Filmes são ótimos para nos inspirar a viver melhor. Um filme que me marcou profundamente, e que sempre me volta à mente é “O Processo”, da diretora Maria Ramos. Lançado em maio de 2018, “O Processo” é um documentário longo e repetitivo que mostra cenas bizarras do processo de impeachment cuja réu era nossa querida ex-presidente Dilma Rousseff.
O trailer é ótimo e a cara da Dilma no fim é ótima também:
Eu assisti a esse filme na época em que estreou, em um cinema de rua chique e antigo que só poderia existir num bairro chique e antigo como Santa Teresa, no Rio. Fui com uma amiga, a Lian Tai. A gente almoçou em um restaurante alemão, que fica em um desses também chiques e antigos casarões típicos do bairro, com portas coloniais que funcionam como janelas, que abrem de par em par, deixando a luz, a sombra, os bichos e o ar que estão lá fora também fazer parte de tudo que está lá dentro.
Aproveitei que a tarde estava muito agradável – não fazia calor e o sol amarelo do outono brasileiro me inspira a ver tudo com muito mais alegria – para tomar uma caipirinha. Apesar do restaurante ser alemão, o Rio de Janeiro oferece a maravilhosa vantagem de sempre existir esplêndidas caipirinhas em qualquer lugar.
Entrei no cinema leve. Ainda bem, porque passei duas horas e vinte minutos numa espécie de sessão de tortura, revendo tudo o que já havia visto ao longo daqueles últimos meses.
No fim da sessão, minha amiga e eu saímos de lá como se tivéssemos sido atropeladas. De novo. Aí comemos brigadeiro, bolo e chá quente em um café gostoso do outro lado da rua do cinema e a sensação passou.
Mas o filme sempre me volta à mente. Porque o que ficou, depois de tudo isso, foi apenas a sensação de que vivemos em um enorme teatro. Mas quem escolhe quem vai subir no palco sou eu.
Acompanhar os desenrolares e as tramas políticas é como acompanhar uma novela mexicana.
Acompanhar os desenrolares e as tramas amorosas da minha família, da minha vida pessoal, é como acompanhar uma novela mexicana.
Acompanhar os desenrolares e as tramas corporais da minha saúde é como acompanhar uma novela mexicana.
Tudo pode ser uma novela mexicana. As novelas mexicanas são ótimas para fazer dramalhão.
Pero gracias a Dios temos outros provedores além de Silvio Santos e temos o controle nas mãos. Podemos mudar de canal. Porque essas coisas gigantes da política… tirando votar e protestar em algum canto da Paulista, que outras ações nós, pobres seres mortais e trabalhadores, temos para efetivamente evitar tudo isso que está acontecendo lá em Brasília?
A situação é terrível, eu sei. Sim, Bolsonaro pediu para os militares celebrarem o golpe de 64, eu sei. Sim, tá rolando matança (que sempre rolou, convenhamos!) de pobre e índio. Sim, tá rolando um retrocesso da porra. A onda está forte.
Mas como é que você fica nisso tudo? Vamos continuar replicando as falas dos atores que insistem em roubar a cena? Vamos continuar assistindo a esse espetáculo tenebroso? Para quê? Aplaudir alguém no final? Vaiar? Ora, a vaia é tão mesquinha. Ninguém merece vaias.
O que podemos fazer real oficial, efetivo, para transformar essa situação macro?
Votar. Protestar. E só. Por enquanto.
Talvez, num futuro, quem sabe? Ninguém sabe. Mas, por enquanto, o que temos para hoje é isso. Nada. Porque até as eleições já aconteceram e os protestos andam meio miados. Sabe como é, tá todo mundo cuidando do que é seu.
Pois trate de cuidar do que é seu também. O seu corpo. A sua saúde. A sua mente. Porque, se você quiser viver como em uma novela mexicana em outras esferas de sua vida, vai precisar de muita energia. Precisa chorar muito, sofrer muito, ter muita dor de cabeça.
Cuide do seu ódio. Entenda o que te faz sentir ódio. Perceba que o seu ódio é o mesmo ódio que quem você acha que tem ódio sente. É tudo igual. No fim das contas, também não passamos de bolsominions machucados.
