Menos de um mês após o registro da vacina russa Sputnik V contra a covid-19, a revista científica The Lancet publicou nesta sexta (04/09) os resultados das primeiras duas fases de testes clínicos do imunizante. Eles mostram a eficácia do medicamento.
A publicação dos dados da primeira e segunda fases de testes pela The Lancet, segundo afirmam os cientistas do Centro Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, é o primeiro passo de uma série de publicações sobre a Sputnik V em revistas científicas.
Uma das principais conclusões a que os cientistas do Centro Gamaleya chegam no artigo científico é a segurança da vacina. De acordo com os resultados dos testes clínicos da primeira e segunda fases, não foram detectados pelos especialistas efeitos indesejados graves da vacinação por nenhum dos critérios de avaliação.
Denis Logunov, vice-diretor do Centro Gamaleya, garante que se observa imunidade humoral e resposta imunológica celular em 100% dos vacinados, o que é suficiente para proteger o ser humano de forma eficaz contra a infeção pelo coronavírus.
“O nível de anticorpos nos voluntários vacinados foi 1,4-1,5 vezes maior do que nas pessoas que adoeceram e venceram a doença. Como comparação, a empresa farmacêutica britânica AstraZeneca obteve um nível de anticorpos nos voluntários vacinados praticamente igual ao nível de anticorpos daqueles que adoeceram após infecção pelo coronavírus”, publicou a revista, citando Logunov.
Da mesma forma, o Centro Gamaleya afirma que, no contexto dos testes clínicos da Sputnik V, em todos os voluntários se desenvolveu a imunidade celular T, representada tanto por células CD4+, como por células CD8+. Estas células permitem reconhecer e destruir as células infectadas pelo coronavírus.
Vacina funciona em 100% dos casos
Um dos maiores receios da comunidade científica em relação ao uso de vacinas na base de vetores de adenovírus do ser humano – é este precisamente o método usado pela vacina Sputnik V – seria a existência anterior em algumas pessoas de imunidade em relação aos adenovírus.
Em outras palavras, havia o receio de que esta imunidade não deixasse entrar no organismo a quantidade necessária de adenovírus humano, que na vacina exerce a função de “táxi”, levando às células o material genético da membrana externa do coronavírus (é bom lembrar que a vacina Sputnik V não contém o próprio coronavírus, o que excluiu completamente a possibilidade de infecção).
Considerando que as pessoas habitualmente adoecem por adenovírus (um exemplo é o simples resfriado), nelas pode se formar imunidade, a qual teoricamente poderia reduzir a eficiência da vacina, que usa adenovírus como vetor.
Os resultados dos testes acabaram mostrando o oposto: a imunidade pré-existente não influencia a eficiência da vacinação.
Gamaleya
Vacina russa é eficaz e garante imunidade, diz estudo publicado na Lancet
“Foi escolhida uma dose segura ótima, a qual garante resposta imunológica eficaz em 100% dos vacinados, até naqueles que tiveram há pouco tempo uma infecção por adenovírus. Isso acaba por reduzir a necessidade de desenvolver novas vacinas na base de plataformas não verificadas”, diz-se na publicação.
As plataformas não verificadas têm sido desenvolvidas por algumas empresas ocidentais devido aos receios sobre os adenovírus humanos, segundo especialistas russos. Algumas delas, como exemplo, a tecnologia mRNK (vacina da empresa Moderna) ou o adenovírus de chimpanzé (vacina da empresa AstraZeneca), nunca antes foram utilizadas para a criação de vacinas registradas.
Tais medicamentos necessitam de testes a longo prazo devido aos receios de sua influência na função reprodutiva do organismo, além de possíveis propriedades cancerígenas elevadas, capazes de provocar doenças oncológicas.
“Assim, desde 1953 no mundo já foram feitos 250 testes clínicos e publicados mais de 75 artigos internacionais, os quais confirmam a segurança das vacinas e remédios desenvolvidos nesta base […] Os medicamentos na base de vetores de adenovírus humanos são usados na prática há mais de 15 anos. É o caso da vacina contra o vírus Ebola e o medicamento contra o câncer Gendicina, usado na China há mais de 12 anos”, explicou Denis Logunov.
Tecnologia única de 2 vetores
Uma das particularidades da vacina russa, segundo o acadêmico e diretor-geral do Centro Gamaleya, Aleksandr Gintsburg, é o uso de dois adenovírus – os sorotipos 5 e 26 – em duas injeções separadas.
Atualmente, a vacinação dupla é reconhecida por muitos especialistas como fator capaz de fortalecer substancialmente a imunidade contra o coronavírus.
Contudo, se usarmos o mesmo vetor nas duas injeções, o sistema imunológico inicia um mecanismo de defesa e começa a rejeitar o medicamento na segunda injeção.
A utilização de um segundo vetor resolve o problema completamente, ajudando a evitar esse efeito neutralizante.
Centro Gamaleya versus AstraZeneca
Se, por um lado, alguns criticam o fato de a vacina russa ter sido testada em um pequeno número de voluntários, os cientistas ressaltam que conseguiram testar o sistema de duas injeções em um grupo de pessoas mais amplo do que, por exemplo, fez um dos líderes no desenvolvimento de outra vacina contra a covid-19, a empresa AstraZeneca.
A gigante britânica utilizou quatro vezes menos voluntários na primeira e segunda fases para a determinação da eficiência de duas injeções de sua vacina.
“A quantidade de participantes nos testes clínicos da vacina russa Sputnik V na primeira e segunda fases, quando se utilizaram duas injeções, foi quatro vezes maior do que o número de pessoas inoculadas com duas injeções na AstraZeneca”, explicou o diretor-geral do Fundo Russo de Investimentos Diretos (RFPI, na sigla em russo), Kirill Dmitriev.
(*) Com Sputnik