Em outubro de 2024, o Instituto Moreira Salles (IMS-SP) inaugurou a exposição Thomaz Farkas, todomundo, que reúne 500 itens, entre fotografias, filmes, documentos e equipamentos, em comemoração do centenário do célebre fotógrafo hungaro. Radicado no Brasil ainda criança, nos anos 1930, Thomaz foi um dos pioneiros na fotografia moderna brasileira, retratando a construção de Brasília, além de dirigir uma série de documentários, como Brasil Verdade – retratando, em médias-metragens, a história do Cangaço, da escola de samba Unidos de Vila Isabel, o futebol e a migração de nordestinos para São Paulo –, e Jânio a 24 Quadros, sobre o ex-presidente do Brasil e a ditadura que o derrubaria do posto.
Simpatizante do PCB, como sinalizou em uma entrevista, apesar de “não se vincular ao partido” por não ter “disciplina para estudar Marx e Engels”, Thomaz se afirmava um “otimista delirante”, no sentido de que gostaria de ver o mundo se transformando para melhor. É a partir dessa visão de mundo, ainda que não muito explícita em seu trabalho, que o fotógrafo baseou sua produção, muito marcada pela cultura popular e suas questões sociais: o futebol foi um dos seus temas prediletos.

(Foto: Reprodução)
Na órbita dos acontecimentos recentes no futebol, envolvendo a disputa pela Bola de Ouro, a proliferação das Bets e SAFs, além de questões latentes, como o racismo e a homofobia nas arquibancadas, o momento se torna oportuno para que uma das mais belas obras de Thomaz seja indicada ao público, e relembrada no contexto atual. Todomundo é um filme em que pouco falam as vozes, mas muito dizem as imagens. Focado na alegria dentro dos estádios brasileiros, onde a espontaneidade e a cultura dos torcedores é a mensagem, Thomaz retratou, durante os anos 1970 e 1980, as principais torcidas e os principais estádios do país, locais que, se de um lado eram “espaços disciplinares”, do outro – como a antítese representada pelos torcedores –, eram também espaços de livre manifestação, ainda que isso se refletisse em conflitos com a ordem.
O filme de Thomaz, com sua linguagem simples, e com o discurso sendo verbalizado pelos próprios torcedores, em seus modos de torcer, mostra a época de ouro do torcer no Brasil, com sua rica cultura de arquibancada, representada pelas baterias de escolas de samba – tradição do sudeste –, as bandeiras em mastros de bambu, os papéis picados, os gritos e músicas espontâneas. Tudo isso é retratado pelo grande fotógrafo, mas o foco são as pessoas. E, ao assistir o filme, fica ainda mais clara a mudança brusca do perfil dos públicos em todos os estádios do Brasil, processo que vem ocorrendo, pelo menos em São Paulo, desde os anos 1990. A arenização trouxe uma higienização das arquibancadas que, mesmo não totalizante – daí o importante papel das torcidas organizadas contra o que se chama de “futebol moderno” –, dá uma cara cada vez mais branca e uma renda cada vez maior aos clubes, devido aos preços exorbitantes dos ingressos, o que afasta o torcedor racializado e pobre do seu espaço de direito: o cimento da arquibancada.
Em Todomundo, o que se vê é o povo, com seu batuque, sua simplicidade, sua presença marcante, que mesmo sem acesso à cultura, sempre deu um jeito de estar, seja no Tobogã, na Geral, ou até mesmo sobre as árvores, festejando seu clube de coração, e, num nível mais universal, colocando em prática o seu direito à cultura; a sua cultura.
Para os mais jovens, ou aqueles que, devido à elitização do futebol, nunca puderam presenciar a verdadeira alegria do povo, o filme de Thomaz é um documento de extrema importância, e um lembrete de que, sem o povo, o futebol vira teatro mudo.
Todomundo
1978 – 1980
35min
PB – Colorido
16mm
Assista de forma gratuita