Ao adentrar o Museu das Favelas, no Centro de São Paulo, podemos observar uma imensa quantidade de placas de sinalização com versos e frases relacionadas aos Racionais. É também uma referência ao Metrô da cidade, cuja estação São Bento se tornou o marco histórico e patrimônio material do hip-hop brasileiro. Nesse instante, podemos compreender o que Mano Brown quis dizer com “Nuvens e valas, chuvas de balas em 87”. Nascido um ano depois, em 1988, os Racionais vivenciaram o rescaldo da ditadura formal, que, apesar do seu fim jurídico e político, estendeu seus braços para as periferias do Brasil. São Paulo, em especial a zona sul da cidade, era um dos lugares mais perigosos para se viver. Fica evidente que o grupo surgiu de uma necessidade histórica, pautada pela sobrevivência, e muitas vezes, pela ofensiva contra o estado brasileiro.
Se para Brown o rap é “a arte do blefe”, eles conseguiram fazê-lo com maestria, e com uma grande dose de coragem. Eram tempos de justiceiros que andavam em Opalas pretos pela periferia, assassinando criminosos em geral, mas, na maioria das vezes, qualquer pessoa com fenótipo negro e em condições de pobreza extrema. Os “pés de pato”, cidadãos comuns, com o desejo de servir a Ordem e o Progresso da nação, aterrorizaram as favelas, e o clima era de guerra.
Daí que o primeiro disco do grupo, em formato EP, ganhou o nome de “Holocausto Urbano”, lançando em 1990. O termo, comumente utilizado para descrever o genocídio judeu – e de outras etnias – durante a Segunda Guerra Mundial, era uma forma de chamar atenção para outro genocídio, ocorrido durante o “fim da história” que Fukuyama descrevia como “o capitalismo e a democracia burguesa constituindo o coroamento da história da humanidade”. No Brasil do neoliberalismo, a história estava longe de chegar ao fim, mas tomava uma direção ainda mais destrutiva. A música “Pânico na Zona Sul” chamou a atenção de todas as quebradas do Brasil, quase como “Fight the Power”, Public Enemy; um soco no estômago de quem se via naquelas linhas, e um incômodo para quem projetava um país pautado pela mentira e pela ocultação da história real.
Do EP de 1990 até “Cores e Valores”, até agora o último disco lançado pelo grupo, passaram-se 24 anos, e apesar da história do grupo, de seus integrantes e do Brasil terem mudado, pouca coisa realmente melhorou. Nesses 24 anos, outros quatro discos de estúdio, um DVD, um documentário, e uma série de singles e discos ao vivo foram gravados pelos quatro pretos mais perigosos do Brasil – referência a outro grupo que influenciou os Racionais, o N.W.A, “Negros com Atitude” –, retratando, de maneira fiel, a trajetória moderna dos negros e pobres do Brasil, suas pequenas ascenções, as contradições entre nação e raça, entre raça e classe, mas, acima de tudo, um relato universal da experiência negra e periférica na “última a abolir a escravidão”.
“Racionais MC’s: O Quinto Elemento” é uma grande experiência para fãs, pesquisadores e curiosos para compreender essa trajetória de quase 36 anos dos Racionais na música, na política orgânica, e na formação da cultura negra moderna. Com curadoria de Eliane Dias, co-curadoria de André Caramante, Jairo Malta e Vitinho RB, expografia do Atelier Marko Brajovic e comunicação Visual de Vilanismo, a exposição é uma imersão no universo dos Racionais, e dos bairros onde cada um.dos quatro integrantes nasceram, passando por suas origens étnicas em África, fotografias, objetos pessoais, flyers de shows, relatos pessoais, manuscritos de músicas como “Jesus Chorou”, “Sô Função”, “Nego Drama”, e dezenas de outras faixas que se tornaram clássicos da verdadeira música popular brasileira.

(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)
Ao caminhar pelos materiais de acervo do grupo, além das produções dos expositores, é possível compreender uma parcela dessa história perigosa, suada, de luta e resistência, com uma importância sem precedentes para a música e o povo brasileiro – que, de 50 mil manos, se espalhou por todo o país como uma febre, criando gerações de admiradores, fãs e fanáticos – pelo som que, num período de escassez, se tornou a escola de sociologia, a Bíblia e o pão de muitos de nós, negros e periféricos.
A fúria negra dos Racionais reacendeu a chama de uma luta iniciada desde que o primeiro africano escravizado pisou em solo brasileiro, desde que o primeiro indígena foi assassinado pelos colonialistas ibéricos, passando pelas revoltas escravas, pelo século 20 e as batalhas travadas pelos negros e pobres, pelo Movimento Negro Unificado, chegando no rap, com sua palavra que vale um tiro.
Para quem deseja compreender a potência do hip-hop nacional, e porquê os Racionais estão no mesmo panteão dos grandes artistas da MPB, e de outros lutadores das causas sociais, a exposição é um ótimo ponto de partida, onde o quinto elemento do hip-hop, o conhecimento, é o fio condutor.
SERVIÇO:
“Racionais MC’s: O Quinto Elemento”
Até 31 de maio de 2025
Classificação etária: Livre
Gratuito
Museu das Favelas
Largo Páteo do Colégio, 148 – Centro Histórico de São Paulo
Terça a Domingo, das 10h às 17h
Informações sobre retirada de ingressos