Ainda no primeiro semestre de 2020, tornou-se claro que o controle da pandemia da covid-19 viria apenas com a vacinação em massa da população mundial. Iniciou-se uma corrida, ainda não concluída, pela busca de vacinas em diferentes partes do mundo. Investimentos públicos, sobretudo, foram direcionados a empresas públicas e estatais, semipúblicas e privadas, com um objetivo comum, mas com métodos e estratégias muito diferentes. Esse texto é uma tentativa de balanço geral, incorrendo necessariamente em algumas generalizações perigosas e que carregam imprecisões, portanto. Essas generalizações são, a nosso ver, no entanto, necessárias para pensarmos o quadro geral.
Escrevo como jornalista que está acompanhando a atual crise sanitária desde antes de ela se tornar uma pandemia. Não escrevo como um economista ou como um especialista em saúde. Creio, no entanto, que esse balanço pode ajudar os especialistas em alguma medida a pensarem questões específicas muito melhor que eu. Portanto, acréscimos e correções a esse texto serão muito bem recebidos.
O fato é que produzir e distribuir vacinas ganhou um sentido econômico evidente. Porém, muito mais do que isso, o desenvolvimento das diferentes vacinas levou à mobilização de capacidades de planejamento, produção e de negociação comercial e política. Além disso, alguns países, sobretudo os Estados Unidos, viram na pandemia do coronavírus a possibilidade de avançar no desenvolvimento de tecnologias que vinham sendo imaginadas, mas que não contavam com um campo de provas tão amplo quanto o proporcionado, infelizmente, pela pandemia.
As campanhas antivax, por outro lado, mostraram que o negacionismo é uma força política efetiva, conquistando não apenas pessoas desinformadas, mas até mesmo grandes fatias de setores supostamente mais bem preparados para lidar com a doença, como é o caso dos médicos. Longe de ser o assunto principal deste texto, o apoio tácito dos conselhos federais e regionais de medicina no Brasil a políticas sem efetividade alguma no combate ao coronavírus, como o uso de cloroquina e ivermectina, mostra como o discurso científico não tem nada de isento em termos ideológicos.
Até o início de fevereiro de 2021, foram contabilizados 236 vacinas sendo testadas no mundo, das quais 10 já haviam obtido autorização temporária para uso emergencial autorizado. Esses números estão em constante atualização
As tecnologias
As vacinas ligadas a esses projetos que obtiveram autorização temporária são as mais conhecidas do público. Mais do que separar por fabricante, no entanto, talvez seja mais interessante pensar nas três grandes tecnologias vacinais em disputa, porque elas revelam escolhas políticas e potenciais econômicos.
1) A tecnologia do mRNA (RNA mensageiro) é a mais recente e a de ponta. Foi a escolhida pela Pfizer/BioNTech e pela Moderna e trabalha com a aplicação de partes do RNA (material genético) do vírus no paciente. Por utilizar um material muito sensível a mudanças estruturais, esse RNA precisa ser mantido em baixíssimas temperaturas, para que não degrade. Além da vacina, sua aplicação exige uma rede de geladeiras extremamente potentes, o que inviabiliza sua disseminação em massa em muitas regiões do planeta.
2) As vacinas chamadas de segunda geração são as que usam vírus vetores: no caso, um ou mais adenovírus, humano ou de animal, via manipulação em laboratório, recebe estruturas genéticas do coronavírus, sobretudo ligadas a sua cápsula, de modo a ativer o sistema imunológico contra estruturas presentes no agente causador da covid-19. Essa é a tecnologia, entre outras, das vacinas AstraZeneca/Oxford (Reino Unido), Sputnik V (Rússia), Johnson&Johnson (Estados Unidos) e Convidicea (China). Essa tecnologia é mais sofisticada, mas também já de amplo conhecimento da comunidade científica. Em tese, ela permite maior defesa específica, mas está sujeita a perder efetividade em casos de mutação dos vírus.
3) O método vacinal mais tradicional é a que utiliza o próprio vírus da doença, atenuado (como a vacina Sabin, contra a paralisia infantil) ou, no caso da Sinovac/Coronavac (China), fabricada pelo Butantã, inativado. Também usam tecnologia semelhante a Sinopharm (China) e a Soberana II (Cuba) e um grande número de projetos no mundo todo. Essa é a vacina que tende a produzir menor defesa específica, embora a presença do vírus inteiro, em tese, teria eficácia mais perene diante de novas cepas. É a tecnologia vacinal mais disseminada pelo mundo e a de produção mais viável em países menos desenvolvidos. É também uma tecnologia que tende a ser utilizada em larga escala por laboratórios públicos e que visam a imunização em massa nos países mais pobres.
