O primeiro sexênio da Quarta Transformação (4T) terminou da melhor maneira. O povo mexicano elegeu sua continuidade por maioria inapelável, que nem sequer as pesquisas mais otimistas previram. Quase 60% votou por Claudia Sheinbaum, a primeira mulher presidenta da história mexicana, que teve 32 pontos de diferença de uma ampla coalizão de partidos tradicionais. No parlamento, o oficialismo conseguiu os dois terços na Câmara dos Deputados, quórum necessário para introduzir reformas constitucionais, e no Senado ficou muito próximo. Um nocaute eleitoral e político.
Dois cartões postais chamaram a atenção destes forasteiros que viajaram uma semana antes do desenlace eleitoral para viver o acontecimento em primeira mão. Em primeiro lugar, o sereno festejo da dirigência e militância oficialista. Tanto no bunker do Hotel Intercontinental, quando se deram a conhecer os resultados na noite de 2 de junho, como na massiva celebração no Zócalo, poucos minutos depois, houve júbilo comedido. Sucesso zero. Muita consciência do longo processo. Que vem de longe. E vai continuar por um tempo.
Por outro lado, nos surpreendeu a escassa literatura política que explica em que consiste o 4T. Nas livrarias da Cidade do México, encontramos muitos textos de calúnia. O único livro que desenrola argumentos do processo de mudança se chama ¡Gracias! e foi escrito pelo presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que faz uma espécie de balanço de sua carreira política. Um tomo de 560 páginas que os vendedores ambulantes oferecem na rua a metade do preço, sempre atentos às lacunas comerciais que proporcionadas pela conjuntura política.
“O modelo pós-neoliberal mexicano é uma resposta àqueles que, para justificar o neoliberalismo, argumentavam que não havia outro caminho possível, como se trata-se de um destino manifesto ou uma fatalidade”, lemos no último capítulo dessa obra. E um pouco mais adiante: “pois bem, desde o início do governo democrático começou a se levar a cabo uma transformação pacífica e ordenada, mas, ao mesmo tempo, profunda e radical, porque nos propusemos a acabar com a raiz da corrupção e da impunidade que impedia o renascimento do México”.
Em que consiste este processo de mudança? Qual é seu alcance? E o que podemos aprender?
A mexicana é, talvez, a experiência mais interessante e, sobretudo, a mais consistente, da segunda onda de governos progressistas durante este século na América Latina. AMLO, também conhecido como “El Peje” ou “Cabecita de algodón” se despede com uma inédita aprovação de 80%, instala como sucessora uma acadêmica de esquerda cujo estilo é muito diferente ao seu, e deixa uma oposição desarmada e derrotada.
O melhor argumento é uma economia que parece robusta, a diferença da fragilidade que exibe boa parte do continente. Mas, sobretudo, a redução da pobreza, que para muitos é a chave mestra da reeleição. Cinco milhões de pessoas saíram da pobreza nos quatro primeiros anos do sexênio, segundo números oficiais. Embora ainda restam 46 dos 127 milhões de mexicanos abaixo dessa linha que demarca estatisticamente a desigualdade. Uma porrada. Quer dizer, embora os números correspondentes a 2023 e 2024 sejam conhecidos no próximo ano e se esperem boas notícias, o caminho a percorrer ainda é longo.
A melhoria se explica fundamentalmente por duas estratégias governamentais. De um lado, o aumento do salário mínimo que se localiza, nos começos de 2024, em 500 dólares. Por outro, a bateria de políticas públicas universais que permitiram a 25 milhões de famílias (do total de 35 milhões) receber “apoio direto de programas de bem-estar”, enquanto que 30 milhões recebem “parte do orçamento” , como afirma AMLO. Outra porrada.
O segundo motivo de orgulho é o chamado “super peso”, como se referem agora ao peso mexicano (a moeda local), que passou em poucos meses a uma mudança de 23 pesos por dolar a 16, embora, logo depois da eleição, teve um choque e ficou em 18, produto do “nervosismo dos mercados”. O importante, contudo, é a causa da fortaleza monetária, que não é outra que o crescimento do investimento direto do capital estrangeiros (IED). Em 2023, o país conseguiu um recorde na matéria, colocando-se em décimo primeiro lugar no mundo, muito perto da França. Mas a IED tem, por sua vez, fundamento no chamado nearshoring, termo que alude à relocalização de fábricas perto das matrizes, no caso dos Estados Unidos e Canadá, responsáveis por 48% dos ditos investimentos. O objetivo: garantir cadeias de abastecimento. O trabalho de desglobalização. E aqui parece um elemento chave para o projeto da 4T: a inevitável relação carnal com o império norte-americano, que determina a política externa do México e que irá colocar-se a prova no próximo sexênio.
