Os protestos massivos iniciados na semana passada no Equador tiveram seu estopim após o anúncio por parte do presidente Lenín Moreno do fim do subsídio para os combustíveis, gerando uma alta de quase 100% no preço do diesel e da gasolina. Entretanto, para Wagner Iglecias, professor professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (Prolam-USP), o levante da população equatoriana é uma reação radicalizada contra as medidas impopulares geradas por um governo que fez um “giro neoliberal”.
Segundo Iglecias, os protestos no país têm pouco a ver com qualquer agitação partidária da oposição à Moreno, mas sim com um descontentamento com as políticas impopulares adotadas pelo governo. “O ápice deste giro [neoliberal] foi o anúncio do fim do subsídio aos combustíveis, o que vai ocasionar o aumento de todos os preços na economia, e também o anúncio da reforma trabalhista, que vai afetar trabalhadores do setor público e do setor privado”, afirma.
Ao falar em uma “mudança de prioridades” do governo, Iglecias compara a atual gestão com o mandato do ex-presidente Rafael Correa, líder da chamada “Revolução Cidadã” que apoiou a candidatura de Moreno, seu vice-presidente à época. Para o professor, Moreno foi eleito “com a promessa de avançar as conquistas populares da chamada Revolução Cidadã, que representou um período de melhoria das condições de vida dos setores populares por conta da melhora da economia, das condições do mercado de trabalho e da expansão de políticas sociais.
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Além disso, Iglecias afirma ser difícil prever o desencadear dos fatos, porém diz ser possível que Moreno perca apoio das Forças Armadas e da classe média e seja obrigado a renunciar. “Ironia do destino: a Unasul [União de Nações Sul-Americanas] tem sede em La Mitad del Mundo, ao norte de Quito. Seria a instituição mais adequada para mediar um acordo entre governo e movimentos sociais. Mas ela foi esvaziada nos últimos dois anos e o próprio Lenín Moreno retirou o Equador da organização”, diz.
Jonathan Miranda/Presidencia de la República Ecuador
Moreno, em entrevista nesta segunda (08/10): governo acuado em Guayaquil
Leia a entrevista na íntegra:
Opera Mundi: Qual é a análise que o senhor faz da situação agora?
Wagner Iglecias: Trata-se da radicalização de um processo de desgaste político do governo de Lenín Moreno que já estava em curso. Ele foi eleito com o apoio de Rafael Correa, de quem foi vice-presidente, com a promessa de avançar as conquistas populares da chamada Revolução Cidadã, que representou um período de melhoria das condições de vida dos setores populares por conta da melhora da economia, das condições do mercado de trabalho e da expansão de políticas sociais.
No entanto, uma vez no poder, Moreno deu um giro nas suas prioridades, implementando reformas de corte neoliberal que têm tido impactos negativos sobretudo nos segmentos populares. O ápice deste giro foi o anúncio do fim do subsidio aos combustíveis, o que vai ocasionar o aumento de todos os preços na economia, e também o anúncio da reforma trabalhista que vai afetar trabalhadores do setor público e do setor privado. É uma reação às políticas impopulares do governo. Claro que a oposição se beneficia do desgaste de Moreno. Mas nesse momento me parece que o Equador profundo, ou seja, os movimentos sociais indígenas, estão protagonizando o processo muito mais que a oposição partidária.
Opera Mundi: O presidente Lenín Moreno está acuado?
Sim. Tanto é que transferiu a sede do Poder Executivo para Guayaquil assim que se soube que marchas com milhares de militantes dos movimentos sociais e indígenas estavam se dirigindo de várias partes do país para Quito. Quito é o centro político do país, concentrando Executivo, Assembleia Nacional e Suprema Corte. A transferência célere do governo para Guayaquil mostra a gravidade da situação
Opera Mundi: Existe alguma dirigência por trás dos protestos? Existe algo que pode unir as pautas como, por exemplo, a volta de Rafael Correa?
O governo acusa Correa e até Nicolás Maduro de estarem por trás da massiva mobilização popular. Não me parece que seja o caso, principalmente se lembrarmos que estes mesmos movimentos indígenas tiveram participação decisiva na queda de três presidentes impopulares entre os anos 1990 e 2000 [Abdalá Bucaram, Jamil Mahuad e Lucio Gutiérrez].
Opera Mundi: O que vai acontecer? Moreno renunciará? Repressão será mais violenta?
Impossível saber agora. Três cenários possíveis, que podem se tornar realidade a qualquer momento: a repressão sobre os movimentos sociais se impõe e o regime se fecha; ou o presidente perde apoio das Forças Armadas e das classes médias por conta da paralisia econômica provocada pelos protestos e renuncia; ou ainda as partes chegam a um acordo mediado pela Igreja e por organismos internacionais.
Ironia do destino: a Unasul tem sede em La Mitad del Mundo, ao norte de Quito. Seria a instituição mais adequada para mediar um acordo entre governo e movimentos sociais. Mas ela foi esvaziada nos últimos dois anos e o próprio Lenin Moreno retirou o Equador da organização.