(Provérbios 11:25) A alma generosa engordará, e o que regar também será regado.
Eis que, um dia, um morador de uma unidade condominial de um prédio bem localizado em uma nobre região de uma pequena cidade chegou à conclusão de que, por morar sozinho – enquanto em outras unidades condominiais chegavam a habitar cinco ou seis pessoas – justo seria haver uma mudança nas regras de pagamento da conta mensal enviada pela companhia sanitária.
Ora, não lhe fazia sentido – ou sequer justiça – um pagamento de cotas equivalentes pelo valor devido, certo seria uma distribuição proporcional ao consumo, concluiu. E, ato contínuo, começou sua saga pessoal em busca do que lhe parecia ser a justiça: exigira pagar menos, enquanto outros que pagassem mais. E, em ata registrada de reunião do condomínio, formalizou sua queixa para que se fossem instalados hidrômetros nas unidades autônomas, contabilizando, assim, o seu consumo individual de água quente e fria.
Embora havendo a necessidade de se investir um considerável montante da poupança do condomínio, por maioria simples, os membros do conselho de moradores acataram a sugestão.
Não sem antes de debates acalorados, que logo avançaram para xingamentos, acusações de egoísmo, de falta de pensamento coletivo, de mesquinharia, de usura e ameaças de destruição dos medidores de água. Mas, ainda assim, se aprovou pela maioria. E todas as unidades haveriam de ser monitoradas individualmente quanto aos seus consumos e gastos.
Antes mesmo da instalação dos hidrômetros individuais, alguns bem aventurados moradores do prédio já faziam suas economias de água: uns para gastar menos água, outros para gastar menos em água; uns para salvar a natureza, outros suas finanças.
Um mês depois, os boletos individuais chegaram. E, junto aos boletos, uma constatação: o maior consumo de água veio, surpreendentemente, da própria unidade autônoma do morador que morava sozinho e havia reclamado por monitoramento individual.
Ele possuía, sem nem mesmo saber, um vazamento em seu banheiro, provavelmente ocasionado por uma reforma que fizera anos atrás. O menor consumo havia sido em um apartamento em que habitavam três pessoas e cujo pai era um notório sovina e controlava, diariamente, o tempo de banho dos demais membros da família. Consumo, esse, menor até que o de outras unidades, que controlavam o gasto de água pela nobre ilusão de salvar o planeta.
No mês seguinte, o vazamento havia sido consertado, o sovina continuava a controlar os banhos – agora, com ainda mais afinco, já que a sua particular economia não mais seria dissipada entre as outras unidades – e os que pretendiam salvar o planeta continuavam – em suas nobres missões ilusórias.
Acontece que, no final, todas as unidades estavam pagando ainda mais pelas contas de água, até os que economizavam: antes, apartamentos vazios também contribuíam com suas cotas, embora não usassem a água. Agora, os apartamentos vazios, uma vez que não consumiam, não pagavam. E isso fez a conta de todos os moradores serem ainda maiores do que as antigas contas proporcionais.
Meses depois, o síndico do prédio ficou sabendo que houve, no prédio vizinho, uma assembleia de moradores, onde um dos membros do conselho – que morava só – havia levado a sugestão de implementar hidrômetros individuais naquelas unidades autônomas. Os hidrômetros foram vendidos ao prédio vizinho e o consumo total da água voltou a ser repartido igualitariamente entre as unidades. Sem ninguém reclamar ou levantar novas disputas. Apenas os moradores dos apartamentos vazios, que voltaram a ter que pagar suas contas.
Todo o valor arrecadado pela venda dos hidrômetros fora investido na ampliação de vagas de garagem em uma área externa do prédio. Vagas essas que, quando prontas, geraram dezenas de novas reclamações e disputas entre os moradores, pois, diferente de outras algumas vagas, essas eram mais fáceis de estacionar.
Até que um morador de uma unidade condominial sugeriu, em uma reunião do conselho, que as novas vagas fossem leiloadas: quem pagasse mais, seria o proprietário. Sugestão que foi acatada, por maioria simples. Não sem antes de debates acalorados, que logo avançaram para xingamentos, acusações de egoísmo, de falta de pensamento coletivo, de mesquinharia, de usura e ameaças de destruição dos carros que ali estivessem estacionados. Novamente, o ciclo da meritocracia de apartamento.
Por isso, filhos, em verdade vos digo: embainha tua cega, urgente e míngua justiça, pois quem com fiança vazia fere, com seu ego será ferido.
Por: @OCriador