Essas diferentes estratégias de acionamento do sistema imunológico têm amplas implicações industriais e comerciais, além das estritamente políticas e diplomáticas. Apesar disso, é preciso entendê-las como um negócio secundário da indústria farmacêutica, pois sua viabilidade só se realiza em grandes escalas e quando há decisão política por controlar ou erradicar uma doença. Para a indústria farmacêutica, em geral, é mais negócio vender remédio do que a vacina, o que costuma ser convenientemente ignorado pelas campanhas antivax.
Para traçar um painel geral da situação das vacinas e do impacto dela para além do sistema de saúde, percorremos onze casos especiais, para entendermos algumas opções sanitárias, econômicas e geopolíticas adotadas. A partir daí, vamos fazer algumas considerações ao final do texto.
MAIS SOBRE CORONAVÍRUS:
- TODAS AS NOTÍCIAS SOBRE VACINA CONTRA COVID EM OPERA MUNDI
- Mapa da vacinação no mundo: quantas pessoas já foram imunizadas contra covid-19?
- Mapa da covid-19: siga em TEMPO REAL o número de casos e mortes por covid-19 no mundo
- Vivemos a pior fase da pandemia no Brasil; veja números de casos e mortes no país
- Siga, com mapas e gráficos, a situação da pandemia de coronavírus na África
1. Estados Unidos
Os Estados Unidos foram os grandes compradores e, portanto, financiadores dos projetos de terceira geração, ou seja, das vacinas Pfizer e Moderna. O que isso significa?
Em primeiro lugar, que o país não priorizou o desenvolvimento de uma vacina para uso universal, ou seja, o controle mundial da pandemia, mas o desenvolvimento de uma tecnologia que pode ter usos muito bem remunerados em outras situações. A vacinação via RNA permite pensar em vacinas desenvolvidas para um grupo pequeno ou mesmo para um único indivíduo, o que pode ser comercializado por verdadeiras fortunas. A pandemia do coronavírus permite testar essa tecnologia em massa, e o conhecimento produzido pode, eventualmente, ser usado em escalas menores.
Assim, para a indústria farmacêutica ligada aos Estados Unidos (com fábricas e laboratórios não necessariamente sediados lá), pode-se dizer que a prioridade foi desenvolver tecnologias e obter royalties que renderão economicamente muito no futuro, ainda que outras estratégias tenham sido também adotadas, com menos urgência.
Também focou-se em vacinas que forçam o consumo de produtos de ponta, como as geladeiras especiais, produzidas ou pelo país ou por empresas transnacionais com capital norte-americano. Essas vacinas criam uma situação de “venda casada” muito interessante para o conjunto da indústria.
Finalmente, os Estados Unidos indicaram por meio da vacinação quem seus aliados preferenciais, sem adotar qualquer política distributiva que priorizasse o controle global da pandemia ou a vacinação de países mais pobres. Se tomarmos a lista dos países que mais vacinaram, proporcionalmente, sua população, é possível identificar uma correlação clara entre esse sucesso relativo e uma relação de aliança prioritária dos Estados Unidos para com eles.
A primeira exceção é a Sérvia, que começou a sua vacinação em janeiro, com apoio da China e o uso da vacina da Sinopharm. A Turquia também começou sua vacinação em janeiro com apoio chinês, utilizando a SinoVac (matriz da Coronavac).
Registre-se que nem sempre esses países usaram apenas as vacinas da Pfizer e da Moderna. O Chile, por exemplo, também recorreu em grande escala a vacinas chinesas. De todo modo, a vacinação com elas foi a primeira a ser iniciada e a clareza do acesso a elas pode ter favorecido tomadas de decisão que complementassem a política vacinal.
A situação vacinal de Israel, que cobriu praticamente toda a sua população com vacinas da Pfizer e da Moderna, mas dificultou o início da vacinação nos territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia, mesmo com vacinas de outra procedência, mostra que, de alguma maneira, o acesso ou o controle do acesso à vacina atualmente é usado como uma arma de dominação e parte do jogo político (ou necropolítico, dependendo da situação).
2. BRICS
China, Rússia, Índia e Brasil figuram como países-chave na produção e distribuição de vacinas. China e Rússia como desenvolvedores e produtores de algumas das principais iniciativas de vacinação (Sinopharma, Sinovac/Coronavac, Sputnik V, entre outras) e Índia e Brasil como grandes centros de fabricação (Coronav pelo Butantã, AstraZeneca pelo Serum indiano e pela FioCruz no Brasil).
