O ano em que nos despedimos de Gabriel García Márquez é também aquele em que recordamos outro escritor que habita o panteão literário latino-americano, Octavio Paz – prêmio Nobel assim como o colombiano, poeta e ensaísta que descreveu seu México de origem de maneira única e eterna.
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Octavio Paz é considerado um dos maiores escritores do século XX e um dos grandes poetas hispânicos
Paz teria cumprido 100 anos de vida em 31 de março de 2014, se não tivesse falecido em 1998, aos 84 anos, no mesmo bairro escolhido por tantos intelectuais para instalar-se na Cidade do México, a Coyoacán de Diego Rivera, Frida Kahlo e até de Trotsky. Mas o que Paz deixa aos seus leitores, assim como García Márquez, sem dúvida pulsa como uma vida.
Filho de um advogado que serviu Emiliano Zapata, Octavio Paz nasceu em Colonia Juárez durante a Revolução Mexicana. Passou a infância longe do pai, sempre em viagem para servir a causa zapatista, e cresceu com o avô também militante, além de poeta, em Mixcoac, um povoado próximo da capital. Claramente, foi forte a influência familiar na tendência de Paz a entender e retratar a história e a cultura mexicanas em sua poesia, em sua narrativa e especialmente em ensaios que são referência obrigatória no México e no resto do mundo.
Seus primeiros versos poéticos já davam conta da relação com o pai, que viu fracassar sua carreira com a morte de Zapata e assim se entregou ao álcool, e com o avô, sua referência no contato com o passado político do país: “Mi abuelo, al tomar el café, /Me hablaba de Juárez y de Porfirio /Los suavos y los plateados. /Y el mantel olía a pólvora. //Mi padre, al tomar la copa, /Me hablaba de Zapata y de Villa, /Soto y Gama y los Flores Magón. /Y el mantel olía a pólvora. //Yo me quedo callado: /¿de quién podré hablar?”.
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Reprodução/Cosac Naify
Com o exílio do pai nos Estados Unidos, Paz vai a Los Angeles estudar, onde provavelmente nascem suas inquietações em relação à alteridade.
O sentimento de ser sempre outro em terras estrangeiras – apesar de ser branco e de olhos azuis – o inspirou a escrever mais tarde, em 1950, um dos ensaios fundamentais de interpretação de seu país, “El laberinto de la soledad” (O labirinto da solidão), em que descreve o “pachuco” (o mexicano que vivia nos EUA). De volta à Cidade do México, termina seus estudos de Direito na Universidade Autônoma do México.
A partir de então, começa a se desenhar sua carreira diplomática, e ele vai à Espanha, onde funda a revista literária Taller (que manteve até 1941), e logo retorna aos EUA depois de ganhar uma bolsa Guggenheim para estudar em Berkley.
Terminados os estudos, começa ativamente na diplomacia, que exerceu na França – onde testemunhou o movimento surrealista e se fez amigo de André Bretón -, na Índia e no Japão. Prova dessa combinação político-literária em sua vida e também em sua obra é a revista Plural, descrita como “uma elegante fusão entre literatura e política”.
Paz é considerado um dos maiores escritores do século XX e um dos grandes poetas hispânicos. “Luna silvestre” (Lua silvestre) é seu primeiro livro, uma coleção de poemas publicada em 1933, em que aparecem as primeiras marcas de seu estilo, equilibrado entre a paixão pelas formas clássicas da poesia e a experimentação.
Junto com “El laberinto de la soledad” (O labirinto da solidão), “El arco y la lira” (O arco e a lira) é sua obra mais importante – e ambas, além de “Los hijos del limo” (Os filhos do barro), fazem parte de uma coleção recentemente publicada no Brasil pela Cosac&Naify.
Um episódio em especial marca a personalidade desse poeta diplomático, dono de uma aguda consciência crítica. Em 1968, quando o governo mexicano, nas mãos do PRI, reprimiu de maneira violenta um protesto estudantil que acontecia no centro da Cidade do México, matando ao menos 200 pessoas, Paz renuncia a seu cargo de embaixador e escreve: “La vergüenza es ira/vuelta contra uno mismo: / si /una nación entera se avergüenza / es león que se agazapa / para saltar. / (Los empleados / municipales lavan la sangre / en la Plaza de los Sacrificios.)” .