BRICS busca influência no Oriente Médio, e adesão do Irã reflete estratégia, afirma especialista
Avaliação da Ana Carolina Marson, da FESPSP, é de que agrupamento preza por diversidade a partir das expansões; porém, críticas aos ataques contra Teerã foram 'tímidas'
A adesão do Irã ao BRICS foi uma decisão “positiva” para a sua própria reputação, já que o país tem sido visto “com desconfiança” pelas nações do Ocidente, em especial os Estados Unidos que, recentemente, tem fomentado uma guerra ao lado de Israel contra Teerã. A avaliação é da Ana Carolina Marson, professora de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
Na última semana de junho, Teerã assinou um acordo de cessar-fogo com Tel Aviv, mediado pelo governo norte-americano de Donald Trump, interrompendo uma guerra que durou aproximadamente 12 dias. Embora ainda não tenha sido detalhada a gravidade dos danos causados ao longo da troca de ataques com o regime sionista, o governo iraniano superou uma “situação complicada”. Para a especialista, este fato configura mais um ponto positivo para a inserção do país ao bloco.
“Pelo lado de Teerã, a participação no BRICS é muito interessante porque ele é visto como um Estado revisionista no sistema internacional. Um país que não se encaixa nos padrões considerados civilizatórios pelo seu regime fundamentalista, e por até mesmo a sua estrutura governamental. Os países ocidentais, a população, a sociedade civil ocidental enxergam o Irã com muita desconfiança”, afirmou a Opera Mundi.
Ainda de acordo com a Marson, desenha-se um cenário “ganha-ganha” entre Teerã e o BRICS, que preza a diversidade por meio da expansão. O país persa se consolida entre os maiores produtores mundiais de petróleo, ao mesmo tempo em que possui uma localização geopolítica privilegiada. Segundo ela, a presença do Irã e de outros países do Oriente Médio no bloco não apenas amplia seu alcance estratégico, mas também desafia diretamente a hegemonia dos Estados Unidos e seus aliados na região.
“Se a gente olhar para essa nova expansão [do BRICS], nós tivemos a entrada de alguns países localizados no Oriente Médio. Isso é interessante porque não só o Irã é um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, mas também está localizado em uma região muito estratégica. Então, para o BRICS, essa inserção do Irã também é muito benéfica”, explicou.
Um novo eixo geopolítico
A expansão do BRICS que incluiu países do Oriente Médio também reflete uma mudança simbólica importante: a substituição da tradicional dicotomia “Oriente versus Ocidente” por uma nova lógica “Norte versus Sul Global”. Ao acolher países árabes e muçulmanos, o bloco amplia sua diversidade e fortalece sua identidade como representante das nações em desenvolvimento — muitas das quais tiveram trajetórias de modernização tardia e enfrentam os efeitos de séculos de dominação colonial e intervenção externa.
Nesse contexto, para a professora, a 17ª cúpula do agrupamento que ocorre no Rio de Janeiro entre os dias 6 e 7 de julho é vista como altamente representativa. Ela sinalizou um momento de virada para os países do Sul Global, que buscam maior autonomia, reconhecimento e influência nas decisões que moldam a ordem internacional.
De acordo com Marson, essa movimentação do BRICS é vista como parte de um esforço mais amplo do grupo para se consolidar como uma alternativa à ordem global liderada por países do Norte Global.
No entanto, apesar da importância geopolítica da região, o posicionamento do BRICS diante dos recentes ataques de Israel e Estados Unidos contra o Irã foi tímido. Para ela, o bloco poderia ter adotado uma postura mais assertiva, especialmente considerando que dois de seus membros — China e Rússia — são também membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

17ª cúpula do BRICS acontece neste final de semana no Rio de Janeio
Fabiano Ribeiro / BRICS Brasil / PR
Debates sob olhar do Sul Global
De acordo com Marson, existe uma grande expectativa em relação à cúpula em 2025. Primeiramente, em relação à ausência de chefes de Estado relevantes para o bloco do Sul Global, como o russo Vladimir Putin, o egípcio Abdel Fattah Sisi, e principalmente o chinês Xi Jinping que, pela primeira vez, desistiu de participar da reunião de alto nível do BRICS.
“O Xi Jinping é o mais interessante para analisar, porque a China é economicamente o país mais forte do bloco. O Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS fica localizado na China. Então, acredito que esse seja o primeiro ponto que já gera uma certa expectativa em relação à cúpula”, afirmou.
Já em relação aos temas a serem abordados, a professora da FESPSP destacou a priorização do Brasil em questões envolvendo saúde, inteligência artificial e clima, uma vez que estes assuntos “normalmente são debatidos em fóruns multilaterais”.
Na sua avaliação, é importante debater sobre essas temáticas nesta cúpula levando-se em consideração o olhar e os problemas compartilhados pelas nações do BRICS. Por exemplo, países do Sul Global não apenas sofrem com as mudanças climáticas, como também devido às “pressões regulatórias do Norte”. “São países que ainda têm preservado boa parte do seu bioma. É, então, pensar em uma frente unida de não só como evitar as mudanças climáticas, preservar o meio ambiente, mas até mesmo se colocar frente ao Norte Global, que já desmatou”, explicou.
Em relação à saúde, Marson afirmou que os países do BRICS devem se concentrar na abordagem de doenças socialmente determinadas, ou seja, contraídas por pessoas em situação de vulnerabilidade, pobreza e precariedade sanitária,
“É interessante até mesmo pensar em como a Presidência do Brasil tenta encabeçar pautas voltadas para esses problemas que o Sul Global enfrenta. Por quê? Nós todos temos um problema de saúde global, claro que temos. Mas o Sul Global ainda sofre com outros problemas anteriores”, enfatizou.