Filme 'Partido' acompanha anos recentes do ministro Fernando Haddad
Documentário lançado em streaming segue político petista desde 2016 e fotografa fragilidades atuais da esquerda brasileira
Já está disponível no streaming o filme Partido, que conta os anos recentes da história do atual Ministro da Fazenda Fernando Haddad. Dirigido por César Charlone, Sebastián Bednarik e Joaquim Castro, com produção de Andrés Benedykt, o documentário não tem previsão de estreia nos cinemas.
O longa-metragem começou a ser filmado em 2016, quando Haddad concorria à reeleição à prefeitura de São Paulo. Diante da vitória esmagadora de João Dória no primeiro turno, os diretores optaram por não transformar aquela história em um filme, como inicialmente previsto. Contudo, continuaram gravando o cotidiano pessoal e político de Fernando Haddad, realizando um importante documento histórico do Brasil recente.
O documentário se inicia às vésperas da prisão do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Imagens que marcaram a memória da esquerda brasileira, com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema completamente lotado, dão lugar a registros ainda desconhecidos de Haddad no carro a caminho de sua primeira visita a Lula no prédio da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Com sua esposa Ana Estela Haddad no volante, Fernando Haddad confessa sua emoção e seu cansaço à equipe de filmagens.
Ao longo do filme, cenas como essa, compostas por conversas e confissões no carro, em sua casa em São Paulo, momentos com sua família e com assessores revelam os bastidores e a intimidade de Fernando Haddad no período que se seguiu até o embate histórico com Jair Bolsonaro em 2018 e a reeleição de Lula em 2022.
É emocionante e difícil reviver os últimos anos do Brasil – assistir novamente à vitória de Bolsonaro em 2018 sabendo de todas as consequências devastadoras vividas pelo país nos anos seguintes. Partido quase não abre espaço para Bolsonaro e opta por mostrar a perspectiva de Fernando Haddad, que parece, por vezes, inocente quanto à situação política do país naquele momento. Em um almoço de família, ele conversa com a filha e menospreza Bolsonaro, refletindo uma posição recorrente da esquerda em 2018, que não levou a sério a real ameaça que de fato se concretizou.

Ao longo de cerca de 80 minutos de filme, o único que parece compreender verdadeiramente a situação do país à época é o rapper Mano Brown, em uma rápida e certeira aparição no documentário. Em um ato com outros artistas, realizado em 23 de outubro de 2018 – a cinco dias do segundo turno que elegeria Bolsonaro presidente da república–, Brown criticou o clima de festa e esperança da militância e admitiu uma chance de derrota da esquerda: “Vim representar a mim mesmo e não representar ninguém. Não gosto de clima de festa, e a cegueira que atinge lá atinge cá também. Tem mais 30 milhões de diferença de votos, não tem margem para alcançar. Não estou pessimista, estou realista (…). Falar bem do PT para a torcida do PT é fácil, tem que falar para uma multidão que precisa ser conquistada, senão vamos cair no abismo”.
Em Partido, Haddad é o fio condutor de momentos históricos do Brasil recente, e é também uma fotografia da fragilidade da esquerda, que, apesar da vitória de 2022, segue em uma corda bamba. O documentário termina otimista, com o anúncio de Haddad para o Ministério da Fazenda e seu compromisso com a população mais pobre. Ironia do destino, no mesmo dia da pré-estreia em São Paulo, em 3 de julho, o ministro anunciou a exigência do presidente para que seja cumprido o arcabouço fiscal neste e nos próximos anos, a todo custo.
Segundo ele, Lula autorizou a redução de 25,9 bilhões de reais de programas dos ministérios para fechar as contas públicas com déficit zero. Sem muitas explicações de como isso será feito, o anúncio é um alerta para setores como a cultura e a educação, que já haviam sofrido reduções dramáticas de seus repasses previstos para 2024, fruto de ajustes orçamentários feitos pelo governo federal após o corte realizado pelo Congresso Nacional ao orçamento geral.
Partido é um alerta para os riscos da alienação da esquerda quanto às ameaças reais do cenário político brasileiro – ainda não saímos do abismo anunciado por Mano Brown em 2018. O filme tem distribuição da O2 Play e está disponível nas plataformas iTunes (Apple) e Vivo Play.
Veja aqui o trailer.
(*) Graduada em Audiovisual pela ECA-USP, Nayla Guerra é produtora cultural na Cinemateca Brasileira e organizadora do coletivo Cine Sapatão. É autora do livro “Entre apagamentos e resistências” (Editora Alameda, 2023) e diretora do filme “Ferro’s Bar” (2023).
