'Caiam as rosas brancas': road movie chega aos cinemas desafiando gêneros sociais e cinematográficos
Obra é sétimo longa de Albertina Carri, que se consolida cada vez mais como um nome de peso entre as diretoras latino-americanas
Depois de exibições em grandes festivais internacionais, como Roterdã, IndieLisboa e FICValdivia, chegou ao Brasil na última quinta-feira (15/05) o filme Caiam as rosas brancas!, da diretora Albertina Carri. No longa, um grupo de amigas abandona o set de filmagens de um filme pornô e embarca em uma jornada de aventuras e descobertas do interior da Argentina até o Brasil. Trata-se de um road movie (filme de estrada) queer ousado e inventivo, que desafia as fronteiras dos gêneros sociais e cinematográficos.

(Foto: Reprodução / Caiam as rosas brancas!)
Caiam as rosas brancas! é o sétimo longa de Albertina Carri, que se consolida cada vez mais como um nome de peso entre as diretoras latinoamericanas e um marco no cinema lésbico contemporâneo. A obra é um díptico de seu filme anterior, reivindicado pela cineasta como um pornô feminista. Em As filhas do fogo (2018), um grupo de amigas viaja pela Patagônia argentina em uma experiência lésbica poliamorosa e orgiástica. Neste longa, a diretora ousa ao incluir corpos de mulheres que fogem do padrão, sobretudo do padrão pornográfico, e apresentá-las em cenas de sexo explícito.
Em ambos os filmes, são exploradas formas de representação lésbica pouco comuns no cinema. Notavelmente, a lesbianidade é construída como uma identidade para além da sexualidade e é retratada como um modo de vida que guia não somente relacionamentos amorosos, mas a relação das personagens consigo mesmas, com as outras e com o mundo. Ao contrário do audiovisual hegemônico que, quando traz representações lésbicas inclui, no máximo, um casal isolado em meio a um universo dominantemente heterossexual, nos filmes de Carri, temos um grande grupo de amigas. Em termos narrativos, ela descentraliza o protagonismo individual corriqueiro no cinema em prol da construção de um protagonismo coletivo baseado no grupo. Nesse contexto, Albertina Carri apresenta ainda uma grande pluralidade da identidade coletiva, ao trazer personagens bastante diferentes entre si.

(Foto: Reprodução / Caiam as rosas brancas!)
Caiam as rosas brancas! herda de As filhas do fogo essas questões estéticas e narrativas, bem como boa parte do elenco, o que reforça uma sensação de continuidade entre as duas obras. De acordo com a diretora, a ideia do segundo filme surgiu justamente de conversas e desejos compartilhados com as atrizes de As filhas do fogo, com as quais foi desenvolvido um processo de pensamento e construção coletivo. Com equipe e elenco compostos quase exclusivamente por mulheres, Carri reafirma seu compromisso político não somente em termos narrativos, mas também nos modos de produção, desafiando a predominância masculina no fazer cinematográfico.

(Foto: Reprodução / Caiam as rosas brancas!)
A cineasta argentina é reconhecida por narrativas que rompem com o convencional, e transita entre diversos gêneros cinematográficos, demonstrando domínio da linguagem e versatilidade. Em entrevista, afirma ter uma “obsessão, um certo gosto que tenho por romper com os gêneros fílmicos, e não apenas romper, mas também com a ideia de reescrevê-los. Como se fosse fazer uma batida, ver o que acontece se você pegar o gênero policial e colocar nele uma peruca.” Em Caiam as rosas brancas!, ela vai além e, em suas palavras “abraça o caos”, aprofundando essas reflexões. Enquanto no longa de 2018, centrou-se em uma possível reescritura do pornô, aqui ela borra as fronteiras e mistura o road movie, o erótico e o fantástico.
Da mesma forma, contesta ideias consolidadas de masculinidade e feminilidade. Em uma cena, a kombi na qual o grupo viaja dá um problema e quebra. Uma das personagens sugere chamar o reboque, ao que outra comenta: “não quero chamar um guincho, para vir um homem nos dizer o que fizemos de errado”. O imaginário coletivo dos papéis sociais de gênero é então subvertido, quando quem aparece para consertar a kombi é literalmente uma caminhoneira.
Assim, ao longo de toda a obra são desconstruídas as ideias consolidadas sobre as definições e os limites dos gêneros cinematográficos e dos gêneros sociais. Enquanto no campo narrativo as personagens saem em uma aventura explorando o território latinoamericano, no campo estético são feitas escolhas que rompem com convenções cinematográficas e expandem a liberdade representada no conteúdo para uma liberdade criativa na forma, unindo assim ética e estética em um filme eminentemente político.
