Há quatro anos, onze da noite, esbodegado depois de aplicar a última prova do semestre, eu dirigia avoado pelo elevado João Goulart, o popular Minhocão, ligação Leste-Oeste, saindo do bairro da Mooca para chegar a Perdizes. Poucas horas antes, o ônibus da Seleção Brasileira, Felipão e companhia a bordo, tinha passado exatamente por ali, voltando do treino de reconhecimento no Itaquerão, véspera da partida de estreia na Copa do Mundo, contra a Croácia. Ao ouvir as sirenes e buzinas, os alunos largaram a avaliação e correram automaticamente para as janelas da sala, para gritar e aplaudir ainda que de longe a caravana daqueles que, tínhamos convicção, seriam os heróis do hexa. Nem me preocupei com colas ou conversas paralelas. Me juntei a eles, curtindo aquele devaneio. Acho que foi só naquele momento, ainda inebriado no volante do meu possante, que realizei de verdade – ‘puxa vida, é Copa no Brasil!’. Combinei comigo mesmo, entrando na garagem do prédio. ‘Preciso escrever sobre isso’.
Nasciam ali, sem que eu sequer tivesse planejado ou pudesse imaginar o que viria a acontecer, as Memórias de uma Copa no Brasil, primeiro em versão eletrônica, depois como obra impressa; não demoraria muito, seriam transformadas nas Crônicas Boleiras – que já alcançaram inclusive o segundo tempo. Oxalá venham por aí os acréscimos, a prorrogação. A escrita é meu divã, minha conselheira, meu grilo falante, meu desafogar da alma. Combinar crônicas e futebol é como namorar duas meninas lindas (as duas chamadas Elisas) ao mesmo tempo. 1464 intermináveis dias, tardes e noites depois, e tendo acompanhado amistosos, treinamentos, Copas Américas, Eurocopa, Copa das Confederações, Copa da África, entrevistas coletivas e convocações, jogos espetaculares e pelejas sofríveis, tem Mundial começando de novo. Na Rússia, terra da revolução dos bolcheviques. De novo na véspera, insônia à vista, sofro de fortíssima TPM – Tensão Pré-Mundial (tem também a Tensão do Pagamento Mensal, mas essa é outra história).
Não decidi ainda onde vou ver os jogos do Brasil. São muitas as variáveis a considerar. Mandingas e superstições. Recebi convites vários, mas não dá para ser num bar. Capaz de sair de lá com ordem de condução coercitiva. Atentado ao pudor. Não me contenho. É mais forte do que eu. Agradeço. A logística para ver os 64 jogos – quase todos ao vivo – está pronta, tabela diária devidamente desenhada na agenda. Não foi fácil, admito, montar o quebra-cabeças e encaixar nas vinte e quatro horas do dia as provas finais (elas, de novo), os deslocamentos pela cidade, outros textos jornalísticos a entregar, reuniões, o correr para dar conta das solicitações e programas da filha e do filho – a esposa companheira já sabe que, nesses próximos 35 dias, serei do Mundo. Da Copa do Mundo. Rotina doida, divertidíssima, tem ainda a novidade para fechar a noite, participação diária na mesa-redonda “Na ponta esquerda – Copa e Democracia”, transmitida ao vivo, sempre às 20h30, pela TV 247 (canal no youtube e facebook).
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Os que não querem saber do que vai acontecer na Rússia que me desculpem, mas Copa é um espetáculo que mexe com cada célula do meu corpo
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Os que não querem saber do que vai acontecer na Rússia que me desculpem, mas Copa é um espetáculo que mexe com cada célula do meu corpo e só tem graça se for vivida assim, intensamente, cada segundo de cada jogo, como se fossem as últimas linhas de um livro de Gabriel Garcia Márquez. Fico aqui imaginando quais as histórias fantásticas, quase realismo mágico, que esse Mundial será capaz de nos oferecer e legar. Personagens, ambientes, diálogos, curiosidades, cenas, jogadas, lambanças, os instantes que merecem ser registrados. A filosofia do cotidiano, que faz rir e pensar. Assim é uma crônica. Que as chuteiras de Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo, Iniesta, Mbappé, Suárez, Kroos e Salah nos ajudem. Já voltei a acionar e mobilizar os deuses ecumênicos do futebol, que tanto me ajudaram nos textos em 2014, e me passaram agorinha os números novos de celulares. Trocaremos muitas mensagens – criptografadas – e impressões – em linguagens que combinamos e só nós entenderemos – durante o Mundial. Serão meus informantes. Notícias (ou não) exclusivas, que você encontrará apenas aqui, nas crônicas boleiras do Chuteira FC.
Longa vida ao Canarinho Pistola.
A Copa do Mundo que habita em mim saúda e cumprimenta efusivamente a Copa do Mundo que habita em você.
Que comecem os jogos.
Publicado originalmente em Chuteira F.C.