Lula diz que Banco Mundial e FMI sustentam ‘Plano Marshall às avessas’
Presidente brasileiro criticou que 'fluxos de ajuda internacional caíram e dívida de pobres aumentou' na segunda sessão do BRICS
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva criticou as “estruturas do Banco Mundial e do FMI”, ao afirmar que elas sustentam “um Plano Marshall às avessas” e que as economias emergentes financiam o mundo mais desenvolvido. A afirmação foi feita na segunda sessão da 17ª Cúpula do BRICS, com o tema “Fortalecimento do Multilateralismo, Assuntos Econômico-Financeiros e Inteligência Artificial”.
“Os fluxos de ajuda internacional caíram e o custo da dívida dos países mais pobres aumentou. O modelo neoliberal aprofunda as desigualdades”, declarou o mandatário, que defendeu maior representatividade do BRICS no FMI, argumentando que o poder de voto do bloco deveria ser de pelo menos 25%, e não os atuais 18%.
O presidente também condenou a desigualdade global, citando que três mil bilionários acumularam US$ 6,5 trilhões desde 2015.
“Justiça tributária e combate à evasão fiscal são fundamentais para um crescimento inclusivo”, afirmou.
Novo Banco de Desenvolvimento
Lula elogiou o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), liderado pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, afirmando que, diferentemente das instituições tradicionais, tem atraído novos membros, como Argélia, Colômbia e Peru.
“O NBD prova que é possível uma governança mais justa”, disse.
O presidente também defendeu sistemas de pagamento mais eficientes e a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), criticando o protecionismo e a paralisia do órgão. “Precisamos de um equilíbrio justo que reflita os interesses de todos os membros”, afirmou.
Governança da IA e infraestrutura tecnológica para BRICS
O BRICS adotou uma declaração sobre a Inteligência Artificial (IA), defendendo um modelo de governança “justo e inclusivo”. Nesse quesito, o mandatário brasileiro alertou que a tecnologia não pode ser controlada por poucos países ou bilionários.
Uma hora antes, em coletiva, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos informou que atualmente o BRICS realiza um estudo de viabilidade sobre um cabo submarino de fibra óptica que possa atender aos 11 países membros do bloco. Desta forma, “partilhar infraestrutura e desenvolvimento de soluções”.
“Porque afinal, como estamos num tempo dadocêntrico, cuja questão dos dados é decisiva para uma agenda de desenvolvimento dos países. Temos que ter um cabo próprio. Que os dados sejam nossos”, ressaltou.
Questionada sobre os custos da tecnologia, a ministra afirmou que o projeto ainda precisa de um estudo de orçamento com o Banco do BRICS.
“Os 11 [países membros] ainda são poucos, queremos ainda garantir que essa fibra óptica circule por todo o Sul Global”, defendeu.

No BRICS, presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva critica estruturas da FMI e do Banco Mundial
Flickr/BRICS Brasil
Leia o discurso na íntegra
“Esta 17ª Cúpula no Rio de Janeiro coroa a histórica expansão do BRICS.
É a primeira vez que os Chefes de Estado e de Governo dos países parceiros participam formalmente.
Os países convidados trazem consigo perspectivas de diferentes contextos regionais que enriquecem a articulação de uma visão própria do Sul Global.
Estamos na mesma cidade e no mesmo local que abrigaram a Cúpula do G20 no ano passado.
Muito do sucesso alcançado se deveu à participação construtiva do BRICS.
Em um curto espaço de tempo, o cenário internacional se deteriorou a tal ponto que algumas iniciativas que aprovamos naquele momento não seriam possíveis agora.
A presidência sul-africana do G20 tem nosso total apoio.
O BRICS é ator incontornável na luta por um mundo multipolar, menos assimétrico e mais pacífico.
Nesta sessão, vamos tratar da governança econômico-financeira e da necessidade de uma arquitetura para a Inteligência Artificial.