A África do Sul, nesse caso, tem uma capacidade industrial menos relevante no momento. O principal instituto de produção de vacinas do país, o Biovac, é uma criação relativamente recente (2003) e está atuando em aliança com o Serum, da Índia, para a fabricação da AstraZeneca. Mas por um triste acaso biológico, há fortes indícios no momento de que essa vacina não seja tão efetiva para a variante sul-africana do vírus quanto o necessário para controlar a pandemia.
É interessante perceber que a articulação dos Brics como um bloco envolvia países com grande população e características semelhantes: boa base científica-universitária, capacidade produtiva elevada e mão de obra relativamente mais barata, o que os tornava, como um bloco, competidores viáveis nas disputas com as grandes potências, quando articulados, em diferentes áreas da economia, inclusive no setor médico. Nesse sentido, o Brasil poderia ter, inclusive, ganhado mais destaque neste cenário, caso a produção e a comercialização da vacina fosse entendido como uma prioridade pelo governo federal.
3. China
Pensando agora a China como uma potência em si, é bastante interessante pensar seu caso em contraposição ao dos Estados Unidos. Provavelmente sem condições de disputar uma corrida rápida nas vacinas de mRNA com os norte-americanos, a China apostou em diferentes projetos vacinais de primeira e segunda geração para os anos de 2020 e 2021, estabelecendo ligações com laboratórios de todo o mundo e usando a vacina como meio de aproximação ou retaliação política, em que o caso citado da Sérvia é exemplar, assim como o brasileiro, pelo viés oposto.
Centro da identificação do início da pandemia, a China adotou políticas de lockdown e rastreamento rápido dos casos de covid-19 e conseguiu controlar bastante bem, dadas as dimensões do país, a pandemia dentro de suas fronteiras. Com isso, colocou-se numa posição privilegiada de poder usar economicamente e politicamente suas vacinas, de primeira e de segunda geração.
Tal uso tem ocorrido em todos os continentes, de maneira mais ou menos discreta, a depender dos cenários regionais.
4. Rússia
Ainda que numa posição menos relevante que a China, a Rússia atuou de forma decisiva para a construção de uma vacina bastante sofisticada, entre as de segunda geração, recorrendo a dois tipos de adenovírus como vetores das características do coronavírus. Inicialmente, houve várias acusações de que os russos estariam roubando tecnologia britânica do projeto da AstraZeneca, mas ao fim ficou claro que o projeto russo era mais sofisticado do que o concorrente britânico capitaneado, cientificamente, pela Oxford.
A Rússia tem aplicado a vacina em sua população, mas também estabeleceu negociações de venda e transferências de tecnologia para diferentes laboratórios do mundo, como é o caso da União Química. A União Química fabricaria no Brasil um dos insumos fundamentais da vacina, que é o Ingrediente Farmacêutico Ativo, o IFA, e busca a liberação emergencial da Sputnik V no país, o que pode resultar em contratos milionários com os diferentes níveis de governo.
Argentina, Venezuela, Palestina e uma série de outros países estão vacinando já com a Sputnik V, aparentemente com resultados positivos. Essa ação comercial tem como resultado o fortalecimento das relações diplomáticas e econômicas da Rússia com países da América Latina, por exemplo, o que enfraquece relativamente o domínio comercial norte-americano.
5. Índia
A Índia tem uma população enorme (1,2 bilhão de habitantes) e dá, proporcionalmente, os primeiros passos na vacinação em massa. Um importante centro de produção da AstraZeneca, o país aparentemente não tem controle sobre o destino da produção, que tem abastecido países de todo o mundo, inclusive o Brasil.
Não sabemos em detalhes as condições impostas para o país, mas parece evidente que a Índia serve hoje mais como uma plataforma industrial do que como um centro autônomo de produção. Nesse sentido, os principais ganhos da Índia no processo parecem, até o momento, serem econômicos, e não políticos.
Fotos Públicas
Percorremos onze casos especiais para entendermos algumas opções sanitárias, econômicas e geopolíticas adotadas
6. Brasil
O Brasil tem uma posição ambígua no atual cenário. Aplicou uma quantidade razoável de vacinas e se prepara para, progressivamente, ampliar a produção no Butantã e no Instituto Fiocruz. Isso ocorreu apesar da resistência do presidente Jair Bolsonaro, que é quase um promoter do coronavírus e da disseminação da covid-19.
A histórica relação do SUS com a medicina preventiva levou a pressões sociais e dos aparelhos de saúde para que a estratégia vacinal não fosse abandonada, apesar da gestão desastrosa dos diferentes ministros da saúde.
