No dia 10 de fevereiro, o então presidente eleito do Uruguai, José Mujica, surpreendeu dezenas de empresários brasileiros e argentinos em um dos hotéis mais luxuosos do balneário de Punta del Este. “A tarefa de um governo é reduzir ao máximo as margens de erro e oferecer estabilidade. Os economistas sempre dizem isso, mas não têm credibilidade. Quem precisa dizê-lo somos nós, gatos monteses vegetarianos”, brincou. Era uma referência a seu passado guerrilheiro e seu presente de político preocupado em proteger os investimentos e manter o rumo da política econômica.
No entanto, a mudança de “hábitos alimentares” de Mujica, que tomou posse nesta segunda-feira, havia sido registrada bem antes. Durante a campanha eleitoral, as mensagens foram claras. A primeira foi a escolha de seu companheiro de chapa: Danilo Astori, ministro da Economia no governo de Tabaré Vázquez, então partidário da assinatura de um tratado de livre-comércio com os Estados Unidos e questionado pelo setor liderado pelo próprio Mujica por promover uma política econômica semelhante, em certos aspectos, à de governos anteriores.
Cézaro de Luca/EFE
Já na campanha para as eleições primárias, Mujica havia dito ao semanário uruguaio Brecha que era preciso seguir políticas de esquerda em alguns aspectos e políticas de direita em economia. “Na macroeconomia, temos atuado como se fôssemos primos de Ignacio de Posadas (político conservador do Partido Nacional)”, brincou em outra ocasião.
Em meados de fevereiro, quando anunciou que manteria nos cargos os presidentes dos bancos estatais, Mujica afirmou que seria perigoso dar “sinais de incerteza” em um país pequeno como o Uruguai. Ele sublinhou que era necessário atrair investimento interno e externo por meio de “políticas previsíveis”.
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Naquele 10 de fevereiro, Mujica convidou 1.500 empresários uruguaios e da região para um almoço no hotel Conrad denominado “Os empresários no projeto nacional”, a fim de pronunciar as mesmas palavras. “Apostem aqui. Ninguém vai expropriá-los nem lhes cobrir de impostos”, convidou. E concluiu: “É preciso cuidar do clima de investimento, porque a riqueza é filha do trabalho e o trabalho é investimento. Por isso lhes dizemos: apostem no Uruguai!”
“O discurso no Conrad não representa uma ruptura do que Mujica disse na campanha, mas é uma mudança em relação ao que ele e seu grupo político pregavam anos antes, especialmente sobre os limites que devem ser impostos ao investimento estrangeiro”, disse ao Opera Mundi Jaime Yaffé, cientista político da Universidade da República.
Pragmatismo
Para Agustín Canzani, cientista político e diretor da Fundação Líber Seregni da Frente Ampla, o discurso em Punta del Este tampouco foi surpreendente e não significa uma guinada rumo ao centro. “Mujica é muito pragmático, sempre foi, e a campanha da FA foi muito clara ao valorizar o investimento como elemento crucial para o desenvolvimento. É um tema sobre o qual a FA já se definiu”, disse. Nesta linha, Mujica escreveu no ano passado em seu blog de campanha Pepe tal cual es: “O 'esquerdômetro' que uso é pragmático, não ideológico, pois só é sensível à dor e à alegria do animal humano. É de esquerda receber com os braços abertos as indústrias multinacionais que operam com derivados da madeira? Pergunte às milhares de pessoas que, direta ou indiretamente, trabalham ali. Ou pergunte ao pessoal do fisco que lhes cobra os impostos.”
Canzani afirmou que as declarações surpreendem se confrontadas com o estereótipo de Mujica – cultivado especialmente no exterior – de guerrilheiro radical. No entanto, disse ele, o novo presidente afastou-se há vários anos dessa imagem. Por outro lado, segundo Canzani, “boa parte do empresariado argentino usou esse estereótipo para atacar os Kirchner”.
A imprensa argentina informou que alguns empresários desse país compararam Mujica a Lula. E Lula é, justamente, o modelo do novo presidente uruguaio. A fundamentação dessa preferência é similar às ideias apresentadas no Conrad. Como dizia Mujica no ano passado em seu blog de campanha, “Lula não fez nenhuma revolução, mas tirou 50 milhões de pessoas da indigência e lhes deu dignidade e esperança. E ao mesmo tempo em que cumpria uma enorme meta solidária, aumentava a força da economia brasileira. Isso porque, na indigência, se produz pouco e se consome menos e, portanto, não se contribui quase nada para este carrossel que, de algum modo, é o capitalismo.”
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