Quarta-feira, 16 de julho de 2025
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Na semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para receber os chefes de Estado durante a 17ª Cúpula do BRICS, diversos movimentos de favela e periferias debateram os 10 anos da intervenção militar no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, ocorrido durante a Copa do Mundo de 2014.

Como parte da programação do Julho Negro, o evento organizado por movimentos de favelas e periferias ocorreu neste sábado (05/07), no Museu da Maré, onde ativistas, mães e familiares de vítimas da violência de Estado discutiram a desmilitarização da sociedade, e também falaram sobre o genocídio palestino.

Há mais de uma década, o movimento promove a luta internacional contra a violência policial, o racismo e o apartheid da juventude periférica. Gizele Martins, jornalista, comunicadora popular e integrante do Julho Negro, relembrou as marcas da “invasão do Exército” em uma favela escolhida por estar no “coração da cidade”.

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“Naquele momento, tínhamos um soldado para cada 55 moradores em uma favela com 140 mil habitantes. O Exército deixou traumas psíquicos em crianças e adolescentes, além de pessoas que hoje são cadeirantes, outras que perderam membros ou a vida. Era como se estivéssemos em guerra, mas somos nós, trabalhadores e trabalhadoras, que vivemos aqui”, explicou.

Autora do livro Militarização e censura: a luta por liberdade de expressão na Favela da Maré, fruto de sua pesquisa de mestrado sobre a perseguição de comunicadores que denunciaram o genocídio negro promovido pelo Exército na região, Gizele Martins lembrou da revista “Recrutinha”, distribuída em 44 escolas, que ensinava crianças a montarem tanques de guerra. “Considero isso uma forma sutil de militarização, ao fazer com que as crianças se habituem a armas de guerra reais”, afirmou.

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Só no primeiro semestre de 2025, a ativista aponta que ocorreram quase 40 operações policiais na Maré, e que, após dez anos, o governo continua tratando os moradores das comunidades como inimigos.

“Hoje, mais uma vez, estamos em um grande evento, o BRICS, e o Rio de Janeiro está sob GLO. É importante destacar que os tanques e fuzis estão sempre direcionados às favelas, com o alvo no corpo negro. Essa opressão é sustentada por leis herdadas da Ditadura Militar. Que democracia é essa que nunca experimentamos?”, questionou.

Jornalista, comunicadora popular e integrante do movimento Julho Negro, Gizele Martins criticou decreto de GLO do governo
Stefani Costa

As armas de Israel que matam brasileiros

Além de criticar os gastos bilionários na compra de armas e exercícios militares, Gizele acredita que não haverá retorno por parte do BRICS aos moradores das favelas brasileiras. Ela ressalta que os movimentos sociais da esquerda tradicional também estão cada vez mais distantes desse debate.

“Mesmo sendo um evento oficial do governo, as comunidades, mães e familiares nunca foram ouvidas sobre essa pauta. Na prática, somos sempre ignorados”.

O Julho Negro também trouxe à tona o genocídio palestino, traçando um paralelo com as vítimas brasileiras mortas por armas israelenses adquiridas pelo governo.

Segundo Gizele Martins, eventos como esse abordam a Palestina e a favela, mas, ao discutir orçamento público e o fim da militarização das polícias, há recuo sob a justificativa de que esses discursos podem ser considerados “radicais” ou “sectários”.

“Por isso, não espero nada do BRICS, pois os tanques que circulam e os helicópteros que patrulham nossas favelas são os mesmos usados para matar palestinos em Gaza e na Cisjordânia ocupada. O discurso é bonito, mas, na prática, os líderes globais estão falhando”, concluiu.