No início da década de 70, a família de João saiu do sertão do Ceará, atravessou o Estado de Pernambuco e foi viver no sertão da Bahia.
A ideia da família era vir para São Paulo, no entanto, as circunstâncias e a falta de dinheiro picotaram o caminho.
Quinze anos depois, em 1989, ao chegar na periferia de Santo André, cidade do bolsão industrial paulista, João completaria sozinho o trajeto originalmente traçado por sua família.
Em poucos minutos, João, hoje motorista de aplicativos, me contou sua trajetória inicial, o percurso sertanejo, o desejo de sair para o mundo, a vinda para o incerto sonho.
Em Santo André, João veio encontrar um primo mais velho e acertou um racha de um espaço de três cômodos. Tocaram a sociedade por alguns meses, até que o desemprego de ambos, salvos por esparsos bicos, resultou em despejo:
– Saí de manhã, voltei a noite, não achei nada. Nem meu primo, nem as poucas coisas que eu tinha. Não sabia o que tinha acontecido, nem como foi o despejo.
Depois de localizar o primo na casa de um outro parente, João não viu outra solução do que a de morar numa construção abandonada, nos arredores de onde vivia. Perambulou pelo bairro, tentando algum emprego e no limite, algo pra comer.
– Rapaz o que aconteceu com você? – foi assim que numa manhã de 1990, João foi abordado por um conterrâneo que era dono de um dos botecos da região.
Era bem simples o boteco do Ceará, balcão, poucas cadeiras e a mesa de sinuca que virou a base da cama do João após o fim do expediente. O acordo era comida, cem cruzeiros e a cama de dormir.
Foi assim que João se levantou. Como ajudante do Ceará, o jovem cearense começou a acertar a vida em Santo André. Logo, veio uma outra proposta de trabalho que quando comunicada ao solidário conterrâneo gerou a seguinte frase:
– É assim que tem ser, segue sua vida…
O trajeto, a frustração, a solidariedade, a mão estendida do camarada, o caminho construído após, no qual construiu família, lar e a relação com os novos lugares, constituíram o enredo da história de vida que João me contou. Mas, a grande comoção veio com o desfecho, com o olhar sensível de João sobre a conjuntura que vivemos:
– Sabe, Sr Ricardo, toda vez que eu vejo um morador de rua, alguém pedindo no farol ou dormindo nas calçadas, me vem a imagem do rosto do Ceará…se não fosse por ele, eu poderia ter caído nas ruas e nem sei o que seria de mim…eu sou muito grato a ele e procuro ser solidário com quem vive nessa condição.
O cearense João nunca mais viu o Ceará, os desenlaces da vida separam seus rumos. No final do ano passado, João foi ao bairro de Santo André e onde era o bar hoje é uma serralheria. Perguntou por Ceará, disseram que ele morava em outro bairro, distante, sem endereço certo.
Uma história de gente comum, uma história lastreada na solidariedade. Foram quarenta minutos entre São Paulo e São Bernardo. Dessa forma, nesse curto tempo, que eu pude saber da história do João, do Ceará, dessas pessoas, entre milhões, que constroem o patrimônio sentimental desse país.
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