Há pressões positivas para a compra de vacinas e para a produção sob licenciamento da Sputnik, além de projetos de novas vacinas sendo conduzidos, por exemplo, pela UFMG, em Minas Gerais. Se esses projetos não forem abandonados, em breve poderemos produzir vacinas de diferentes gerações contra o coronavírus e ampliar o conhecimento e a capacidade industrial nacional para essa e outras vacinas.
O que ficou patente, no entanto, é que o Brasil perdeu parte da liderança científica em projetos como o da Oxford/Fiocruz por conta da insegurança quanto a investimentos públicos na vacina AstraZeneca e também não conseguiu instrumentalizar a vacina para melhorar as relações diplomáticas e comerciais do país. O Brasil, caso tivesse apostado pesado nos projetos de vacina, poderia não apenas estar exportando o produto para a América do Sul em condições muito favoráveis do ponto de vista logístico, como também poderia estar reforçando suas relações com países africanos que não têm condições industriais de produzir vacinas em massa e eventualmente faturando royalties sobre processos produtivos.
Aliás, as manifestações racistas do ministério e dos familiares de Bolsonaro em relação aos chineses – e a ampla difusão da fake news de que os chineses criaram o coronavírus para vender respiradores e vacina – levou o Estado asiático a adotar critérios burocráticos rígidos para a exportação em ingredientes farmacêuticos ativos para a produção de vacinas pela Fiocruz, atrasando o cronograma de vacinação no Brasil.
7. União Europeia
O caso da União Europeia, até o momento, é especialmente significativo. Embora conte com algumas das mais importantes indústrias farmacêuticas do mundo e participe de consórcios de produção de vacinas como a da Pfizer, a vacinação na região fica aquém do que a condição de um dos centros econômicos e políticos do mundo. Dados do Our World in Data colhidos até 26 de fevereiro indicavam que o bloco administrou 6,8 doses de vacinas por 100 pessoas, contra 29 para cada 100 habitantes do Reino Unido e 20,6 nos Estados Unidos.
É possível perceber que a ausência de controle público sobre essas empresas privadas e a relativa dependência do capital europeu em relação ao norte-americano faz com que a velocidade da vacinação na região fique muito aquém da que acontece no Reino Unido, por exemplo. Houve atrasos na produção das vacinas Pfizer e Moderna para a Europa, mas esses atrasos não impactaram significativamente o Reino Unido e os Estados Unidos.
Recentemente, a Itália chegou a bloquear a exportação de 250 mil doses de vacinas AstraZeneca produzidas no país para a Austrália, alegando o atraso na produção e o fato de a Áustralia não ser considerada, no momento, uma região prioritária.
Ou seja, apesar de estar no centro do desenvolvimento de várias vacinas, a União Europeia, talvez pela ausência de fortes empresas diretamente controladas pelos Estados, tem apresentado dificuldades para vacinar seus cidadãos e têm adotado políticas com potencial efeito negativo diplomaticamente.
8. União Africana
A África é a região do planeta, considerada a população e a disseminação do vírus, menos vacinada até o momento, reproduzindo desigualdades econômicas e raciais seculares, sendo a única grande exceção o Marrocos, país historicamente muito ligado a Estados Unidos, França e Espanha.
Apesar disso, há um fato positivo em andamento, que é a atuação conjunta dos países, por meio da União Africana. O objetivo do continente é vacinar 60% da população até junho e não há dissensos importantes registrados entre os mais de 50 países participantes do bloco.
A vacinação tem funcionado como um fator de aproximação de diferentes países, favorecendo uma atuação conjunta que não se observa na América do Sul, por exemplo, onde reina o “cada um por si”.
9. Cuba
Assim como outros países governados por partidos comunistas, como o Vietnã e China, Cuba figura na lista dos países que mais bem lidaram com a pandemia. O país também continuou usando seu histórico de formar médicos para a saúde coletiva como instrumento de política externa.
Além disso, devido aos anos de bloqueio, Cuba vem desenvolvendo, lenta mas continuamente, uma indústria farmacêutica local e, a partir de negociações com a China, passou a desenvolver algumas vacinas locais contra o coronavírus. Atualmente, o projeto da Soberana II é o mais avançado. Cuba tem usado esse sucesso como instrumento de propaganda e de fortalecimento de suas relações com outros países, prometendo exportar a preço de custo a vacina enquanto houver a pandemia.
Cuba planeja também utilizar sua vacina como forma de fortalecer o turismo no país, quando ela estiver sendo produzida em escala. Contra o bloqueio norte-americano e também como forma de evitar o alastramento da pandemia no território com a abertura dos voos, o país promete vacinar os turistas quando tiver vacinas suficientes. O turismo médico, tradição da ilha já há muitos anos, pode ganhar novos contornos e proporções.
