Um relatório publicado pela União Nacional de Fazendeiros dos Estados Unidos, principal sindicato rural norte-americano, em parceria com o grupo lobista Avoided Deforestation Partners (Parceiros para o Desmatamento Evitado), provocou fortes reações de algumas das mais importantes organizações ambientalistas nos EUA e no Brasil.
O relatório “Fazendas Aqui, Florestas Lá – Desmatamento Tropical e Competitividade Americana na Agricultura e na Madeira” diz que preservar a Amazônia tem uma grande vantagem para os fazendeiros americanos: refrear a concorrência de commodities agrícolas produzidas no Brasil.
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Um vídeo lançado junto com o relatório vai ainda mais longe ao dizer, em linguagem simples e clara, que proteger as florestas brasileiras pode proteger empregos americanos.
“Madeira e produtos agrícolas vindas do desmatamento tropical competem a preços mais baixos do que produtos americanos mais ambientalmente sustentáveis, tirando postos de trabalho americanos. Proteger essas florestas irá criar bons empregos em conservação para os habitantes dos países tropicais e garantir que os americanos tenham uma chance justa de competir”.
O vídeo também deixa clara a intenção do grupo ao garantir que para combater a crise climática “nenhuma nova tecnologia é necessária. Nenhum novo sistema precisa ser inventado”. A proteção de florestas seria “a solução mais barata”.
O texto do relatório afirma que o desmatamento “levou a uma expansão dramática de commodities que competem diretamente com os produtos americanos”, chegando a sugerir concorrência desleal ao afirmar que “grande parte dessa expansão dos produtos agrícolas e madeireiros foram obtidos por meio de práticas que não alcançam os padrões da indústria americana de sustentabilidade, condições de trabalho e direitos humanos básicos, dando uma vantagem competitiva às operações internacionais sobre os produtores americanos”. O texto cita como exemplos o gado e a soja brasileira e o óleo de palma da Indonésia.
“Se as florestas forem conservadas, a terra não será convertida em plantações ou pastagem”, diz o estudo.
“Pode-se esperar uma redução na produção desses países como resultado da restrição de terras e aumento do custo de produção”. Com isso, o faturamento dos agricultores norte-americanos aumentaria em até 270 bilhões de dólares entre 2010 e 2030, afirma o relatório.
O estudo, publicado no final de maio, visa a influenciar o debate sobre uma lei de mudanças climáticas em tramitação no Senado americano. A lei permitiria que empresas poluidoras compensassem suas emissões de gases do efeito estufa financiando a proteção de florestas em países tropicais.
Entre as empresas que participam da coalizão Avoided Deforestation Partners estão algumas das maiores empoluidoras do setor elétrico americano: Duke Energy, PG&E, El Paso Gas e American Electric Power, a maior produtora de energia elétrica a carvão do país.
Irritação
Algumas das principais ONGs ambientalistas americanas mostraram irritação com o estudo. As organizações Conservação Internacional, Environmental Defense Fund, National Wildlife Federation e The Nature Conservancy – todas citadas no relatório como tendo participado da pesquisa – emitiram um comunicado em que rejeitam as conclusões.
“As organizações não se associam e não endossam as conclusões do relatório”, diz a carta. “Nota-se que o relatório é baseado na suposição, totalmente infundada, de que o desmatamento nos países tropicais poderá ser facilmente interrompido, e suas conclusões são, por conseguinte, igualmente irrealistas”.
A resposta das ONG diz ainda que “diversos estudos científicos comprovam que para reduzir o desmatamento é necessário aumentar a competitividade da produção agrícola fora da fronteira da floresta”.
ONGs brasileiras também reagiram com ultraje. Na quarta-feira onze grupos ambientalistas, entre eles WWF Brasil, Fundação SOS Mata Atlântica, Fórum Carajás, Greenpeace e Instituto Socioambiental emitiram uma nota repudiando o estudo, que para elas “desconhece a realidade brasileira”.
O estudo estaria “equivocado ao assumir que o fim do desmatamento por aqui significaria paralisar a expansão da produção de commodities agrícolas a preços competitivos”.
Segundo a nota, existem no Brasil pelo menos 61 milhões de hectares de terras de elevado potencial agrícola, hoje ocupadas por pecuária de baixa produtividade. “A tendência atual é a substituição da produção agropecuária de baixa produtividade por sistemas de produção mais intensivos e com maior produtividade.”
No Senado
No Brasil, o relatório tem sido usado por parlamentares críticos à legislação ambiental como prova da “real intenção” das ações ambientalistas americanas. O senador Jorge Yanai, do DEM do Mato Grosso, usou a tribuna na terça-feira para afirmar que os EUA querem “evitar o crescimento da agricultura em outros países, nesse caso, mais especificamente no Brasil, que tem seus números de produção agrícola cada vez mais competitivos”.
O senador aproveitou para atacar o Código Florestal brasileiro. “Não é fácil crescer quando o agricultor se depara com tantas restrições. O Código Florestal elaborado durante a época do regime militar sofreu tantas alterações no passar dos anos que transformou em áreas ilegais, que necessitariam ser desativadas, parte do universo de milhões de propriedades rurais no país”.
Uma proposta de alteração do código florestal apresentada pelo deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), com o apoio da bancada ruralista, está em discussão em uma comissão especial na Câmara dos Deputados e deve ser votada no começo de julho.
Mas a nota das ONGs ambientalistas também repudia a tentativa de usar o estudo norte-americano para legitimar “propostas que, essas sim, atentam contra o interesse nacional, ao permitir o desmate de mais de 80 milhões de hectares e a anistia definitiva para aqueles já ocorridos”.
“Não podemos, nesse momento em que o Código Florestal pode vir a ser desfigurado pela bancada ruralista do Congresso Nacional, nos desviar da discussão que realmente interessa ao país, que é saber se precisamos ou não das florestas para o nosso próprio bem-estar e desenvolvimento”, conclui a nota.
Contabilidade ambiental
Para o engenheiro florestal Beto Mesquita, presidente da ONG Bioatlântica, o estudo não reflete a realidade, já que em relação à área total de produção agrícola a fronteira de expansão representa “uma porcentagem pequena”. “A agricultura brasileira consegue ser competitiva ainda tendo que competir com uma série de subsídios que são concedidos a agricultores do hemisfério norte”, diz.
Ele avalia que há uma tendência de modernização na agricultura brasileira, que começa a levar em conta os custos ambientais da produção. “Para ser completa, a contabilidade agrícola precisa incluir os custos ambientais, e aí chegar à conclusão que ela ainda assim consegue ser altamente rentável. E isso que a gente vê, por exemplo, no setor de papel e celulose. A grande maioria das empresas mantém as suas reservas legais, faz investimento em proteção das margens dos rios, restauração florestal e nem por isso deixa de ser altamente lucrativas”.
“Talvez a agricultura americana tenha que dar vários passos em direção à sua própria sustentabilidade”, afirma. “O que a agricultura precisa em nível mundial não é menos, é mais competição, mas entrando também na balança os critérios ambientais”.
A Adpartners foi procurada pela reportagem, mas não se pronunciou até o fechamento desta edição.
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