Homenageada em feiras pelo mundo, literatura brasileira tenta ganhar espaço na França
Incentivo dado pelo governo do Brasil à tradução de obras no exterior impulsiona difusão de autores do país, para além de Jorge Amado e Paulo Coelho
Na França, Brasil rima facilmente com samba, mulata, carnaval, caipirinha, futebol, e, mais recentemente, com Lula e Bolsa Família. Mas com literatura? Até agora, quase nunca. “Nem o próprio Paulo Coelho, que vendeu cerca de 200 milhões de livros no mundo, é identificado como brasileiro, aliás, as historias dele não têm nada a ver com o Brasil”, lembra Paula Anacaona, que dirige há cinco anos a Editora Anacaona, que publica exclusivamente obras brasileiras.
Descendentes de venezuelanos nascida em Paris, a jovem tradutora – de português, mas também de inglês e espanhol – se diz apaixonada pelo Brasil e sua literatura. “Com certeza que numa outra vida fui brasileira, e provavelmente fui criada no Nordeste”, conta, com um sorriso.
“Apostei neste mercado, até agora pouco investido na França, está dando certo, porque conheço muito bem o país, mas não é sempre fácil seduzir o público francês”, conta. Para ela, o problema começa pela língua, pouco conhecida na França, já que metade dos alunos estuda espanhol na escola, além do francês. Isso tem um impacto sobre a quantidade de leitores finais, “mas isso também significa que poucas editoras têm um funcionário lusófono, e sem isso, elas dependem de uma biografia escrita por um tradutor, é pouco para tomar a decisão de introduzir um novo autor no país”, acrescenta.
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Segundo Paula Anacaona, um dos problemas para a literatura brasileira é que o português é pouco difundido na França
Existe outra dificuldade: enquanto centenas de livros chegam às prateleiras em setembro, pela chamada “Rentrée littéraire”, é praticamente impossível emplacar nas livrarias sem algumas boas resenhas. “Mas, para os jornalistas, falar de literatura brasileira só faz sentido quando o país está muito presente no noticiário”, lamenta. Eleição presidencial e Copa do Mundo justificam a descoberta de um autor carioca. “Fora destas temporadas curtas, os críticos literários não querem nem saber”, completa.
Sébastien Lapaque é um dos raros jornalistas que sai deste padrão. Também apaixonado pelo Brasil, ele publicou em 2014 um ensaio chamado “Teoria de Rio de Janeiro”, e o livro que dedicou anos atrás ao período em que o escritor Georges Bernanos passou no Brasil, chamado “Sob o sol do exílio”, acabou de ser traduzido e lançado aqui pela editora é Realizações. Ele não perde oportunidade de fazer conhecer autores brasileiros em varias redações da cidade-Luz – do diário conservador Le Figaro até o mensal de esquerda Le Monde Diplomatique.
Nobel
Para ele, um dos grandes problemas da literatura brasileira é que nenhum de seus representantes nunca foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, “enquanto quatro deles, pelo menos, o mereciam”, considera Lapaque, citando Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Jorge Amado. Quase ninguém na França sabe da rica historia da literatura brasileira, que começou com o padre jesuíta Antonio Vieira, nascido em Lisboa em 1608, mas abrasileirado já na sua chegada a Salvador de Bahia, com seis anos de idade. “Na França, o interesse pelas produções literárias brasileiras começou apenas no século XX, graças a Blaise Cendras e Valery Larbaud, que sabiam ler português, e em seguida, a Roger Caillois, que criou no pós-guerra a coletânea ‘Cruzeiro do Sul’ na editora Gallimard”, explica.
E foi com a Gallimard que foram descobertos, por exemplo, “Infância”, de Graciliano Ramos, e “Capitães da Areia” de Jorge Amado. Lapaque afirma que, “entre 1930 e 1980, houve uma idade de ouro da curiosidade dos leitores franceses em relação à produção escrita brasileira”, muito além da própria literatura, já que incluía Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro. “Depois, esta curiosidade diminui, o que explica o fato de que alguns grandes escritores brasileiros, como Rubem Fonseca e Luis Fernando Verissimo, não foram lidos com a atenção que mereciam”, conclui o crítico literário.
