Para os milhares de imigrantes centro-americanos em busca do sonho americano, a segunda etapa da longa viagem até os Estados Unidos começa na cidade de Arriaga, no estado mexicano de Chiapas, já distante da fronteira com a Guatemala. Até aquele momento, hondurenhos, salvadorenhos, nicaraguenses, entre outros, já haviam passado pela provação de ingressar no México, uma etapa difícil e perigosa da jornada.
São cinco horas da tarde de uma quarta-feira e, sem nenhum aviso prévio, o trem de uma empresa de cimentos começa a andar, deixando lentamente o vilarejo de Arriaga. Alguns imigrantes escalam os vagões em movimento e rapidamente se sentam no teto, ainda fervente depois do sol de um dia inteiro. Sempre que possível, colocam pedaços de papelão sobre o metal para tornar a viagem menos desconfortável. Sobre o trem, as dezenas de viajantes ficam colados uns aos outros, em silêncio. Para chegarem até aqui, já percorreram centenas de quilômetros usando todo tipo de transporte, como balsas e vans, mas também caminhando.
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Grupo de hondurenhos viaja no teto de trem já no estado de Oaxaca, México
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“Sabemos o que nos espera”, contou ao Opera Mundi Henry, sentado sobre o vagão cinza, cuidando de seu pequeno espaço. “Alguns, porque já fizeram essa viagem antes, como eu. Outros, porque ouviram os relatos, as histórias dos amigos e parentes que conseguiram cruzar a fronteira.”
O hondurenho explicou que aquele é o primeiro trecho percorrido pelo trem, que vai até Ixtepec, estado de Oaxaca. “O perigo é sermos assaltados pelos Zetas [grupo de narcotraficantes mexicano] ou outros criminosos. Se eles sobem armados, com o trem em movimento, não há como escapar. Às vezes, eles se infiltram entre os imigrantes e, de repente, no meio da noite, sacam um revólver e te assaltam. Por isso levamos essas pedras e paus. Para nos defender de alguma maneira.”
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Henry viaja em um grupo de cerca de quinze pessoas, quase todas hondurenhas. No teto de um vagão dividem a água e a pouca comida disponível. Duas pessoas controlam o acesso à parte dianteira; outras duas, à traseira. Todos estão prontos para saltar do trem em movimento caso haja algum perigo. Mas em seus rostos não se nota tensão alguma, e sim esperança, cansaço e um discreto otimismo.
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Às oito e meia da noite o trem chacoalha subitamente. Os passageiros se preparam para fugir. O comboio de vagões range. Já não há mais sol e, ao longe, é possível ver alguns relâmpagos iluminando o céu. No trem, o silêncio é palpável. Na entrada do pequeno povoado de Chahuites, no estado de Oaxaca, aparecem dezenas de sombras e raios de luz em ambos os lados.
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Começo da viagem em Arriaga: trem parte da cidade, em Chiapas, rumo a Ixtepec
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“Desçam desse maldito trem, filhos da mãe! Vamos! Desçam, malditos! Não sacaneiem, rápido, rápido, desçam, filhos da p., vamos acabar com vocês!”
Essas são as primeiras palavras que se escutam dos oficias da Polícia Federal, encapuzados, armados com fuzis de alto calibre, que apontam para o teto do trem, iluminando os vagões com lanternas. A besta, como os imigrantes chamam o trem, se esvazia em poucos segundos, ainda em movimento.
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Mais alguns segundos e 30 policiais federais detêm mais de 100 pessoas. Os imigrantes são empurrados contra o chão com violência, dispostos de barriga para baixo em quatro longas fileiras em ambos os lados do trem. Os federais os insultam, ameaçam e os pisoteiam com suas pesadas botas negras. Começa aquilo que, segundo eles, é uma “operação de identificação de rotina”. Nenhum órgão de imigração está presente, apenas um veículo militar com 10 soldados, parado a 100 metros dali.
Em meio ao caos geral, os imigrantes são revistados. Alguns conseguem escapar na escuridão. Escutam-se pelo menos três disparos de M16. Cada agente federal oferece uma versão sobre o objetivo da operação.
“Fomos alertados por alguns telefonemas dos moradores do povoado, assustados com os criminosos que chegam no trem”, afirmou o primeiro agente ao Opera Mundi. “É uma operação que serve para proteger os próprios imigrantes”, explicou outro, com o rosto escondido no capuz. “A ordem foi dada porque recebemos notícias alarmantes”, declarou um terceiro agente. “Grupos criminosos estão roubando os trilhos nesta área, portanto há um alto risco de descarrilamento e é preciso esvaziar o trem.”
O número de detidos passou de 100, porém, quando chegam funcionários do Instituto Nacional de Migração, após mais de uma hora e meia, só 47 são levados a seu escritório. E os outros, onde ficaram?
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Cristian, de vermelho, e Henry, de camisa listrada, acompanhandos dos colegas, viajam no “trem da morte”
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Fim da linha
“Quando o trem parou, consegui saltar sem me machucar, mas os federais me pegaram. Jogaram-me no chão de barriga para baixo”, contou Víctor, a salvo sob o teto da Casa do Migrante de Ixtepec, em Oaxaca.
“Então me revistaram e perguntaram quanto dinheiro eu tinha. Tiraram-me dos bolsos tudo o que eu levava: 1,2 mil pesos (170 reais). Depois me pegaram pelo braço, me levantaram e me mandaram 'desaparecer', avisando que, se me vissem de novo, me 'arrebentariam'. Saí correndo, consegui pegar o trem depois do povoado de Chahuites e chegar até Ixtepec.”
O testemunho de Víctor coincide com o de outras dezenas de imigrantes que conseguiram escapar de Chahuites depois do assalto dos agentes federais e chegar a Ixtepec.
A economia da imigração que cruza o México envolve o narcotráfico, oficiais e agentes de cada corpo policial e militar, funcionários públicos, comerciantes e até mesmo vendedores ambulantes. “Os migrantes são como os bois, tudo se aproveita”, afirmou Henry. “Tudo o que conseguem arrancar de nós vira ouro aqui. E, pelo jeito, ninguém pretende acabar com a mina.”
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