Desde o início da pandemia do novo coronavírus até o começo da campanha de vacinação, o governo federal, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), considera apenas povos indígenas aldeados na contagem de casos e mortes e na prioridade para a imunização.
Para a antropóloga Caroline Freitas, professora da Sociologia e Política – Escola de Humanidades (FESPSP), a decisão do governo de excluir cidadãos indígenas que vivem em centros urbanos é errada e evidencia o despreparo do Estado em lidar com essas populações na pandemia da covid-19.
“Há uma ideia muito difundida na sociedade que é de que o índio só pode estar na floresta de tanga. Não é assim. Viver na cidade não faz de ninguém menos indígena. Existe um despreparo generalizado de agentes do Estado para lidar com essas populações”, disse.
Freitas aponta que o método utilizado pelo governo federal indica discrepâncias na contagem de casos e mortes por covid-19 entre indígenas.
Segundo dados da SESAI, até o dia 8 de março havia 44.217 casos confirmados e 592 mortes, números diferentes dos divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que incluiu na contagem indígenas vivendo em contexto urbano.
De acordo coma APIB, 50.114 indígenas até o dia 8 de março foram infectados pela doença e 992 haviam morrido em decorrência da covid-19.
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Para antropóloga e professora da FESPSP, indígenas são mais vulneráveis em situações de epidemia
“Existe uma percepção de que o índio que vive na cidade é o índio falso e isso se explica pelo racismo estrutural que existe no país. Dependendo do governo isso é minorado, mas é algo constitutivo do Estado, que essas populações, apesar de serem autóctones, são vistas como estrangeiras em sua própria terra”, afirma Freitas.
A antropóloga explica que, historicamente, os indígenas são mais vulneráveis em situações de epidemia por conta das condições econômicas e sociais nas quais estão inseridos.
“Doenças infecciosas tendem a infectar mais populações indígenas, sejam elas aldeadas ou não, por conta do estilo de vida e da organização social. O fato de viverem em casas coletivas, o fato de terem na aldeia uma vida coletiva, faz com que exista uma organização social que os torna mais vulneráveis a epidemias”, explica.
Governo é agente transmissor da covid-19
Segundo dados da APIB, funcionários da SESAI e do Exército brasileiro foram responsáveis por transmitirem o vírus a algumas populações indígenas que estavam isoladas.
Casos desse tipo foram registrados no Parque Tumucumaqui, no Pará, no Alto Rio Purus, no Acre, no Alto Rio Solimões e no Vale do Javari, ambos no Amazonas.
Para Freitas, episódios como esses demonstram o nível de negligência do Estado ao tratar das populações indígenas
“O atendimento à saúde dos povos indígenas sempre foi frágil e desde que o atual governo começou as coisas pioraram. O governo age de maneira negligente ao não testar funcionários da área de saúde que entram em áreas indígenas, como funcionários da SESAI”, diz.
Segundo a antropóloga, “é importante perceber que a falta de planejamento, a falta de organização governamental para lidar com a pandemia afeta toda a população, mas a incidência sobre a população indígena tem uma camada extra de drama”.