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Responsabilidade
A responsabilidade não é só dos editores e leitores fora do país, precisa Anacaona. Ele considera que, “durante anos, o Brasil ligou muito pouco pela imagem exportada”, seja na economia, na política ou na literatura. Tudo mudou na última década. “Agora, assistimos a uma verdadeira ofensiva das autoridades brasileiras para fazer conhecer os seus autores”, diz a editora, lembrando que o fato de ser homenageado nas grandes feiras literárias do mundo é, sobretudo, o resultado de um esforço diplomático e financeiro importante. “É por isso que o Brasil foi o convidado especial em Frankfurt em 2013, na feira de Varsóvia, dedicada à literatura infanto-juvenil, em 2014, agora em Paris, em 2016, em Londres, e o governo está tentando emplacar em seguida em Nova York”, explica.
Anacaona ressalta o impacto do programa de incentivo à tradução e à publicação lançado pela Biblioteca Nacional em 2012, que prevê investir R$ 12 milhões até 2020 para difundir a literatura nacional no exterior. São bolsas que bancam até 70% do custo de uma tradução, um dinheiro crucial para uma pequena editora. “Traduzir um livro custa entre US$ 3.000 e US$ 5.000. Esta ajuda é muito importante”, afirma. “Quando uma editora tem na mão um bom livro colombiano e um bom livro brasileiro, é esta bolsa que faz toda a diferença”, completa. Ela lembra que alguns países como Coreia do Sul, Finlândia e Suécia bancam até 100% do custo das traduções. “A única coisa que lamento é que estas bolsas deveriam ser dadas às pequenas editoras em prioridade. Gallimard, Le Seuil e outros não precisam deste dinheiro para se interessarem pelos brasileiros”, conclui.
O escritor amazonense Milton Hatoum também acha que a ação do Estado, apesar de ser ainda fraca, foi central nos últimos anos. Ele critica a falta de um instituto cultural à imagem do Cervantes espanhol ou do Goethe alemão, mas diz que viu as embaixadas brasileiras muito mais ativas mundo afora, “sobretudo na época do Lula”. “Antes, era muito raro escritores serem convidados pelo corpo diplomático, agora, tenho que recusar os convites, por falta de tempo”, elogia.
Hatoum, cujos romances foram todos publicados na França, vê também a presença da literatura brasileira aumentar no resto de América Latina. “O esforço de integração regional permitiu criar laços muito fortes com Argentina, Peru, Uruguai, isso criou um novo interesse pela nossa literatura, e reciprocamente”, garante.
Olhar para periferias
As políticas sociais mudaram muito a imagem do Brasil. “Pela primeira vez, o governo olhou para suas periferias. Ele percebeu que, para conseguir um espaço maior entre os atores mundiais, ele precisava primeiro que cuidar das questões internas e reduzir as desigualdades”, diz Godofredo de Oliveira Neto, professor de literatura na Universidade Federal de Rio de Janeiro e autor de vários livros traduzidos na França – o último, “O Menino Oculto”, foi lançado em Paris na véspera do Salão do Livro. “Mais de trinta milhões de pessoas saíram da pobreza, o que deu para o país novos leitores, novos autores que vivem nas próprias periferias, e tudo isso demonstrou para o mundo que existe um Brasil além das praias, e de certo exotismo”, acrescenta.
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Para o escritor amazonense Milton Hatoum, ação do Estado nos últimos anos foi “central”
Anacaona comemora. Até agora, ela achava que “os leitores queriam sempre encontrar um novo Jorge Amado, um dos raros escritores famosos na França – daí, era muito difícil emplacar com um autor de São Paulo que não falava nem de mulatas nem de futebol”, uma realidade que muda pouco a pouco. “E não tenho dúvida que o Salão do livro também vai ajudar muito”, conclui a jovem editora.
Sébastien Lapaque compartilha este otimismo. “Acredito que a situação esta mudando mesmo, o Brasil está na moda na França. Há muitos estudantes que sonham em ficar lá por alguns meses e para isso, aprendem o português. Além dos esforços da Biblioteca Nacional do lado brasileiro, editores como Actes Sud, Chandeigne, Métailié Le Seuil tiveram a coragem de nunca desistir (o que não era o caso de outros, como Albin Michel)”, explica. Para o crítico literário, muitos dos escritores convidados em março terão uma boa surpresa. “Eles verão que, na França, eles têm verdadeiros leitores, que gostam da obra deles e querem conhecer mais”.
