Neste primeiro fim de semana em que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva está à solta no país das Milícias, a imprensa brasileira está toda trabalhada no gif do urso do Pica-Pau, sem saber o que fazer para conter o furacão Lizinácio.
O que falar de um discurso de carinho e agradecimento, em que Lula basicamente cumpriu a promessa de passar na Vigília Lula Livre e dar um abraço em cada um dos acampados?
Reprodução
Detalhe de um gif famosão
Ah, destaca o que Lula disse de ruim e taca um atacar no título. Quer ver? Então, acompanhe todos os títulos que estavam nos sites no início da noite de sexta-feira, pouco depois do discurso do ex-presidente em Curitiba:
– Solto, Lula agradece a militantes e ataca PF, Procuradoria e Bolsonaro (Folha de S.Paulo)
– Em discurso, Lula ataca ‘lado podre’ da justiça, do MP e da PF e diz que percorrerá o país (Estadão)
– Lula é solto, diz que é inocente, anuncia volta à política e ataca Bolsonaro e a Lava Jato (O Globo)
– Em primeiro discurso livre, Lula agradece militância e ataca MPF e PF (UOL)
Mas, como diria meu amigo e escritor Z Carota, qual o busílis com o verbo atacar? Eu já expliquei isso na página 79 do livro Gramática da Manipulação, então permitam-me as aspas: “(…) o verbo atacar é um verbo de processo mais sensorial que racional. É verbo acionado por um sujeito que, semanticamente, não precisa usar de raciocínio, de ponderação, da análise mental da situação. Segundo o Dicionário Houaiss, atacar é “causar dano moral a alguém; ofensa, injúria”. É também “impulso violento, ímpeto”, ou ainda “ação corrosiva, destruidora”.
Temos, então, um verbo que aciona uma série de ideias (que George Lakoff e mais um monte de linguistas cognitivos chamam de frames) de instinto, ausência de raciocínio. O verbo atacar contrasta com o verbo “criticar”, que pressupõe raciocínio, ponderação, pesar os prós e contras – é verbo acionado apenas por sujeitos de perfil humano, e não animal.
Portanto, os títulos pós-primeiro discurso apontam um Lula que agradece e afaga militância e ataca quem é de fora. Também chamou atenção a quantidade de orações nas manchetes (a manchete do Globo contém quatro orações, está muito longa), o que foge um pouco ao gênero manchete, mas que a gente deixa passar só de lembrar que é versão online, com menos restrições de espaços.
No dia seguinte, as manchetes dos jornais mantiveram os ataques de Lula, e evidenciaram um frame, (ou seja, o acionamento de uma ideia) que estava meio disfarçado nas manchetes da noite de sexta-feira: a radicalização e polarização promovida única e exclusivamente pelo petista. Vejamos as manchetes do sábado 9 de novembro:
– Após 580 dias, Lula deixa prisão e ataca PF, Lava Jato e Bolsonaro (Folha de S.Paulo)
– Lula deixa prisão, ataca moro e reacende polarização (Estadão)
– Solto, Lula ataca Lava Jato e Bolsonaro, que evita confronto (O Globo)
Curiosamente, o PSDB emitiu nota no sábado com exatamente o mesmo argumento, o de que a libertação de Lula “pode alimentar ainda mais um clima de intolerância na sociedade brasileira, no qual polos extremos preferem se hostilizar ao invés de dialogar.”
Eu poderia fazer uma série de ponderações políticas agora, mas acho que tem gente mais gabaritada para isso do que eu, que sou apenas linguista.
Letícia Sallorenzo, jornalista e linguista, é autora de Gramática da Manipulação: como os jornais trabalham as manchetes em tempos de eleições (e em outros tempos também).