O ódio é a mais suprema emoção baseada no medo. As ações provocadas por medo e ódio só levam a mais medo e ódio.
Sem medo, não há espaço para o ódio. Ele simplesmente some.
Cuide do seu amor. Não dos seus amores. O amor. O sentimento que move. Que gera. Que provê. Que cuida. Que não tem medo. Que só ama. Que só está. Não se trata de amar só quem te ama, e outras besteiras que as pessoas dizem. Trata-se apenas de amar. A todos. Sem condições.
Foi delicioso acompanhar a trama Dilma: fez parte do meu processo. Hoje, graças ao processo, enxergo com mais clareza. Mas também foi um choque perceber que eu perdi um tempo danado, energia e saúde me atentando a detalhes insignificantes.
Na época do impeachment, quando ainda me atentava aos detalhes, eu não entendia uma coisa: como é que o mundo está desabando sobre a cabeça da minha querida presidenta e ela continua impassível? Nunca chorou na frente das câmeras? Nunca abaixou a cabeça? Às vezes ela se mostrava cansada, mas era um cansaço que parecia só falta de sono, uma demonstração de impaciência com a molecagem alheia.
Hoje entendo. Não tinha mundo nenhum desabando sobre a cabeça de ninguém. Dilma estava era cansada do teatro. Peças longas demais são um saco, mesmo. Falação sem fim, gente querendo aparecer demais, roubar a cena. Nossa, que preguiça…
Dilma. Uma mulher foda. Amo demais.
Sei que o assunto é velho e a gente está cansado de falar de golpe, impeachment, Dilma e Temer, mas peraí: o que você está fazendo acompanhando sobe e desce de ministros, tweets de presidentes, bate-bocas e tretas mil? Você comprou mais tickets para as próximas peças? E vai aplaudir quem, no final? Será que você precisa estar assistindo a tudo isso, mesmo?
Sinto muito, mas peça de teatro de qualidade ruim é praticamente uma sessão de tortura. E a tortura tem de acabar, taoquei?
—–
P.S.: Quando conversei com o meu editor para escrever aqui, seria para fazer algo parecido com um diário. Falar sobre a minha vida no interior de Goiás. Acho que nunca falei sobre isso, né?
Então aí vai. Vim morar aqui depois de zanzar por aí. Passei no vestibular para cinema. Vou começar a fazer uma nova graduação. Oba, putz, hahaha!
A cidade onde moro é linda e cheia de gente maravilhosa. Histórica, foi fundada pelo filho do Anhanguera (ele mesmo, que batiza a rodovia), é Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, foi uma das únicas cidades da região em que Haddad venceu no segundo turno (por 600 votos a mais – parece pouco, mas a cidade é pequena! Brasileiros não sabem o que são 600 pessoas quando normalmente moramos em cidades com mais de 100 mil habitantes), e mesmo assim é pouco conhecida.
Aqui faz muito calor. As cigarras cantam o dia inteiro, as formigas trabalham o dia inteiro. O cenário é desses capaz de gerar estupor. As casinhas são brancas, de janelas e portas coloridas, e ladeiam as ruas de pedras cinzas. O céu está sempre azul, e as nuvens parecem tocar a parte de trás das montanhas. Para onde olhamos, há uma montanha coberta de vegetação nativa – isso quando não acontece de o sol bater nas pedras dos topos e revelar o dourado da terra, nos paredões chapados que ficam no alto de tudo. A vegetação daqui é o Cerrado. A gente imagina umas árvores sofridas, quando pensamos em Cerrado. Não é bem assim. Só sofrem quando a gente bota fogo.
Ainda não começou a época de botar fogo nas coisas. Este ano não vai ser assim. É que vai chover pelo menos uma vez por semana. A umidade vai colaborar. Tenho fé.
Não sei se vou acompanhar isso de perto. Sabe como é, sou um pouco do mundo. Quando percebo que está tudo bem, eu sigo. Gosto de ir ver como as coisas estão lá do outro lado. A curiosidade me move. Matou o gato, eu sei. Mas e daí? Melhor morrer de curiosidade do que de coração. Ou de tumor no cérebro, ou qualquer coisa do tipo.
Aliás, como diria Chaves, daquela novelinha mexicana, “prefiro morrer do que perder a vida”.
Bora viver.
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