Os venezuelanos estão em quarentena devido à pandemia de coronavírus e criaram uma nova rotina. Eles tentam se adaptar às medidas cada vez mais rigorosas estabelecidas pelo governo para conter o contágio do coronavírus.
A dona de casa Eumary García saiu nesta quarta-feira (18/03) para fazer compras. No açougue, aguarda na fila enquanto funcionários descarregam um caminhão recém-chegado com carne fresca. “Alguns negócios estão fechados, mas sim, encontramos lugares abertos onde comprar. Tem fila, porém conseguimos comprar sem problema. Até esse momento o abastecimento não foi afetado”, afirma a moradora do bairro La Hoyada, na região central de Caracas.
Ao lado, um pequeno mercado leva um aviso na porta: “sem proteção na boca não poderá entrar, por favor”. Do lado de fora, os clientes aguardam pacientes, só podem entrar cinco pessoas por vez. Mario Benitez foi comprar detergente de cozinha. “Sabão é o que precisamos para combater o vírus, temos que lavar as mãos toda hora”, explica o auxiliar de pedreiro. Está preocupado, afirma que trabalha por diária e vive com o dinheiro que ganha a cada semana.
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Em uma central dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap), que organiza a distribuição dos alimentos subsidiados, localizada em frente à praça Venezuela, uma fila dobrava a esquina na terça (17/03) e quarta-feira. A costureira Ircia Laya chegou de madrugada. “Vamos tentar comprar pelo menos uma cesta básica. A vantagem é que aqui podemos pagar com petro (moeda virtual venezuelana)”, conta a costureira. Enquanto esperava, contou que está fazendo máscaras protetoras para vender. “Tenho com tecido liso e também faço com bordado. Estou vendendo bastante”, conta.
Apesar de ser obrigatório o uso de máscaras, não é fácil encontrar para comprar nas farmácias, pois se esgotaram rapidamente. Mas, a criatividade impera nessas situações: cada um improvisa como pode. O funcionário público Yoanklin Rodríguez, que está de plantão, fez suas próprias máscaras caseiras. Colocou duas para garantir: uma de tecido e outra de papel. “Tenho que vir trabalhar, então soluciono como posso. Estamos mantendo uma estrutura mínima no Ministério de Comunicação, porque é de onde sai toda a informação oficial para o país”, destaca o funcionário do ministério.
Crianças em casa
Em casa com as crianças, os pais estão se desdobrando para criar atividades caseiras e manter os estudos dos pequenos. A empregada doméstica Maricela Rivero conta como mudou a rotina em casa com o filho de oito anos. “Recebemos as aulas com as instruções das professoras por e-mail. Eu mesmo vou dando os exercícios e alguma coisa que eu não sei eu chamo uma vizinha que é professora, ela nos explica”. Entretanto, o mais difícil é inventar as atividades de lazer. “Dieguito está muito inquieto, porque as crianças se sentem trancadas, sentem falta da escola, de seus colegas. E a situação agora é essa e temos que nos resguardar”, diz Maricela Rivero.
Ela relata que sai de casa apenas para comprar comida e materiais de limpeza. “Tenho comida até sábado. Até lá não vou sair”. E conseguiu máscaras em um centro médico público. “Fui levar meu irmão para um tratamento dentário e a dentista nos deu duas máscaras para cada um”. O pai de Diego, que mora no Peru, manda dinheiro para a família, mas como o país também está em quarentena e ele é pedreiro e trabalha por empreitada, não sabe como vai ser nas próximas semanas. Por enquanto, tanto no Peru como na Venezuela a ordem é ficar em casa.
As medidas drásticas, como a quarentena e o cancelamento de voos, tomadas pela Venezuela no começo dessa semana, ajudaram a desacelerar, ao menos por enquanto, a escalada das infecções. Foram detectados apenas três casos novos nos últimos três dias, somando 36 infectados no total. No Brasil foram mais de 100 casos novos no mesmo período.
Todos os voos da Europa, Colômbia e Panamá foram cancelados. As aulas de escolas e universidades estão suspensas em todo o país, o comércio foi fechado, com exceção dos estabelecimentos que fazem parte da cadeia de alimentos, mas nesse caso estão abertos até ao meio-dia. As fronteiras estão fechadas, no caso da Colômbia por decisão dos dois países, e do Brasil, por decisão do governo brasileiro.