Em uma conversa em off com um importante funcionário da chancelaria mexicana, perguntamos se o México entraria nos BRICS. “Esquece, não há nenhuma possibilidade”, respondeu sem hesitar. E logo explicou as razões. Esse destino em comum com a América do Norte coloca um limite explícito também às possibilidades de integração com o resto do continente. Estão condenados a olhar para cima, a buscar o êxito. Talvez por isso é difícil imaginar que o 4T irrigue e influencie o sul. Como se houvesse uma interferência que impede de sintonizar com clareza a mensagem. Em um evento público que compartilhamos com o titular do Sistema Público de Radiodifusão, Jenaro Vilamil, nós o intimamos – é uma forma de dizer – a fazer um esforço para insertar o governo de AMLO no processo latino-americano recente. O funcionário foi a fundo. A seu modo de ver, há quatro ensinamentos fundamentais para esta primeira etapa da gestão:
- Lutar contra a corrupção de maneira consequente e não dar essa bandeira à direita;
- Não zigzaguear, ou seja, avançar sem retroceder, o que implica em escolher bem quais serão as batalhas que são gratuitas (a pálida recordação do experimento argentino de Alberto Fernández foi evocado como exemplo negativo);
- Ignorar o canto das sereias midiáticas, que convidam à moderação, ou, em um extremo, à traição;
- Romper com a saga do caudilhismo e deixar para trás o que chamou de “o necessário” (e aqui mencionou “a Deus e Maria Santíssima”, que causou incômodos em uma plateia atormentada de exilados e visitantes latino-americanos)
O “necessário” é um termo bem calhorda e interessante para se referir à proverbial dificuldade que tiveram os governantes da primeira onda de governos progressistas sul-americanos para organizar uma transição virtuosa. Faz alusão a um caudilho, líder de um processo que acaba tornando essas figuras insubstituíveis, e afirma que a traição a esse líder indiscutível pode ser tão nociva como a própria transformação dele nessa figura. Uma ideia que consiste em fazer da virtude uma necessidade.
Nas terras de Zapata e Pancho Villa, existe uma tradição institucional que provém da revolução mexicana, segundo a qual, ao terminar seu sexênio, o presidente se retira da política ativa. Nem o mais pérfido dos mandatários do Partido Revolucionário Institucional (PRI), esses que fumavam embaixo d’água, se atreveu a violar essa regra atávica. E tudo parece indicar que o “morenismo”, quer dizer, o setor político que orbita em torno do Movimento de Regeneração Nacional (Morena, partido fundado por AMLO), seguirá no mesmo caminho.
AMLO já anunciou que, em 1 de outubro, nem bem entregue os atributos do poder a Sheinbaum, irá literalmente “a la chingada”, termo chulo usado no México para mandar alguém para a casa do, vocês sabem onde, mas que no caso do atual presidente se refere a um rancho que ele possui em Chiapas, onde planeja desfrutar de sua aposentadoria.
Segundo seus assesores, somente um tema poderia tirar Obrador do ostracismo: caso se compliquem demais as relações com seu vizinho do norte. Diz a lenda que Lázaro Cárdenas, presidente entre 1934 e 1940, foi convocado por seu sucessor para dirigir as complexas negociações em matéria de defesa com os Estados Unidos, pois se havia desatado a Segunda Guerra Mundial e a Casa Branca desenhava sua nova doutrina para o continente americano. O mundo estava numa mudança geopolítica maior e o México era uma peça chave para as pretensões imperiais dos gringos. Após cumprir essa tarefa, Cárdenas se retirou à modesta casa perto do Lago Pátzcuaro, no estado de Michoacán, e se dedicou a experimentar práticas de irrigação, a escrever artigos sobre política internacional, e morreu em 1970 sem voltar a se envolver na conjuntura nacional. É ver para crer.
