No other land (Sem chão[1], 2024), vencedor do Oscar de Melhor Documentário, revela os mecanismos de colonização da Cisjordânia empreendidos por Israel em um processo de extrema violência e brutalidade. Da noite para o dia, moradores do pequeno vilarejo de Masafer Yatta são surpreendidos por mandatos de despejo e retroescavadeiras a destruir suas casas e escolas. O filme se passa majoritariamente entre 2019 e 2023, em um período ainda anterior ao início do genocídio que vemos hoje em dia.
A alegação para a retirada das famílias do vilarejo, onde seus antepassados fincaram raízes há gerações, seria a instalação de uma zona de treinamento militar israelense. A legalidade da ação estaria em uma decisão judicial de uma corte de Israel, sem qualquer poder de intervenção jurídica palestina. Como descreve o poeta Mahmud Darwich, “eles são os inimigos e eles são os juízes. E são eles que definem o que é a pátria para nós” (Diário da tristeza comum, 1973). Ao final, o filme indica que documentos secretos descobertos revelaram que essa zona de treinamento foi criada “para bloquear a expansão de vilarejos árabes”.

Trata-se de mais um exemplo de uma tática israelense recorrente de expulsão de palestinos de suas terras e demolição arbitrária de casas, que se iniciou em 1948, com a chamada Nakba (“catástrofe” em árabe), e segue até os dias de hoje. Muitos são os casos de vilas completamente destruídas e substituídas por florestas, numa forma de apagamento total de qualquer vestígio da presença palestina no território. Mais de 240 milhões de árvores, em sua maioria pinheiros e eucaliptos não-nativos da região, foram plantados como ferramenta de desaparecimento de aldeias. Ao esconder a herança palestina de suas terras, é reforçado o discurso sionista de um território vazio pré-Nakba e, portanto, pronto para ser invadido por colonos judeus.
Enquanto as árvores são usadas para encobrir a violência brutal dos despejos na Palestina, Trilha sonora para um golpe de Estado (2024) nos mostra como o jazz foi usado para mascarar uma conspiração dos Estados Unidos, da Europa e da ONU para impedir a independência do Congo. Neste filme indicado ao Oscar de 2025, descobrimos que, enquanto os Estados Unidos enviavam o músico Louis Armstrong para uma turnê no país africano, a CIA mandava praticamente no mesmo voo um espião com uma pasta de dente envenenada para matar o primeiro ministro congolês Patrice Lumumba. Um dos maiores líderes anticoloniais do Congo, Lumumba ocupou o cargo de primeiro-ministro por apenas doze semanas e foi assassinado aos 36 anos por mercenários belgas, após o insucesso da tentativa de envenenamento.

Imagens de arquivo, documentos oficiais dos governos, e entrevistas com testemunhas e agentes da CIA indicam uma ligação direta dos anseios coloniais com os interesses geopolíticos, econômicos e militares dos países do norte global na região. O documentário mostra como a província congolesa de Katanga, rica em minas de urânio, foi vital para o desenvolvimento das bombas atômicas que devastaram Hiroshima e Nagasaki. A consequência da riqueza congolesa foi o desenvolvimento de uma política de violência e morte empreendida pelos países do norte, seus espiões, mercenários e cúmplices locais, que não restringiu sua brutalidade à classe política revolucionária e se espalhou pelos campos, dizimando também civis.
Passados mais de 60 anos das interferências no Congo, o recém empossado presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que seu país poderia assumir o controle da Faixa de Gaza. Em troca da ajuda para reconstrução pós-guerra, tomaria posse do território para transformá-lo em uma “riviera do Oriente Médio”. Ele acrescenta ainda que os palestinos não teriam o direito de retornar a suas terras, o que os diretores de No other land, Basel Adra e Yuval Abraham, classificaram como uma “limpeza étnica de Gaza… É tão irresponsável, é tão imoral”.
Nas entrelinhas do discurso presidencial, podem estar também interesses nas reservas de petróleo e gás na Faixa de Gaza. Um levantamento feito em 2019 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento aponta que reservas de petróleo presentes no território poderiam gerar cerca de US$ 71 bilhões e as de gás US$ 453 bilhões, se exploradas.
Nesse cenário, No other land e Trilha sonora para um golpe de Estado aparecem como instrumentos fundamentais de denúncia do colonialismo perpetuado ao longo de décadas e séculos. Os alvos são diferentes, mas o interesse econômico e geopolítico capaz de justificar a barbárie é apenas renovado. Parece não haver Declaração Universal dos Direitos Humanos ou legislação internacional capaz de detê-lo. O que resta é a resistência do povo que segue reconstruindo suas casas, suas famílias e suas vidas. O cinema, por sua vez, aparece nesse cenário como instrumento remediador de garantia do direito à auto expressão, auto representação e sobretudo auto determinação do povo palestino.
