Quarta-feira, 14 de maio de 2025
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Poucas épocas na história da humanidade podem se gabar de concentrar a quantidade de acontecimentos que ocorreram e ainda ocorrem na idade contemporânea. Fruto da modernidade, eventos como a Revolução Francesa, e em especial, a Revolução Industrial, por exemplo, foram capazes de transformar o mundo de uma tal maneira que tanto historiadores quanto a  humanidade em geral passaram a perceber o tempo como algo cada vez mais rápido, alcançando um ritmo alucinante de mudanças. Esses fatores foram essenciais para que a transição entre os séculos 18 e 20 fosse marcada por guerras, conflitos, invasões, e o surgimento de uma nova forma de colonialismo, que varreu o terceiro mundo – não sem o devido revide.

No século 20, em especial, o mundo alcançou um nível de contradições e mudanças nunca visto antes. Desde a Grande Guerra de 1914 até 1991, com a queda da União Soviética e o “fim da história” propagada pelo liberalismo, os anos 1900 marcaram para sempre a sociedade global. Uma época em especial foi decisiva para a forma como o mundo se projeta hoje: o pós-guerra, em 1945, colocou em xeque questões como o racismo, o colonialismo, o terror nazi-fascista, e viu o socialismo real e as democracias populares se estabelecerem em, ao menos, metade do globo. Isso não significou que o mundo se tornou um lugar melhor, pelo contrário; diversos países capitalistas se reinventaram, tanto nas formas de troca, como nas formas de opressão. Política e cultura se tornaram os assuntos do momento, é é isso que o documentário “1971: o ano em que a música mudou o mundo” nos apresenta com maestria.

O documentário, dirigido por Asif Kapadia, Danielle Peck e James Rogan, é um exemplo poético de como a luta de classes produz cultura, e como os artistas podem assumir papel de destaque no embate por um novo mundo. Desenvolvida em oito episódios, a série é simbólica por diversos motivos. A partir do clássico álbum What’s going on, de Marvin Gaye, o filme responde, a partir da relação da música e a luta política, o que está acontecendo no mundo, com foco em 1971, ano em que todos os discos analisados no documentário foram lançados.

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Basta lembrar que os acontecimentos da década de 1970 são um produtos da intensa e sangrenta década de 1960 nos Estados Unidos. Assassinatos de revolucionários e ativistas negros e indígenas, o surgimento do Maoísmo Negro e do Movimento Hippie, e a famosa Rebelião de Stonewall, além da Guerra do Vietnã, são apenas alguns ingredientes que originaram a atmosfera criativa – banhada a pólvora, sintetizadores, gritos de revolução e ácido – que mudaria a música de massas norte-americana e britânica.

O filme explora as nuances da música de Gil Scott-Heron e Aretha Franklin, que, com o surgimento do Partido dos Panteras Negras e a popularização da palavra revolução, ganharam novos contornos, tornando o protesto negro ainda mais feroz. Nesse mesmo sentido, o movimento hippie, com suas contradições, se coloca em oposição à ocupação norte-americana no Vietnã, com os Beatles, e principalmente seu líder, John Lennon, assumindo a vanguarda do movimento pacifista contra a guerra, fazendo da sua música uma denúncia do imperialismo. Além de Lennon, Mick Jagger e os Rolling Stones passaram a questionar a normalidade e a hipócrita guerra às drogas, na onda do ácido que rapidamente se popularizou entre as camadas médias dos Estados Unidos, e, à sua forma, também questionavam o governo americano.

Lou Reed e Elton John decidiram, em suas obras, enfrentar a imposição da heteronormatividade, fazendo de suas músicas uma ferramenta de emancipação do movimento queer, ao lado de Carole King e Mitchell, que se levantaram contra o machismo na indústria musical e na sociedade americana. Ao mesmo tempo em que a luta aberta era travada por esse artistas, James Brown e Sly Stone desafiam os estereótipos racistas, e por meio dos sintetizadores, pianos e baixos, desenvolveram o funk, e inspirados pelo movimento Black Power, afirmavam: “I’m Black and I’m Proud!” (Sou negro e tenho orgulho!).

Por todos esses motivos, 1971: o ano em que a música mudou o mundo é indispensável como documento histórico e de análise da conjuntura de uma época em que o poder estava em intensa disputa no coração do capitalismo, onde as massas, assim como a música, não queriam nada menos do que mudar o mundo.

1971: o ano em que a música mudou o mundo
Lançamento: 2021
Direção: Asif Kapadia, Danielle Pech, James Rogan
Plataforma: AppleTV+