Das quatro máximas lançadas ao vento por Villamil, a principal é a primeira. O explica com luxo de detalhes, um brilhante escritor e ativista de inspirações anarquistas, torna-se diretor geral do Fundo de Cultura Econômica, editora do Estado: “nos tomou tempo descobrir que estamos herdando um aparato muito podre, muito ineficiente, repleto de regras, bloqueios, sistemas. E que uma coisa era ter o governo e outra coisa era ter o poder. As travas estavam em todos os lados, foram aparecendo de maneira cáustica. A mais virulenta é de uma parte do Poder Judiciário que segue estando à compra e venda”.
Paco Ignacio Taibo II nos recebeu na simples porta do edifício corporativo localizado no centro do Distrito Federal, em umas mesinhas instaladas na calçada, um caloroso meio-dia de primavera. Sua meticulosa descrição da corrupta burocracia estatal nos permite entrever que não se trata somente e nem principalmente de uma questão moral, se não algo sistêmico e muito político. “Começa a descobrir a lógica profunda do PRI, que representa a direita moderada, e do Partido da Ação Nacional (PAN), de extrema direita, quando estão poder, essa quantidade de passos e mediações que tem que atravessar para qualquer trâmite no aparato do Estado. Porque se tudo é difícil, a corrupção é o azeite do sistema”.
Uma frase mais, para tomar nota da magnitude do fenômeno no México: “quando, há seis anos, entramos no Estado, não tínhamos nenhuma ideia do maléfico que era a opressão cotidiana desse aparato. Não tínhamos ideia de onde estava o dinheiro da corrupção, porque atuava sobre as obras públicas: você constrói uma estrada e em vez de custar oito, custava 14, e essa verba não era entregue em cima da mesa, e sim por baixo dos panos. Ou, como se revelou claramente, era trocado pela isenção de pagamento de impostos para a oligarquia. Conseguimos resgatar esses milhões de pesos em obras públicas, mas o dinheiro que escapou com a corrupção já não está lá”.
O aspirador de pó dos fundos que estavam saindo pela canaleta da corrupção, mais o que se recuperou pelas isenções de impostos às grandes empresas que não o mereciam, foi o suficientes para financiar os potentes programas sociais e a faraônica obra de infraestrutura pública que marcou o sexênio de Obrador. Mas houve outro mecanismo decisivo na recuperação do Estado como motor da economia, sem o qual não haveria sido possível consolidar este keynesianismo à mexicana, capaz de retomar o controle da indústria de eletricidade, plantar centenas de sucursais do banco público em lugares recônditos para que os subsídios cheguem onde mais se necessita, ou construir o icônico e muito debatido Trem Maya na sulista península do Yucatán, ou o estratégico Trem Interoceânico do Istmo de Tehuantepec, que irá unir o Atlântico com o Pacífico. Trata-se da utilização das forças armadas em atividades empresariais habitualmente desenvolvidas por civis. Entre elas, as obras públicas.
Esse foi o atalho que Obrador encontrou para queimar etapas e evitar os pedágios da burocracia estatal. Uma democratização com as forças armadas como sujeito. As mesmas que haviam sido corrompidas aos dois minutos na guerra contra as drogas. E tudo parece indicar que funcionou. Pelo menos até agora. Dessa forma, quem se anima a sugerir que a 4T poderia se erigir como alternativa à bukelização, inclusive nesse aspecto. Que tempo difícil.
Tivemos que juntar várias mesas em um dos tantos bares que estão em frente a fonte dos Coyotes, em pleno centro de Coyoacán. Caía a tarde de quinta-feira. De um lado da conversa se sentaram quatro qualificados residentes da Cidade do México, dois deles argentinos que vivem por lá; do outro, estamos localizados em igual número de turistas portenhos, com cara de observadores eleitorais, entre eles um deputado nacional. Depois de um breve prólogo para resumir a catastrófica situação argentina, disparamos perguntas enquanto iam e vinham as cervejas.
Um dos convocados é economista e trabalha no Banco Central, enquanto sua companheira é acadêmica e se especializa em política internacional. O outro casal é formado por uma advogada que trabalha com direitos humanos e o marido que é artista e influencer. Todos são fãs da 4T, mas são daqueles que entram no campo de jogo sempre que necessário, mas não evitam as críticas. É assim que a gente gosta.
