A revolta popular que parou a capital de Moçambique, em 1˚ de Setembro, contra aumentos nos preços de produtos básicos, como o pão, lançou luz sobre a produção interna de alimentos, que não supre a demanda nacional. Desde 2008, o governo moçambicano tenta promover uma “Revolução Verde”, mas o país ainda é dependente de importações, principalmente de cereais, e foi atingido em cheio pelo aumento internacional no preço do trigo. Durante as manifestações, era comum ouvir gritos dos manifestantes: “estamos a morrer de fome”.
A “Revolução Verde” moçambicana é formada por um conjunto de programas que tem como objetivo aumentar a produção de alimentos. Um dos mais importantes é o Plano de Acção para Produção de Alimentos (PAPA) 2008-2011, criado para responder à carência e agravamento mundial dos preços de alimentos.
O programa já previa um déficit de 410 mil toneladas de milho e trigo para a campanha agrícola 2010/2011. Mas o déficit registrado foi 48% maior que o previsto: atingiu 610 toneladas, segundo balanço alimentar publicado este ano pela Direção Nacional do Comércio (DNC). O órgão prevê que serão necessárias 830 mil toneladas em importações de cereais para suprir o enorme déficit verificado este ano.
Já a produção de outros alimentos, como feijão, amendoim e tubérculos deve suprir as necessidades de consumo do país, prevê a DNC.
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Apesar de ainda não suprir a demanda interna, a agricultura moçambicana progrediu nos últimos anos: cresceu 10% no segundo trimestre de 2010 e foi o setor econômico mais importante para o país, contribuindo com 31% no PIB.
Mas, dados preliminares do Trabalho de Inquérito Agrícola de 2008 mostram que a distribuição do crescimento agrícola não é equitativa: a maioria dos moçambicanos que vivem na zona rural empobreceu e ganha menos de 1 dólar por semana. Moçambique está nas últimas posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2009: 172, de um total de 182 países. Números oficiais apontam que 54% da população vive abaixo da linha da pobreza.
Além da carência na produção alimentar, Moçambique enfrenta uma carência de demanda, de mercado consumidor de alimentos. *Números oficiais apontam que 54% da população vive abaixo da linha da pobreza. O país está nas últimas posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2009: 172, de um total de 182 países.”
Agricultura de subsistência
Moçambique tem um grande potencial agrícola, mas a produção interna de alimentos é basicamente de subsistência. Plantações comerciais são uma paisagem muito rara pelas estradas que cortam o país. Muito comuns são as “machambas”, pequenas áreas onde se pratica agricultura de subsistência. Segundo o Ministério da Agricultura, Moçambique possui 36 milhões de hectares de terras aráveis, dos quais apenas 6 milhões são efetivamente cultivados.
De cada 10 moçambicanos, 7 vivem na zona rural e 8 dependem da agricultura para sobreviver. Cerca de 80% dos produtores cultivam milho e 55% mandioca. A tecnologia usada na produção agrícola é muito baixa: apenas entre 3 e 5% das plantações usam fertilizantes e pesticidas. A área média cultivada é de 1,2 hectares (dados do Ministério da Agricultura). O que sobra da produção das machambas geralmente é vendido a preço barato nas estradas por crianças, mulheres e jovens.
O maior desafio para aumentar a produção de alimentos em Moçambique é transformar a produção de subsistência em comercial, aumentando a escala e a produtividade. Mas os camponeses não tem dinheiro e capacitação para promover essa transformação.
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Joseph Hanlon, pesquisador britânico e autor do livro “Há mais bicicletas, mas há desenvolvimento?”, argumenta que Moçambique deve dar subsídios para seus produtores para que eles possam se transformar em agricultores comerciais. Hanlon cita como exemplo Zimbabwe e Malawi, países que fazem fronteira com Moçambique e que abandonaram a linha não intervencionista, deram subsídios para fertilizantes e garantiram preços. Resultado: aumentaram suas produções agrícolas e passaram de importadores para exportadores.
