Ainda é possível imaginar uma reforma da Organização das Nações Unidas e principalmente de seu Conselho de Segurança? Essa foi a principal questão, junto com a participação do Brasil nesse processo, que foi abordada no debate Por que a Reforma da ONU está paralisada?, realizado quinta-feira (18), pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio com o apoio da Embaixada Britânica, do Consulado Francês e do Centro de informações da ONU (UNIC).
Os especialistas convidados, entre os quais estavam presentes o embaixador Marcel Biato, assessor de política externa do gabinete da Presidência da República, o ex-embaixador do Brasil na ONU Gelson Fonseca, e o embaixador da França Alain Dejammet, apontaram os principais obstáculos da reforma e a maneira como o Conselho foi criado, no contexto histórico do pós-guerra.
Além disso, eles ressaltaram a rivalidade entre os países, já que os Estados possuem interesses individuais; e as dificuldades das potencias emergentes, que reivindicam uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, de serem apoiadas pelas suas nações vizinhas (Argentina para Brasil, Itália em relação à Alemanha, etc..).
“Nos não sabemos mais hoje o que é a segurança, o próprio conceito mudou desde os anos 90”, afirmou Marcel Biato. “Hoje, temos também que considerar questões como as armas atômicas, as mudanças climáticas, a segurança alimentar”, completou.
Para Alain Dejannet, ex-embaixador da França nas Nações Unidas, há possibilidade de evolução na reforma. Nesta entrevista ao Opera Mundi, ele assegura que “o Brasil pode fazer muito sendo ele mesmo”, para se tornar membro permanente do Conselho de Segurança.
Ele alerta, porém, sobre as dificuldades de “tomar posições controversas e pagar um preço político em partes do mundo distantes”.
Como o senhor explica as dificuldades para reformar a ONU?
Existem varias explicações. Em primeiro lugar, devemos lembrar que a ONU é um conjunto de países, e que todos disputam o prestígio. Alguns não aguentam a idéia de um país da sua região tornar-se membro permanente do Conselho de segurança da ONU. Mesmo que eles não sejam candidatos, não querem que os vizinhos se beneficiem com a reforma. Eles acham que abrindo as portas a novos membros é como criar uma nova hierarquia entre os países.
Em segundo lugar, os 192 países da ONU não compartilham os mesmos valores. Por exemplo, há países que acreditam na justiça internacional, mas metade dos membros da ONU não ratificaram a criação do tribunal penal internacional.
Finalmente, alguns países acham que as instituições centrais da ONU não funcionam. É o caso, por exemplo, do Conselho Econômico e Social, que nos fatos é agora substituído pelo G20. O mesmo vale para o Conselho de Segurança, cujas resoluções são ignoradas. Isso é muito grave.
Por que o senhor considera que uma reforma é necessária?
Para ser eficaz, é necessário que o Conselho de Segurança não exceda um número razoável. É por isso que os americanos são muito relutantes em ir além de 21 membros – hoje são 15, incluindo 5 permanentes. Não dá realmente para discutir seriamente um tema com grupos muito grandes.
Mas há o sentimento que os países que desempenham um papel cada vez mais importante no mundo, como Índia, Brasil, e que os que são os principais contribuintes para o orçamento da ONU, como Japão e Alemanha, deveriam fazer parte permanente do Conselho de Segurança.
Essa é a posição francesa, e eu acho que uma maioria de países pensa assim na ONU. Infelizmente, ainda não chegamos a uma maioria de dois terços, necessária para reformar a Carta Orgânica da ONU. *
Qual é a legitimidade do Brasil em pedir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança?
O Brasil tem produzido grandes embaixadores, todos muitos ativos. Celso Amorim, o atual ministro das Relações Exteriores, por exemplo. Ele propôs uma abordagem original para a questão do Iraque quando estávamos em crise. Ele também emitiu idéias interessantes em relação aos Estados falidos.
Além disso, o Brasil deu grandes figuras ao Secretariado das Nações Unidas. Penso especialmente a Sérgio Vieira de Mello, um homem excepcional, imparcial, objetivo.
Qual é a melhor estratégia para o Brasil?
O Brasil pode fazer muito sendo ele mesmo. Um país que produziu grandes homens para as Nações Unidas, e que tem idéias. Gostaria de lembrar que o Brasil foi também muito ativo em temas econômicos: por exemplo, é responsável por estabelecer o direito do mar dentro da ONU.
Hoje, ele demonstra seu compromisso com o Haiti. E o engajamento do presidente Lula para no Oriente Médio é o sinal que o Brasil olha para novos horizontes.
O senhor acha que o Brasil está pronto?
Acho que sim, mais o Brasil ainda deve levar em conta questões técnicas, tais como as contribuições para a ONU, que aumentam com as operações de manutenção da paz. Também deve se preparar a enviar mais tropas. O Brasil deve apresentar propostas para todos os problemas do mundo, não apenas a região.
Hoje, se a presença da França e do Reino Unido não é discutida no Conselho de Segurança, não é por causa de seu peso demográfico, militar ou econômico, mas também porque são esses dois países que fornecem 70% de resoluções em caso de crise.
Se o Brasil quiser se tornar um grande ator, deve entender que não vai ser sempre popular e simpático, como é percebido hoje no mundo. Ou seja, até que ponto o Brasil esta disposto a mudar a imagem para um país que poderia tomar posições controversas e pagar um preço político em partes do mundo mais distantes?
Na ausência de acordo sobre a reforma, o que daria para fazer?
Estamos trabalhando na idéia de um período transitório, para que estes países permaneçam por mais tempo no Conselho de Segurança. Hoje, o Brasil, Alemanha e Japão ocupam uma cadeira no Conselho de Segurança a cada cinco anos. Se a re-elegibilidade fosse autorizada, estou convencido que o Brasil acumularia muito mais mandatos no Conselho.
Eu sei que o Brasil não quer isso, mas isso pode ser uma medida transitória, para que se torne gradualmente um membro permanente. Isso criaria um hábito, e pode quebrar os preconceitos contra sua entrada definitiva no conselho permanente de segurança.
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