Os chilenos voltam às urnas neste domingo (16/05) para o segundo e decisivo dia de votação das eleições que irão definir os 155 parlamentares constituintes responsáveis por escrever a nova Constituição do país.
O pleito se torna especial para o Chile não apenas por ser realizado em dois dias – milhões de pessoas já votaram no sábado – mas também por ser inédito, já que a próxima Carta Magna vai substituir a vigente, escrita sem participação democrática durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Segundo o Serviço Eleitoral do Chile (Servel), mais de 3 milhões de pessoas já foram às urnas no sábado e a votação transcorreu com normalidade.
“O processo eleitoral no dia de hoje [sábado] ocorreu de forma exitosa e quase a totalidade de urnas e materiais eleitorais se encontram sob os cuidados das Forças Armadas e Carabineros”, disse Andrés Tagle, presidente do Servel, por volta das 20 horas locais (21h de Brasília), após o fechamento das urnas ontem.
O segundo dia do pleito é o decisivo, já que os votos de ontem e de hoje começam a ser apurados após o fechamento das urnas, às 18h (19h de Brasília).
Dos 155 assentos que irão compor a Assembleia Constituinte, 17 estão reservados para candidatos indígenas. Outro diferencial nessas eleições é a cláusula da paridade de gênero. Segundo o regulamento aprovado para a Constituinte, o número de parlamentares homens e mulheres deve ser equitativo. Em distritos que tenham número par de candidatos, deve ser eleita a mesma quantidade de homens e mulheres. Já distritos que tenham números ímpares de candidatos, a diferença entre homens e mulheres eleitas não deve ser maior do que um.
O pleito, que também definirá novos governadores, prefeitos e vereadores, é fruto de uma jornada de protestos que ocorreu em 2019 e se alastrou por todo o país, levando milhões de pessoas às ruas para rechaçar as medidas neoliberais do governo do presidente Sebastián Piñera e pedir reformas estruturais no funcionamento do Estado chileno.
O modelo da Assembleia Constituinte que se formará após essas eleições foi o resultado do plebiscito realizado em 25 de outubro de 2020, quando os chilenos decidiram mudar a Constituição e realizar uma Constituinte com representantes do povo, rechaçando uma Assembleia mista com a participação de atuais detentores de cargos eletivos.
Para a Assembleia Constituinte se apresentaram mais de mil candidatos, dos quais 649 são mulheres, 629 homens e 95 indígenas, que só podem ser votados por aqueles que se autodenominam como tal no sistema eleitoral. Segundo dados divulgados pelo Serviço Eleitoral do país (Servel), 1.232.454 moradores de comunidades indígenas foram convocadas às urnas. Os povos mais representados são os Mapuche, Aymara e Diaguita.
Servel
Mais de 3 milhões de pessoas já votam no sábado (15/05)
O que está em jogo na eleição constituinte?
A atual Constituição é a décima da história do Chile e a terceira mais longeva. Foi imposta em 1980 pelo ditador Augusto Pinochet – portanto, completou 40 anos de vigência em 2020.
Vale recordar que, mesmo antes da Constituição de 1980, todas as constituições chilenas foram escritas pelos chamados “grupos de notáveis”. O Chile nunca teve uma Assembleia Constituinte e jamais uma mulher participou da elaboração das leis fundamentais do país.
Ao final do regime de Pinochet, em 1990, houve um processo de transição no país que não incluiu uma nova constituinte, mas sim uma série de reformas à Constituição atual. Outra reforma constitucional aconteceu na primeira metade da década de 2000, durante o governo de Ricardo Lagos (2000-2006).
Nenhuma dessas reformas alterou as bases do modelo de sociedade construído pelos Chicago Boys – grupo de economistas formado na Universidade de Chicago que liderou a economia nos anos Pinochet –, que fazem do Chile um dos países que mais praticam o neoliberalismo no mundo.
Esse modelo foi o principal alvo da revolta social iniciada em outubro de 2019. Depois de um mês de manifestações diárias em todo o país, algumas com mais de 2 milhões de pessoas nas ruas, vários dias de repressão do exército, com toque de recolher incluído, os presidentes de quase todos os partidos decidiram realizar o que chamaram de “Acordo de Paz”, cujo principal aspecto foi a realização de um plebiscito constitucional, que aconteceu em outubro de 2020 e aprovou a convocação de uma Assembleia Constituinte e a realização de eleições diretas para a escolha de seus membros.
Um dos principais pontos de debate na Assembleia deverá ser a ampliação do papel do Estado em áreas como saúde, educação e no modelo de previdência social, este último um dos pontos mais criticados do regime atual.
O conteúdo da nova Constituição chilena dependerá da correlação de forças alcançada após a votação deste fim de semana. A nova Carta Magna só será aprovada com a maioria de 2/3 da Assembleia – 144 parlamentares – o que indica a necessidade de alianças táticas entre diversas forças políticas.
Para este pleito, os partidos apresentaram candidatos em listas – ao todo, são mais de 100 – além de contar com vários independentes, que não concorrem por siglas tradicionais da política chilena. Dos quase 1,3 mil candidatos à Assembleia, 68% não atuam em nenhum partido. Já a participação é uma grande incógnita, em um país com alta abstenção e voto voluntário. O plebiscito de outubro de 2020 atraiu 51% dos eleitores, um índice acima das últimas eleições.
Apesar do alto número de candidatos independentes, os partidos de maior relevância estão reunidos majoritariamente em três listas. A Vamos por Chile, de direita, abriga os partidos governistas, aliados do atual presidente Sebastián Piñera. Já a Lista de Apruebo é formada por legendas de centro-esquerda, cuja maioria das forças pertenciam ao bloco da Nova Maioria, que atuou durante o governo de Michelle Bachelet.
A esquerda chilena está reunida na lista Apruebo Dignidad, formada principalmente pelo Partido Comunista do Chile, Revolução Democrática (RD), Convergência Social (CS), Esquerda Libertária, Vitória Popular e Partido Igualdade e Ação Humanista.
Como será a votação no Chile?
De acordo com o cadastro divulgado pelo Servel, 14.900.089 pessoas estão habilitadas para participar das eleições. Todos os cidadãos maiores de 18 anos podem votar nestas eleições, embora chilenos que vivem no exterior não tenham permissão para votar neste pleito.
Pessoas que testaram positivo para covid-19 ou que tiveram contato com outra pessoa infectada devem manter o isolamento social obrigatório e também não poderão votar.
As urnas abriram às 8h (9h pelo horário de Brasília) e funcionarão até às 18h (19h pelo horário de Brasília), recendo votos nos dois dias, sábado e domingo.
Chilenos maiores de 60 anos, grávidas, pessoas com algum tipo de deficiência e eleitores que precisem de auxílio na hora de votar contam com regras especiais. Para esses grupos, a votação aconteceu somente no sábado, entre às 14h (15h pelo horário de Brasília) e 18h (19h pelo horário de Brasília).
Além da carteira de identidade ou passaporte e caneta de cor azul, os eleitores deverão usar máscaras de proteção contra a covid-19 e manter o distanciamento social, medidas implementadas por conta da pandemia do novo coronavírus.
Cada eleitor receberá um total de quatro cédulas em sua sessão de votação, uma para cada eleição: Assembleia Constituinte, governador, prefeito e vereador. Apenas uma preferência deve ser marcada em cada cédula.
*Com teleSur e Sputnik