desastrosa e sete anos de intervencionismo neoconservador no Oriente Médio, com pouco interesse pela política latino-americana”.
Depois do Uruguai, Hillary seguirá para o Chile, onde marcou uma reunião com a presidente Michelle Bachelet e o presidente eleito, Sebastián Piñera, na terça-feira. Na quarta, será a vez de encontrar o presidente Luiz Inácio Lula Da Silva e o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, em Brasília. A visita ao Brasil de Barack Obama, que deverá ocorrer até meados do segundo semestre de 2010, e os termos de um acordo de cooperação comercial, são os temas anunciados do encontro. Mas a busca por apoio às sanções dos EUA ao programa nuclear do Irã também deve entrar na pauta.
No dia seguinte, Hillary se reunirá na Costa Rica com o presidente Oscar Árias, e a presidente eleita, Laura Chinchilla. A secretária de estado ainda fará um discurso de abertura no Encontro Ministerial sobre os Caminhos para a Prosperidade nas Américas, que reúne 14 países e promove o livre comércio. No último dia de viagem, Hillary terá uma reunião com o presidente da Guatemala, Álvaro Colom.
Expectativa baixa
“A viagem da Hillary é obviamente para controlar danos. A Cúpula (dos países da América Latina), em Cancún, foi outro grande passo histórico no processo de mais de uma década de aumentar continuamente a independência da América Latina. Mas Hillary não vai parar isso agora”, comentou o co-diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, Mark Weisbrot.
Ele cita uma série de problemas diplomáticos recentes que os EUA teve na América Latina: “O apoio do governo Obama aos golpistas de Honduras causou muitos danos, inclusive na relação dos EUA com o Brasil. E a viagem de Valenzuela [secretário de Estado adjunto dos EUA para as Américas, Arturo Valenzuela] para a Argentina no ano passado foi um desastre diplomático, com ele insultando publicamente o governo de lá. Sem falar de Thomas Shannon, que tem usado seu posto de embaixador no Brasil para atacar outros países. Isto é uma quebra de protocolo diplomático e não vai ajudá-lo a fazer amigos”.
Para completar, Weisbrot compara a viagem de Hillary à de Bush em 2005: “É improvável que a viagem de Hillary seja bem sucedida. Acho que, se ela tiver sorte, não será tão ruim quanto a de Bush, mas apenas porque ela não vai ser recebida com o mesmo tipo de protestos”.
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