Mensagem de Natal da MPB: músicas questionam Papai Noel, a figura mais lembrada da época
Quem nunca ouviu o clássico de Assis Valente, que nos anos 1930 já percebia que nem todo mundo era filho da personagem que domina o imaginário natalino hoje em dia?
John Lennon pode não ser, hoje, mais famoso que Jesus Cristo, mas certamente Papai Noel é. No Natal contemporâneo, o “bom” velhinho tornou-se protagonista por reunir características que agradam gregos e baianos.
Em primeiro lugar, é uma figura mítica distanciada, graças ao histórico patrocínio da Coca-Cola, da religião. Assim, materialistas à direita e à esquerda podem recebê-lo em suas casas sem medo de estarem cultuando qualquer deus, cristão ou pagão.
O mesmo vale para as famílias multiculturais: Papai Noel não é exatamente católico, não é certamente evangélico, nem da umbanda, candomblé, mórmon ou da cientologia. É de todos e de ninguém, como diriam os Tribalistas de Marisa Monte.
Na música, Papai Noel também é múltiplo, e aqui vai uma pequena playlist de Natal, eclética como pede a personagem.
São músicas que, de algum modo, ajudam a conformar os limites da personagem, às vezes colocando a imagem simpática e típica dela numa triste ou divertida berlinda.

Quase todas procuram desmistificar o cidadão pela via da tradicional questão: afinal, quem é Papai Noel e como ele escolhe quem presentear?
Nesse aspecto, a crítica social bate forte: desde os anos 1930, pelo menos, os brasileiros sabem que há algo de errado com a figura.
Lá vamos nós:
1. Assis Valente – um clássico natalino brasileiro
Talvez seja a música natalina brasileira mais conhecida. Composta em 1932, é uma marchinha de Natal que começa lânguida, dolorida: “Anoiteceu,/ o sino gemeu,/ a gente ficou/ feliz a rezar”. Em vez de pedir algo a Deus ou a Jesus, é a Papai Noel que se dirige a reza: “Papai Noel/ vê se você tem/ a felicidade/ pra você me dar”. A crítica pesada já vem em seguida: “Eu pensei que todo mundo/ fosse filho de Papai Noel”. A felicidade talvez fosse uma “brincadeira de papel”. E, na sequência, a crítica a Papai Noel se torna quase filosófica: “Já faz tempo que pedi,/ mas o meu Papai Noel não vem./ Com certeza já morreu/ ou então felicidade/ é brinquedo que não tem”.
2. Teixeirinha – vamos falar de dinheiro
A versão “caipira” que se queixa de Papai Noel mais “clássica” é a de Teixeirinha. No ritmo de modinha, ele põe o dedo na ferida: “Papai Noel onde está meu presentinho/ Sou menino pobrezinho que não cansa de esperar/ Os seus olhinhos de tristeza lacrimando/ O filho rico brincando e eu magoado a chorar”.
3. Cely Campelo – Papai Noel beijou mamãe! E agora?
Esta versão toca em outra questão que mexe com a fantasia das crianças: quem, afinal de contas, é Papai Noel. Entre ingênua (para as crianças) e picante (para os adultos), Cely Campelo, famosa pelo “banho de lua”, canta uma criança que flagra mamãe beijando o homem vestido de vermelho. É preciso, então, na fantasia infantil, preservar duas figuras: a da mãe e a de Papai Noel. A letra aparentemente boba sugere uma aula gigantesca de teoria freudiana e, por isso, não vamos dar spoiler aqui. Tem de ouvir.
4. Martinho da Vila – Papai Noel e seu saco de emoções
Numa letra malandra, Martinho da Vila canta com a maior naturalidade um Feliz Natal ao próprio Noel, que traz ao léu “um saco de emoções” (atenção para o duplo sentido de “saco”, que o cantor, aparentemente, não explora de propósito). O ponto alto da malandragem é quando Martinho, no seu tom suave, faz um pedido bem adulto: “Muito tato pra lidar/ Com os amores/ Apurado paladar/ Para os quitutes/ Pro prazer sexual/ Muita libido/ Que a justiça seja nua/ E sem antolhos”.
5. Carlos Galhardo – Papai Noel esquecido demais
Ataulfo Alves e Alcebíades Barcelos (Bide), fundadores do samba, também fizeram uma letra chorosa. A marchinha natalina “Papai Noel”, cantada aqui por Carlos Galhardo, de 1935, reclamava: “Papai Noel/não se lembra mais de mim/ pois quem dele eu gosto tanto/ não devia ser assim”. Ninguém despertou a criança para ver papai chegar. “Veio aqui me visitar/ e levou meu bilhetinho/ mas pra mim não quis deixar/ nem sequer um brinquedinho”. “Eu quero ver/ quando ele aqui voltar/ se de mim não esqueceu/ o que é que vai me dar”.
6. Ivan Lins e um Noel diferente
Com letra de Celso Viafora, Ivan Lins cantou um Papai Noel bem brasileiro. Em vez da roupa de inverno vermelha, das renas e de outros penduricalhos, ele vai “chegar de camiseta/ metido num chinelo e de bermuda jeans/ tocando agogô invés de uma sineta/ cantando do xará/ o “Palpite Infeliz”. Só aí, será Natal e a gente vai ser feliz. Noel (não Noel Rosa), mas o Papai, “estenderá uma toalha na sarjeta/ em qualquer praça de subúrbio do País/ trará cachaça, arroz, feijão, a malagueta/ doce de leite, balas de goma e quindins” – tudo isso para “blocos mirins”, “drag queens”, “reis magros” e “solitários da paixão”.
7. Garotos Podres – Papai Noel Velho Batuta rima com o quê?
O punk rock brasileiro tem também sua música de Natal predileta. Seguramente, ninguém pega mais pesado com Papai Noel do que os Garotos Podres: “Papai Noel,/ velho batuta,/ rejeita os miseráveis,/ eu quero matá-lo”. Não para aí: “Aquele porco capitalista/ presenteia os ricos/ cospe nos pobres”. Não basta a crítica, é preciso ação: o plano é sequestrá-lo e matá-lo, porque “aqui não existe Natal”. A rima ficou na sua cabeça, mente suja, e na resposta da plateia – na letra original e na gravação, em que pese a violência, não tem palavrão.
