Em uma histórica investigação parlamentar sobre as ações do governo sueco no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, o primeiro-ministro Stefan Löfven subiu à tribuna do plenário nesta segunda-feira (26/04) para ser interrogado pelos deputados que integram o Comitê de Constituição do Parlamento da Suécia (KU).
Durante quase quatro horas de interrogatório, o primeiro-ministro sueco enfrentou uma artilharia de perguntas referentes à estratégia geral de combate à covid-19 e à responsabilidade do governo pelas diferentes medidas adotadas no curso da crise sanitária.
Um dos objetivos centrais das interpelações do comitê de deputados é determinar se o governo de Stefan Löfven dirigiu de fato o país durante a pandemia – ou se delegou esta responsabilidade, de forma passiva, às autoridades da Agência Nacional de Saúde da Suécia (Folkhälsomyndigheten).
Segundo a Constituição, o governo tem o dever de liderar o país e as ações das agências estatais. Mas o Partido Moderado questiona se isto tem de fato ocorrido, ou se as decisões sobre a estratégia sueca diante da crise da covid-19 foram, na prática, delegadas inteiramente às autoridades de saúde.
“A pandemia abalou o nosso país e a nossa sociedade. Não há dúvidas de que a Suécia foi fortemente atingida”, disse o premiê, ao abrir a sessão com uma apresentação inicial das medidas adotadas pelo governo.
Ao contrário de medidas mais rígidas, como o lockdown, a dissonante estratégia sueca atraiu a atenção mundial ao priorizar uma abordagem mais flexível e sustentável – mas que também incorporou, gradativamente, ações mais restritivas a fim de promover o distanciamento social e a contenção da pandemia.
Em resposta a uma indagação do deputado Mikael Strandman, do partido da extrema-direita Democratas da Suécia, o primeiro-ministro negou de forma veemente que a obtenção da imunidade de rebanho tenha sido parte da estratégia sueca. “Não, jamais, jamais”, disse Löfven.
Segundo ele, o foco central da estratégia tem sido proteger a vida e a saúde das pessoas e conter a disseminação do vírus através da adaptação das medidas de controle em diferentes estágios, a fim de não sobrecarregar o sistema de saúde e evitar um colapso.
“O conhecimento e a ciência têm sido as diretrizes de todo o processo”, sublinhou Löfven. Sempre presidido por um partido da oposição, o Comitê de Constituição do Parlamento sueco tem como missão supervisionar as ações do governo. O comitê é integrado por 17 deputados de todos os partidos políticos representados na casa.
Durante a sessão, o primeiro-ministro também foi questionado sobre se um fechamento total da sociedade teria produzido efeitos mais favoráveis. “Não vemos um padrão entre lockdown total e êxito (no combate à pandemia)”, argumentou o premiê. Ele mencionou países que adotaram estratégias diferentes e foram gravemente afetados pela pandemia – entre eles Grã-Bretanha, Alemanha e Bélgica.
No plenário, a deputada Jessica Wetterling (Partido da Esquerda) quis saber em que grau o governo se baseou nas avaliações das autoridades de saúde durante a pandemia. “A Agência Nacional de Saúde é a autoridade especializada nesta questão. Seria um grave delito não ouvir as autoridades de saúde”, respondeu Löfven.
Löfven também foi interrogado sobre temas como a relativamente tardia decisão de proibir a visitação nos asilos, atrasos na aplicação de testes e a falta de equipamentos de proteção em hospitais e casas de repouso no início da pandemia.
As interpelações agora em curso no Comitê de Constituição do Parlamento são resultado de uma ação do conservador Partido Moderado, que tomou a inusitada decisão de solicitar a investigação das ações de todo o governo de coalizão social-democrata no curso da pandemia.
“Todo o governo, incluindo o primeiro-ministro e seus ministros, é responsável pela implementação da estratégia de contenção da pandemia. Portanto, todos devem ser interrogados pelo Comitê de Constituição”, destacou Tobias Billström, deputado do Partido Moderado e autor do pedido de investigação do comitê do Parlamento sobre as ações do governo diante da crise.
O processo foi iniciado no dia 24 de abril, com depoimentos já prestados por diversas autoridades.
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Stefan Löfven enfrentou uma artilharia de perguntas referentes à estratégia geral de combate à covid-19
“Comissão do Corona”
Em paralelo às interpelações no Comitê de Constituição do Parlamento, prosseguem os trabalhos da comissão independente que desde o ano passado investiga, de forma abrangente, as medidas tomadas para fazer frente à disseminação da covid-19 na Suécia.
Instituída pelo governo em junho de 2020, a Comissão do Corona (Coronakommissionen) é integrada por uma notória equipe de cientistas, professores eméritos e pesquisadores.
O plano inicial do governo era iniciar o processo apenas ao final da pandemia, a fim de concentrar os esforços nas ações de combate ao vírus. Mas o primeiro-ministro Stefan Löfven se viu obrigado a ceder às pressões de partidos políticos, que exigiram a instalação imediata da comissão de investigação.
A primeira conclusão da comissão, divulgada em dezembro passado, foi de que tanto o governo atual como governos anteriores são responsáveis pelo fato de que os asilos de idosos estavam insuficientemente equipados para enfrentar a crise imposta pelo coronavírus.
Uma crítica específica foi direcionada ao atual governo, que, segundo a comissão, tomou de forma tardia a decisão de impôr a proibição de visitas nos asilos. Em consequência de falhas nos asilos – incluindo falta de equipamentos como balões de oxigênio – e atendimento médico insuficiente, os idosos representam a maioria das vítimas fatais da covid-19 no país.
As conclusões finais da comissão de investigação deverão ser apresentadas até fevereiro de 2022, e também deverão ser incorporadas ao trabalho do Comitê de Constituição do Parlamento (KU).
Com uma população de 10,3 milhões de habitantes, a Suécia registra 13.923 mortes e 938.343 contaminações confirmadas. A taxa de mortalidade do país é muito superior à de seus vizinhos nórdicos, que praticaram uma política de isolamento mais rígida.
A Noruega tem até o momento 736 vítimas, a Finlândia 903, e a Dinamarca 2.476. Por outro lado, a Suécia contabiliza um número de vítimas inferior ao de uma série de outros países que adotaram o lockdown, como Grâ-Bretanha, Itália, França, Bélgica, Alemanha, Espanha, Holanda e Portugal.
De acordo com os números da universidade norte-americana Johns Hopkins, referência nas estatísticas globais da pandemia, a Suécia ocupa a 31ª posição no ranking de países com o maior número de mortes causadas pela covid-19 por milhão de habitantes. O Brasil ocupa a 14ª posição.
Apesar de lojas, restaurantes e cafés terem permanecido abertos desde o início da pandemia, o governo fechou escolas do ensino médios, universidades e museus, além de recomendar o trabalho remoto.
Gradativamente, uma série de restrições foram introduzidas, como a obrigatoriedade do uso de máscara nos transportes públicos, a proibição de encontros públicos de mais de oito pessoas, a limitação a quatro pessoas por mesa em restaurantes e bares, e a proibição de venda de álcool depois de oito e meia da noite.
Atualmente, o governo vem sendo fortemente criticado pela associação de professores suecos, que exige a adoção de medidas concretas nas escolas – como o uso obrigatório de máscaras – para garantir a segurança dos professores.