O controle da pandemia no território tem, em menor escala para Cuba, o mesmo efeito que para a China: a vacina pode ser pensada para além dos problemas imediatos de saúde.
10. Israel
A situação de Israel apresenta, ao mesmo tempo, um grande sucesso do país na cobertura vacinal, resultado das boas relações com os Estados Unidos, mas também da existência de um forte sistema de saúde e um consenso forte da elite dirigente no sentido de aceitar pagar mais pelas vacinas à disposição, para iniciar ali, com antecedência, a vacinação.
Por outro lado, a cobertura foi feita excluindo cidadãos não israelenses e os territórios ocupados da Palestina e da Faixa de Gaza. Ou seja, na prática, Israel favoreceu a difusão do coronavírus nas populações palestinas quando comparadas com a israelense.
O argumento é que os palestinos deveriam pagar por suas próprias vacinas, segundo os Acordos de Oslo, o que evidentemente cria condições quase insuperáveis para esses territórios.
As críticas, inclusive internas, levaram Israel a suspender, em fins de fevereiro, a distribuição de vacinas a 19 países considerados aliados, como Honduras e República Tcheca.
11. OMS
Com uma atuação cheia de idas e vindas na gestão mundial da crise do coronavírus, a Organização Mundial da Saúde organizou um consórcio que pretende distribuir 2 bilhões de vacinas até o fim do ano.
A distribuição começou em fins de fevereiro e pretende alcançar 273 milhões de doses até o fim de maio. A prioridade são os países de baixa e média renda.
O esforço da OMS é fundamental para evitar que regiões mais pobres fiquem fora dos projetos de vacinação, mas é insuficiente para resolver isso completamente.
Balanço final
Os casos específicos e a situação geral da vacinação sugerem o papel potencialmente central que as novas vacinas e as questões de saúde terão para as economias do planeta nos próximos anos.
A crise do coronavírus indica que a busca por vacinas para a Covid-19 e para outras doenças se tornará central na corrida indústria farmacêutica, seja para evitar a disseminação de doenças potencialmente epidêmicas num ambiente de mudança climática e grande circulação de pessoas, seja para aproveitar a capacidade produtiva criada ou mobilizada para esse fim nos últimos 12 meses.
Países com grande concentração de cientistas e capacidade industrial instalada ou com possibilidade de expansão rápida encontrarão aí um caminho para ampliar sua participação na economia geral do planeta e também para fortalecer esforços diplomáticos.
A insuficiência geral de quadros no governo Bolsonaro permite pensar que o Brasil tende a perder essas oportunidades, a menos que as pressões sociais e dos setores médicos e farmacêuticos induzam a um movimento contrário.
A indústria das vacinas pode ser, assim, um vetor de reindustrialização setorial do país, em bases mais autônomas e mais tecnológicas, mas a tendência é que essa oportunidade seja perdida.
Além disso, o quadro geral indica que a existência de empresas públicas ou controladas indiretamente pelo setor público é fundamental para orientar esses investimentos e as escolhas a serem feitas, de modo a fortalecer a saúde pública e viabilizar projetos de tecnologia de ponta. Se não fosse o Butantã uma empresa ligada ao Estado de São Paulo e a Fiocruz uma instituição pública federal, estaríamos totalmente fora do processo de desenvolvimento de vacinas no país.
O ponto positivo da atual conjuntura é que, apesar da fragilidade do governo brasileiro, o país não ficou totalmente de fora do jogo, realizando testes e participando de consórcios importantes para a primeira leva de alternativas de vacina. Isso não significa negar o óbvio: a situação sanitária e a economia da vacina foram não apenas negligenciadas, mas sabotadas pelo atual governo, resultando em perdas de vidas imediatas e atraso no desenvolvimento relativo do país.
Finalmente, é preciso prestar atenção na atuação de Estados Unidos, China e Rússia, sobretudo, como exemplos de gestão de médio e longo prazo da atual crise, e da União Europeia, como exemplo negativo, apesar do poder econômico.
*Haroldo Ceravolo Sereza é diretor de redação de Opera Mundi
Informações adicionais
Opera Mundi: Consórcio da OMS encerra segunda semana de envio de vacinas contra Covid-19
O Globo: Israel suspende distribuição de vacinas a países aliados após série de críticas
Deutsche Welle: Como o nacionalismo de vacina ameaça a economia global
BBC: Vacinas contra covid: 4 problemas que explicam por que a União Europeia está atrasada na imunização
Jornal da Unicamp: Um panorama sobre o desenvolvimento das vacinas no mundo