Há um tempo que, segundo nossos interlocutores, se gerou um debate acalorado sobre o oficialismo: a reforma impositiva para construir um esquema fiscal mais progressivo. Os fundos provenientes da corrupção já não são suficientes para custear os programas sociais implementados durante o primeiro sexênio, e por isso o déficit fiscal teve uma disparada no último ano (um ano eleitoral, além disso). Claudia Sheinbaum, então, começará sua gestão com um orçamento no vermelho, mas anunciou que durante seu mandato não impulsionará modificações relevantes, para não criar inimizade com o empresariado. Este é um dos principais dilemas dos governos que tem por horizonte um posneoliberalismo de tintas de igualitarismo: Como aprofundar a melhoria econômica das maiorias sociais? É possível avançar na democratização da economia sem redistribuir, já não somente a receita, mas também a riqueza?
Segundo dilema, e, talvez, o principal problema que ameaça o sexênio de Sheinbaum: a renegociação do Tratado de Livre Comércio entre México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC ou NAFTA) em 2026. Se espera um endurecimento das condições para os sulistas, especialmente em matéria migratória. Donald Trump volta. De cara, apenas dois dias depois do grande triunfo eleitoral, um Joe Biden em campanha apertou os mecanismos repressivos na fronteira. Tudo isso empurra o governo mexicano a criminalizar os migrantes, como denunciam diferentes organizações de direitos humanos.
Além disso, do corpo diplomático, a 4T tem um desafio enorme em matéria de imaginação regulatória. “A maré de investimentos que ingressaram graças ao nearshoring pode nos afogar, ou podemos surfar neles”, metaforiza o experiente informante. O México está a caminho de se converter em uma enorme máquina de pedágio outra vez, como no momento de expansão neoliberal, com as desigualdades sociais e ambientais que isso implica. Salvo que coloque em marcha uma estratégia de industrialização autônoma. Para a qual, outra vez, é necessário uma reforma fiscal progressiva.
Mencionamos a palavra “direitos humanos”: aí está a mais ríspida das pendências da 4T. Consequência das amizades perigosas que AMLO cultivou, não só com o enorme vizinho da América do Norte senão, e sobretudo, com os militares locais. O tópico preferido dos grandes meios nacionais e estrangeiros para esmerilhar ao governo esquerdista mexicano é a abundante violência do narcotráfico. Estamos ante “o processo eleitoral mais violento da história”, intitularam insaciavelmente e, talvez, não se tire deles a razão, já que houve mais de 30 candidatos aniquilados. Além disso, durante o sexênio que termina, se documentaram 92 execuções extrajudiciais de defensores dos direitos humanos, e os desaparecidos se contam por dezenas de milhares. O senso comum da direita questiona as autoridades pela inação, cumplicidade ou por haver distraído o poder armado do Estado em tarefas civis.
Contudo, as organizações de vítimas criticam exatamente o contrário. E nossos colegas na mesa concordam com eles. Antes de assumir o cargo, recordemos, o presidente mexicano propôs uma mudança na abordagem da “guerra ao tráfico de drogas”, que previa a retirada dos militares da segurança interna. No entanto, a administração de Obrador reforçou essa presença, criou uma nova força policial militarizada (a Guarda Nacional) e tudo parece indicar que o conluio entre o Estado e o crime organizado continua.
Não é um tema simples. Na presidente eleita Sheinbaum coexiste um discurso não punitivista, juntamente com uma reivindicação do papel dos militares: a solução subjacente consiste em atacar as verdadeiras causas que são sociais, reconhece; mas a curto prazo não há outra escolha senão capacitar o exército. O ponto de ruptura com grande parte do movimento pelos direitos humanos foi a evolução controversa do caso Ayotzinapa, uma luta altamente simbólica à qual AMLO prometeu responder com justiça. O caso avançou rapidamente no início do mandato, mas foi interrompido bruscamente quando a investigação judicial chegou à porta do quartel. Para a militância, o presidente privilegiou a aliança com os fardados. Ou ele teve que cumprir suas exigências. Para o partido no poder há uma mão cinzenta que quer gerar problemas para quebrar este casamento inesperado entre a esquerda e os militares.
