Toda vez que ouço história de grampo digital, eu me lembro do U:.
O U: era um drive pessoal na Folha, na época do MS-DOS. Imagino que a escolha não foi fortuita: na época, os computadores eram cheios de mensagens de duplo sentido, a mais famosa delas, logo que a gente ligava o PC, era “o hímen está testando a memória expandida”.
Voltando: todo mundo tinha seu U:. Cada login (o meu era VOLO, de Ceravolo) tinha o seu. E em tese só você tinha acesso ao U:.
O U: de fato era secreto, ninguém chegava perto do U: do outro. Mas havia uma falha de segurança. O U: gerava um histórico, gravado no disco H:. E o H: era público. Ou seja, você não via o U: do outro, mas via mais: através do H:, todo arquivo gravado no U: ficava registrado, em todas as suas versões, exceto a ultimíssima.
Combinando o acesso ao H: com uma ferramenta de busca, os redatores mais espertos do jornal (juro que eu não fazia isso; mentira, fiz algumas vezes) líamos uns comunicados secretos. Como havia uma gramática na escrita de comunicados e recados, a gente colocava essas palavras-chave e separava, regularmente, o que era mais interessante.
Nunca vimos nada demais, até porque os chefes que desconfiavam da segurança do sistema, quando tinham algo realmente sério a comunicar, usavam a velha máquina de escrever, sem carbono.
Mas o pessoal mais ingênuo às vezes deixava o U: à mostra. Descobrimos, assim, que uma chefe foi capaz de fazer um relatório detonando todos os subordinados que contratara. E também ficamos sabendo que o Zeca Camargo ia pedir demissão da Ilustrada antes mesmo que ele terminasse de escrever seu pedido de desligamento.
Com isso quero dizer apenas que jornalistas adoram arquivos digitais.