Completamos 10 anos da Conferência de Adis Abeba sobre o Financiamento para o Desenvolvimento e da adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Na Conferência de Sevilha, encerrada na semana passada, ficou evidente que a Agenda 2030 não recebeu recursos suficientes.
As estruturas do Banco Mundial e do FMI sustentam um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo mais desenvolvido.
Os fluxos de ajuda internacional caíram e o custo da dívida dos países mais pobres aumentou.
O modelo neoliberal aprofunda as desigualdades.
Três mil bilionários ganharam 6,5 trilhões de dólares desde 2015.
Justiça tributária e combate à evasão fiscal são fundamentais para consolidar estratégias de crescimento inclusivas e sustentáveis, próprias para o século XXI.
A Declaração do BRICS em apoio à negociação de uma “Convenção Quadro da ONU sobre Cooperação Tributária Internacional” é um marco.
Através da “Visão sobre Reforma do FMI” vamos engajar mais países na 17ª Revisão Geral de Quotas do Fundo.
O Brasil apoia um processo de realinhamento de quotas inclusivo, com fórmula de cálculo simples, equilibrada e transparente.
Mesmo nos termos atuais, as distorções são inegáveis.
Para fazer jus ao nosso peso econômico, o poder de voto dos membros do BRICS no FMI deveria corresponder pelo menos a 25% – e não os 18% que detemos atualmente.
Onde os arranjos desenhados no pós-Guerra insistem em falhar, o Novo Banco de Desenvolvimento dá uma lição de governança.
O ingresso da Argélia, e o processo de adesão da Colômbia, Uzbequistão, Peru e todos os demais que a companheira Dilma Rousseff anunciou, atestam a capacidade do Banco de oferecer financiamento para transição justa e soberana.
Enquanto o unilateralismo cria barreiras ao comércio, nosso bloco trabalha por sistemas de pagamento transfronteiriços mais rápidos, baratos e seguros.
Isso vai intensificar o nosso fluxo de comércio e serviços.
A reforma da Organização Mundial do Comércio é outro eixo de ação imprescindível e urgente.
Sua paralisia e o recrudescimento do protecionismo criam uma situação de assimetria insustentável para os países em desenvolvimento.
Não será possível restabelecer a confiança na OMC sem promover um equilíbrio justo de obrigações e direitos que reflita adequadamente os interesses de todos os seus membros.
Precisamos destravar as negociações agrícolas e estabelecer um novo pacto sobre comércio e clima que distinga políticas ambientais legítimas de protecionismo disfarçado.
Novos desafios demandam um entendimento sobre política industrial que não restrinja a ação estatal em prol do desenvolvimento.
A promoção de cadeias produtivas inclusivas, equilibradas e sustentáveis deve permanecer no centro da nossa agenda comum.
Fazer um estudo de viabilidade para o estabelecimento de cabos submarinos ligando diretamente membros do BRICS aumentará a velocidade, a segurança e a soberania na troca de dados.
Ao adotar a Declaração sobre Governança da Inteligência Artificial, o BRICS envia uma mensagem clara e inequívoca.
As novas tecnologias devem atuar dentro de um modelo de governança justo, inclusivo e equitativo.
O desenvolvimento da Inteligência Artificial não pode se tornar privilégio de poucos países ou um instrumento de manipulação na mão de bilionários.
Tampouco é possível progredir sem a participação do setor privado e das organizações da sociedade civil.
A liderança do Conselho Empresarial e da Aliança Empresarial de Mulheres na organização do encontro empresarial que reuniu mais de mil pessoas no sábado, demonstra a pujança de nossos setores privados.
A primeira reunião do recém-criado Conselho Civil e as demais reuniões do pilar social do BRICS confirmam os avanços na integração entre nossas sociedades.
Aproximar essa vertente social do trabalho conduzido pelos governos mantém o BRICS em sintonia com as aspirações de nossas sociedades.
Muito obrigado.”