Fania Rodrigues
O funcionário público Yoanklin Rodríguez, que está de plantão, fez as próprias máscaras caseiras
O metrô de Caracas, principal transporte público da capital venezuelana, está funcionando de forma parcial, pois só é permitido o ingresso de pessoas que estão trabalhando em setores prioritários, que estão de plantão, como segurança, saúde, transporte, comunicação e alimentação.
O uso de máscara protetora higiênica é obrigatório para quem sair de casa. Nos supermercados, farmácias e no metrô não permitem a entrada de ninguém sem a máscara. A justificativa é o contágio acontece através da saliva ao falar, espirrar e tossir.
“Nas últimas 24h não foram detectados novos casos de coronavírus no país”, informou a vice-presidente Delcy Rodríguez, na tarde de quarta-feira. “Se continuar assim dentro de alguns dias podemos flexibilizar a quarentena, até que surja uma vacina”, disse Maduro, na última quarta-feira. Nesta quinta-feira (18/03), o ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez, confirmou que o número de casos no país subiu para 42.
Por enquanto a ordem é ser rigoroso com a prevenção. Essa foi a resposta do governo para evitar o colapso do sistema público de saúde. Isso porque a Venezuela também enfrenta uma crise política, o bloqueio econômico e a queda do valor do barril de petróleo que afeta diretamente a economia venezuelana, dependente da renda petroleira.
Além dos hospitais e centros de saúde, outros centros de atendimento provisórios estão sendo montados com o passar dos dias. Essa semana o Ministério de Saúde criou salas de atendimento no próprio edifício do Ministério. O maior complexo cultural do país, o Teatro Teresa Carreño, foi transformado em um centro de atendimento médico. E nas favelas, equipes médicas fazem visitas de casa em casa para monitor a saúde dos moradores.
O médico Francisco Ramos trabalha no centro de atendimento do Ministério da Saúde e explica como funciona o trabalho de controle e prevenção do vírus. “Aqui nesse centro somos responsáveis pelo monitoramento de todos os casos suspeitos do Distrito Capital de Caracas. Vamos às casas visitar os pacientes em quarentena”, diz o clínico-geral.
Ele explica também qual é o protocolo que estão seguindo para que os pacientes que apenas suspeitam que estejam infectados. “Se a pessoa sentir os sintomas típicos do coronavírus, o primeiro que deve fazer é ligar para um 0800 que estamos divulgando. E uma equipe médica se mobiliza até a casa dela e examina o paciente. Nessa hora já realizamos uma primeira prova que descarta algumas possibilidades. Dependendo do caso encaminhamos para a realização do teste do coronavírus”, detalha o médico. Nesses casos, a quarentena é obrigatória.
São 47 hospitais habilitados para atender casos de emergência, com salas de isolamento e equipamentos adequados. Os centros de diagnóstico improvisados também aumentam. “À medida que os alertas de pandemia fomos aumentando, nós fomos adequando e ampliando a oferta dos centros habilitados em todo o país. No início, eram poucos centros de diagnóstico e agora estão aumentando a cada dia”, afirma o médico Francisco Ramos.
Os hospitais estão recebendo reforços e insumos extras, segundo disse o presidente Maduro na última quarta. As autoridades venezuelanas também estão incorporando a tecnologia para produzir estatísticas. Através de um aplicativo chamado Plataforma Pátria, a população responde algumas perguntas sobre seu estado de saúde e com isso o governo copila dados sobre a situação da saúde do país. Cerca de 150 mil pessoas já responderam a pesquisa, de acordo como vice-presidenta do país, Delcy Rodríguez.
O governo venezuelano solicitou à Organização Mundial de Saúde o fornecimento de cerca de 2 milhões de kits de teste do coronavírus, assim como insumos hospitalares. Além disso, centenas de empresas estatais, assim como as estruturas de organização popular, já estão trabalhando na produção de máscaras protetoras para suprir a falta desse produto nas farmácias. Na semana passada, o governo nacional distribuiu máscaras nas estações de metrô de Caracas.
Entre as medidas paliativas oficiais está a intensificação da distribuição e a venda de alimentos subsidiados. O governo também liberou o pagamento de um bônus extra através do programas sociais de distribuição de renda.