Todo mundo sente que o melhor ainda está por vir. “Em primeiro lugar, algo já se alcançou: agora falta o que está além dessa primeira etapa”, sintetiza Paco Taibo. Obrador deixou um pacote de 18 reformas constitucionais, denominado Plano C, que o parlamento anterior conseguiu bloquear durante seu mandato. Como contará com uma bancada mais robusta, Claudia Sheinbaum fez um chamado a aprovar essas medidas e construir o segundo andar da 4T. A pergunta é com quais materiais. E por onde vai entrar o sol neste andar. Jesús Ramírez é um militante experiente, da esquerda mexicana contemporânea, que hoje ocupa o cargo de coordenador geral da Comunicação Social e porta-voz do Governo da República. O chamado Chucho foi o ideólogo dos célebres programas matinais, dispositivo comunicacional único no mundo, que possibilitou o diálogo direto entre o presidente AMLO e o povo, com eficácia impactante.
Chuco nos cita a Cineteca Nacional, um espaço estatal dedicado à sétima arte, que nos recorda até que ponto o México é realmente um país grande. Em cultura e poderio econômico. Na história, mas também na ambição para o futuro. Perguntamos a ele o que é a 4T. Escutamos.
“O movimento que encabeça Andrés Manuel López Obrador é um movimento democrático que apostou pela via pacífica frente a toda tradição histórica do México, onde os processos de mudança são violentos, de revoluções armadas e levantes. Aqui, o que se buscou é uma espécie de levante civil pela via democrática da organização, da mobilização e da dimensão eleitoral. Esta luta se gera no marco de um neoliberalismo que possui três características. Primeiro, a captura do governo do Estado pelos poderes econômicos e os grupos de poder factuais, nacionais e internacionais. Segundo, os contratos estatais eram na forma de subvencionar ou promover o enriquecimento de uma elite. O governo funcionava somente para as elites. E a terceira característica é que as políticas neoliberais empobrecem a população, porque nossa vantagem comparativa para nos colocarmos no plano internacional era a precarização, a mão de obra barata. Quando começou o neoliberalismo no México, o salário mínimo era o dobro que na China; hoje é quatro vezes mais baixo. Então, o objetivo democrático do movimento consiste em reverter essa destruição do Estado nacional, que deixou a população indefesa, e começar a recuperar a soberania. Soberania como poder do povo, que não é somente a relação do povo com o governo, ou ter representantes e poder fazer parte das decisões, mas fazer com que as políticas do estado beneficiem a maior parte da população”.
A partir dessa introdução, Ramírez começa a rezar o rosário das políticas públicas implementadas durante o primeiro sexênio. Está tarde e já é a hora de terminar. Respiramos fundo e interrompemos o monólogo, para irmos direto aos temas sensíveis. Por quem uma aliança estreita com os militares?
Chucho se incomoda um pouco. Desabafa contra as ONGs que colocam estes temas porque estão “financiadas pelos gringos”. Logo, diz que o exército mexicano, diferente de outros países da América Latina, não pode ser definido como oligárquico, porque a maior parte de seus quadros vem do povo e, além disso, tem um compromisso com a soberania. Mas termina reconhecendo que “não era o que queríamos, não é que eu esteja a favor do exército e da militarização. O que acontece é que o modelo neoliberal subordinou e construiu um Estado adequado para os negócios. As empresas construtoras duplicavam ou triplicavam custos sem justificativa. O exército tem um corpo de engenheiros de construção civil para edificar suas instalações, desenvolver seus projetos, tem uma capacidade de execução que ninguém possui neste país. E sem o incentivo de renda. Construir com o exército aeroportos, estradas e outras obras de infraestrutura foi muito racional para o Estado, porque permitiu melhorar os custos, os tempos e a qualidade das obras”.
E o que acontece se amanhã ganhar a direita? Não estão servindo de bandeja a militarização? Foi o que perguntamos a ele. “Obviamente, se participa mais da vida pública pois vai ter maior poder e influência. Mas o contrapeso é que há maior participação dos civis nas decisões e sobretudo como orientador do Estado. Os direitos humanos apenas se respeitam se as pessoas respeitam a si mesmas e se há organização para garanti-los.
Segundo o porta-voz do presidente AMLO, esta seria a tarefa principal da etapa que se abre com a consolidação da governabilidade progressista: é hora do protagonismo popular. Nas suas próprias palavras: “As pessoas se sentem empoderadas e isso é produto de um governo que está mudando o paradigma. O mais importante politicamente é educar o povo, em democracia, pela via pacífica, mas no exercício ativo e organizado de seus direitos. Nada dessa ladainha de votar e ir para casa”.
(*) Publicado originalmente em Revista Crisis.
(*) Tradução de Raquel Foresti.