“Nas últimas duas décadas, Moçambique seguiu as políticas neoliberais do Banco Mundial, FMI e doadores (grupo de países que foi responsável por 46% do orçamento do Estado moçambicano em 2010). Elas pregavam que o setor privado acabaria com a pobreza e que a função dos doadores e do governo seria de prover infraestrutura, como estradas, mas não de intervir na agricultura. O não intervencionismo na agricultura não ajudou em nenhum lugar na África e é o oposto da “Revolução Verde” asiática”, critica Hanlon.
Na sexta-feira (10), o ministro de Agricultura, Soares Nhaca, frisou que Moçambique não vai subsidiar a produção, ao anunciar que serão lançadas novas linhas de crédito para a agricultura.
Ajuda internacional
A aposta na agricultura para desenvolver o país é unanimidade tanto no governo de Moçambique como entre os países doadores.
Apesar de falarem muito sobre agricultura, os doadores alocaram no setor apenas 4% do total da assistência oficial para o desenvolvimento (ODA) que mandaram para Moçambique, de 2000 a 2006. A partir de então, começaram a programar mais fundos, mas “muito pouco das promessas de financiamento foram de fato cumpridas pelos doadores”, criticou o relator especial das Nações Unidas sobre Direito à Alimentação, Olivier de Schutter, em entrevista à Rádio da ONU no dia 07 deste mês.
Outra medida que poderia ser adotada pelos países ricos para estimular a produção de alimentos nos países pobres, como Moçambique, é a redução dos subsídios aos seus produtos agrícolas, aumentando a competitividade dos produtos africanos. Em 2008, Estados Unidos, União Europeia e Japão gastaram US$ 219 bilhões em subsídios e tarifas alfandegárias para seus agricultores, oito vezes mais do gastaram com ajuda para a África naquele ano, segundo dados publicados pela The Economist em maio.
Já os investimentos estrangeiros na área agrícola estão voltados para culturas de rendimento, como tabaco, cana-de-açúcar, algodão e outras culturas para produção de biodiesel, cujas produções tem crescido.
“Muitos países pobres dependem dos mercados internacionais de alimento para sua segurança. Os países africanos foram encorajados a não desenvolver sua produção agrícola para consumo interno, ao contrário, foram incentivados a produzirem culturas de rendimento para exportação, o que os torna extremamente vulneráveis a situações como essa (de aumento internacional no preço dos alimentos)”, continua Schutter.
Crédito para agricultura
Além do PAPA, outro programa importante na “Revolução Verde” é o Fundo de Investimento Local, mais conhecido como “7 milhões”. A cada ano o governo central repassa créditos de cerca de 7 milhões de Meticais (R$ 330 mil) para cada região do país, que devem ser emprestados para projetos de produção de alimentos e geração de renda. Camponeses, carpinteiros, padeiros, que não conseguiriam empréstimo bancário, são alvos do programa.
No distrito de Mocuba, no Norte de Moçambique, João José Abdula, 43 anos, deixou o trabalho de segurança para abrir uma micro indústria de processamento de mandioca, a “Mandioca da Mama”. Em 2009, ele recebeu do programa 110 mil Meticais (R$ 5.160). Com esse dinheiro, comprou maquinário, alugou uma casa e, desde Maio deste ano, produziu uma tonelada de mandioca processada. Seu próximo passo é tentar introduzir na região o pão de mandioca, em substituição ao pão de trigo, em falta no mercado mundial. Para isso, conta com um novo crédito de 70 mil Meticais (R$ 3.280) dos “7 milhões”.
Antonio Gusse, administrador do distrito de Mocuba, conta que a maioria dos projetos financiados pelos “7 milhões” na região estão relacionados à produção de comida e que um dos maiores desafios do programa é reaver o dinheiro emprestado. Em Mocuba, desde o início do programa em 2007, apenas cerca de 5% foram devolvidos.
O Opera Mundi tentou entrar em contato com o representante interino da FAO em Moçambique, Maurício Cysne, e o Diretor Nacional de Serviços Agrários do Ministério da Agricultura, Boaventura Nuvunga, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
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