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Cultura

'Mata das Bruxas': livro reúne entrevistas e textos de Silvia Federici

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Primeira edição de 'Mata das Bruxas', publicado pelo coletivo Plataforma9, traz diálogos e artigos que discutem o papel da mulher na sociedade capitalista

Camila Araujo

São Paulo (Brasil)
2021-12-21T19:30:00.000Z

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O coletivo jornalístico Plataforma9 publicou em 2021 a ´primeira edição do projeto "MATA das Bruxas", com a apresentação e introdução do trabalho da pesquisadora marxista Silvia Federici, pensadora italiana especialista no tema da exploração do capital sobre o corpo e o trabalho de mulheres, especialmente mulheres pobres.

Para Mirna Wabi-Sabi, editora do coletivo, "a leitura, diferentemente de afiliação ou título, revela um compromisso ao conhecimento que não se permite abrir mão da liberdade e da criatividade pessoal". 

Nesta primeira edição, a proposta é a de refletir sobre o patriarcado enquanto parte inerente do desenvolvimento da sociedade capitalista, apresentando e bebendo das proposições feitas por Federici.

O livro é dividido em quatro partes principais: "Além da Periferia da Pele", que consiste em uma entrevista com a pesquisadora italiana, "O Seminário da Fofoca", discussão proposta por Fabiana Faleiros, "Calibã e a Bruxa", que é uma segunda entrevista com Federici, e "Homenagem ao Corpo Dançante", um artigo da autora marxista. 

A elaboração do projeto contou com a participação de 11 indivíduos, entre mulheres, homens, pessoas queers e não binárias. O livro nasceu “em solo brasileiro, visando contribuir para o cenário político e pagão de nosso país”. 

Além da Periferia da Pele

A primeira parte do projeto trata-se de uma entrevista feita no podcast Last Born in The Wilderness e traduzida de forma inédita por Wabi-Sabi. A conversa com a pesquisadora italiana diz respeito a sua mais recente publicação Beyond The Periphery of The Skin (Além da Periferia da Pele, em tradução livre), ainda não traduzido para o português. 

Federici explica na entrevista que esta publicação é uma análise “da luta das mulheres para liberar seus corpos do domínio do Estado”, ao passo que, em Calibã e A Bruxa (Editora Elefante), ela examina “como o capital e o Estado se apropriaram de nossos corpos e os transformaram”. 

“Vimos que na história do capitalismo, as mulheres foram submetidas a uma disciplina muito mais intensa que os homens. (...) Refiro-me ao controle do Estado sobre nossa capacidade reprodutiva, procriação e sexualidade”, declara, afirmando ainda que “nossa capacidade reprodutiva foi colocada ao serviço da reprodução das pessoas trabalhadoras”. 

A autora defende que não é possível “libertar nossos corpos ou mudar nossas identidades” sem alterarmos as condições materiais da vida, ou seja “devemos mudar a forma como trabalhamos, que acesso temos à riqueza produzida, à natureza”. 

Ao entrar na discussão sobre o aborto Federici defende que não se trata apenas de uma “escolha”, bandeira levantada por alguns movimentos feministas. Isso porque, enquanto algumas mulheres são impedidas de abortar, por conta de legislações antiaborto da maioria dos países no mundo, outras tantas, como mulheres pretas e pardas nos EUA, diz Federici, e podemos dizer que o mesmo vale para o Brasil, “têm sido negadas o direito à maternidade”. 

“Embora algumas mulheres tenham sido forçadas a procriar, outras são praticamente criminalizadas se o fizer”, explica, dizendo ainda que “a classe capitalista quer decidir quem pode se reproduzir e quem não pode, da mesma maneira que quer decidir quem pode viver e quem deve morrer”. 

Ao discutir sobre o corpo em contato com as relações materiais, Federici lembra que “o que colocamos na terra é o que entra em nossos corpos” e que portanto “não podemos ter um corpo saudável a menos que tenhamos uma terra saudável”. 

Wikicommons
Silvia Federici é uma pesquisadora marxista e militante italiana, autora do livro 'O Calibã e a Bruxa'

A discussão é encaminhada sobretudo pela eclosão da pandemia da covid-19: “a produção de doenças é parte integral do desenvolvimento capitalista” porque “você não pode ter um sistema capitalista que sistematicamente separe as pessoas das condições de sua reprodução, que empobrece, cria miséria, desloca as pessoas e destrói o ambiente natural, sem o surgimento de novas doenças”. 

Ela também critica a indústria da carne ao dizer que é preciso se preocupar com a crueldade promovida contra animais “porque somos os próximos da fila”. “Uma vez que você aceita tanta barbárie contra alguns seres vivos, inevitavelmente ela se estende além deles”. 

A segunda parte do livro é o Seminário da Fofoca. Neste capítulo Fabiana Faleiros, doutora em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ, discute como o termo “fofoca” foi alvo de uma campanha de desaprovação ao longo dos séculos, com o objetivo de “desarticular os laços comunitários” que existiram e existem entre mulheres. 

“Dois séculos de ataque às mulheres, da Idade Média tardia até a formação da Inglaterra moderna, fizeram gossip se tornar o oposto do seu significado original: de expressão que designava amiga próxima para uma conversa fútil feita pelas malditas que se reuniam para falar mal de alguém, semeando discórdia”, escreve Faleiros. 

O Semanário da Fofoca foi uma instalação artística que ocorreu em 2018 na FUNARTE, com o objetivo de provocar reflexões sobre essa “caça às bruxas”. Sua pesquisa também se baseou na obra de Federici. 

“As mulheres pobres, as adúlteras, as conhecedoras das ervas medicinais eram atacadas pela força coletiva que tinham na luta contra a crescente privatização das terras e a expropriação dos corpos”, destaca Fabiana Faleiros, propondo ainda “fofocar como um gesto político, com o corpo que sabe, para contar as histórias que não foram escritas”. 

Corpo dançante

A terceira parte, Calibã e a Bruxa, é também uma entrevista feita com Silvia Federici para o livro We Live in the Orbit of Beings Greater than Us. Na conversa a pesquisadora discorre sobre os principais pontos levantados em seu livro que nomeia o capítulo. 

A italiana propõe que o nível de desigualdade entre homens e mulheres da classe servil camponesa era menos acentuado que no capitalismo. É no capitalismo apenas que há a separação entre os trabalhos de produção e reprodução da vida social, explica Federici, afirmando que essa separação entre o processo produtivo e o processo reprodutivo começa quando “pessoas trabalhadoras não têm mais acesso aos meios de se reproduzir”. 

Com isso, o trabalho doméstico, de manutenção da casa, cuidado com filhos e outros, acabam se tornando “obrigação” das mulheres, e “como sabemos, quase desaparece como trabalho”. 

Já em Homenagem ao Corpo Dançante, artigo de Federici traduzido de forma inédita no livro, a autora promove uma reflexão sobre a história do corpo no período do sistema capitalista, que reduz o corpo em mercadoria e como um repositório de doenças.

"A história do corpo é a história dos seres humanos, pois não há prática cultural que não seja de antemão aplicada ao corpo. Mesmo se nos limitarmos a falar da história do corpo no capitalismo encaramos uma tarefa avassaladora, tão extensivas foram as técnicas usadas para disciplinar o corpo - sempre em mutação, subordinadas às mudanças de regimes de trabalho aos quais nosso corpo foi sujeitado."

Para a pesquisadora, “nossa luta deve então começar com a reapropriação do corpo, a reavaliação e a redescoberta da sua capacidade de resistência e a expansão e celebração de seus poderes coletivos e individuais”. 

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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