O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, na manhã desta terça-feira (19/11), seu último discurso na Cúpula do G20, que acontece no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. Nele, o mandatário defendeu um posicionamento mais radicalmente ativo dos países do G20, responsáveis por 80% das emissões de gases do efeito estufa, na questão climática.
“Aos membros desenvolvidos do G20, proponho que antecipem suas metas de neutralidade climática de 2050 para 2040 ou até 2045. Sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para exigir ambição dos demais”, afirmou Lula.
O G20 é, atualmente, um dos principais fóruns de cooperação econômica internacional. Ele representa 19 das maiores economias do mundo (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia) mais a União Africana e a União Europeia. Sua criação aconteceu em 1999, após diversas crises financeiras da década de 1990. O grupo ganhou força, contudo, depois da crise de 2008.
Esta é a terceira fala de Lula, que preside o G20 neste encontro. A primeira, na manhã de segunda (18/11), tratou da criação da Aliança contra a Fome e a Pobreza, o que resultou na adesão de mais de 80 países, além de organizações internacionais.
À tarde, o tema foi a governança global, segundo eixo proposto por Lula. Foi na fala de segunda que Lula propôs a taxação dos super-ricos.
O terceiro eixo do encontro do G20 era justamente a questão climática. A fala ocorre depois da divulgação da declaração final do grupo, em que ficaram expressos os avanços propostos por Lula. Nenhum dos eixos ficou sem propostas significativas, algumas bastante concretas, o que nem sempre acontece em encontros do tipo.
Nas imagens oficiais, Lula apareceu discursando com Janja, a primeira-dama, e o ministro Fernando Haddad ao fundo, que também participou, junto com o Itamaraty, de diversos arranjos para viabilizar o documento final.
“Temos que fazer mais e melhor”, diz Lula
Lula iniciou a fala desta terça lembrando as três Convenções-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, Biodiversidade e Desertificação, ocorridas também no Rio de Janeiro. “Poucos de nós imaginavam que, três décadas depois, estaríamos vivendo o ano mais quente da história, com enchentes, incêndios, secas e furacões cada vez mais intensos e frequentes.”
Na avaliação do presidente, os esforços empreendidos desde então “contribuíram para evitar um cenário pior.
Mas temos que fazer mais e melhor”.
Lula mencionou o Protocolo de Quioto como “uma referência de frustração na ação coletiva” e a COP15, em Copenhague, como “um trauma que quase descarrilhou o regime climático”. Sobre o Acordo de Paris, afirmou que ele “está chegando a Belém com 10 anos e seus resultados ainda estão muito aquém do necessário”.
Sobre as negociações da cúpula do G20, Lula disse que, pela primeira vez, “ministros de Finanças, Meio Ambiente e Clima, Relações Exteriores e presidentes de Bancos Centrais” se reuniram para enfrentar o desafio climático.
Além de pedir que o G20 antecipe as metas, Lula, com o apoio do secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, pediu o engajamento do G20 nas negociações da próxima rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas, as NDCs.
As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) são os compromissos assumidos, individualmente, por cada país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. “É fundamental que as novas NDCs estejam alinhadas à meta de limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio”. “Nossa bússola continua sendo o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, completou o presidente. “Aos países em desenvolvimento, faço um chamado para que suas NDCs cubram toda a economia e todos os gases de efeito estufa”.
Lula afirmou que o Brasil tem uma meta ambiciosa, de reduzir até 2035 emissões entre 59% a 67%, se comparadas com as 2005. “A maior parte da redução das nossas emissões virá da queda no desmatamento, que diminuiu 45% nos últimos dois anos”, disse Lula, que prometeu erradicar o desmatamento no Brasil até 2030.
Lula disse ainda esperar que o mundo “reconheça o papel desempenhado pelas florestas” e que “valorize a contribuição dos povos indígenas e comunidades tradicionais”. Citou mais um vez ao G20 pela colaboração no desenho do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que vai remunerar países em desenvolvimento que mantêm suas florestas em pé, tema incluído na declaração final do encontro. E afirmou que, mesmo que o Brasil não derrube nem mais uma árvore, “Amazônia continuará ameaçada se o resto do mundo não cumprir a missão de conter o aquecimento global”.
Lula disse ainda que a COP 30, a se realizar em Belém (PA), não pode ficar refém da tarefa de Baku, onde ocorreu a COP29. “A COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático. Conto com todos para fazer de Belém a COP da virada”, disse ainda Lula.
Leia a íntegra da fala de Lula
Foi no Rio de Janeiro que nasceram as três Convenções-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, Biodiversidade e Desertificação.
Poucos de nós imaginavam que, três décadas depois, estaríamos vivendo o ano mais quente da história, com enchentes, incêndios, secas e furacões cada vez mais intensos e frequentes.
Os esforços empreendidos desde então contribuíram para evitar um cenário pior.
Mas temos que fazer mais e melhor.
O Protocolo de Quioto se tornou referência de frustração na ação coletiva.
A COP15, em Copenhague, foi um trauma que quase descarrilhou o regime climático.
O Acordo de Paris está chegando a Belém com dez anos e seus resultados ainda estão muito aquém do necessário.
Não há mais tempo a perder.
O G20 é responsável por 80% das emissões de gases do efeito estufa.
Por reconhecer o papel crucial do G20, a presidência brasileira lançou a Força-Tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.
Reunimos, pela primeira vez, ministros de Finanças, Meio Ambiente e Clima, Relações Exteriores e presidentes de Bancos Centrais para discutir como enfrentar o desafio climático.
Agora, ao lado do Secretário-Geral António Guterres, peço o engajamento do G20 na Mobilização Global Conjunta Brasil-ONU para elevar o nível de ambição da próxima rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (as “NDCs”).
É fundamental que as novas NDCs estejam alinhadas à meta de limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.
Nossa bússola continua sendo o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esse é um imperativo da justiça climática.
Mesmo que não caminhemos na mesma velocidade, todos podemos dar um passo a mais.
Aos membros desenvolvidos do G20, proponho que antecipem suas metas de neutralidade climática de 2050 para 2040 ou até 2045.
Sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para exigir ambição dos demais.
Aos países em desenvolvimento, faço um chamado para que suas NDCs cubram toda a economia e todos os gases de efeito estufa.
É essencial que considerem adotar metas absolutas de redução de emissões.
O Brasil apresentou em Baku sua nova NDC, que abrange todos os gases de efeito estufa e setores econômicos.
Assumimos a meta absoluta ambiciosa para 2035 de reduzir emissões de 59 a 67%, comparado a 2005.
Já temos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 90% de eletricidade proveniente de fontes renováveis.
Somos campeões em biocombustíveis, avançamos na geração eólica e solar e em hidrogênio verde.
A maior parte da redução das nossas emissões virá da queda no desmatamento, que diminuiu 45% nos últimos dois anos.
Não transigiremos com os ilícitos ambientais. O desmatamento será erradicado até 2030.
Queremos que o mundo reconheça o papel desempenhado pelas florestas e que valorize a contribuição dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
O Brasil agradece a colaboração do G20 no desenho do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que vai remunerar países em desenvolvimento que mantêm suas florestas em pé.
Também saudamos a aprovação dos Princípios sobre Bioeconomia do G20, que lançam as bases para um novo modelo de desenvolvimento.
Mas esse esforço será inócuo se a comunidade internacional não se unir para fazer a sua parte.
Mesmo que não derrubemos mais nenhuma árvore, a Amazônia continuará ameaçada se o resto do mundo não cumprir a missão de conter o aquecimento global.
Os oceanos são outro importante regulador climático e fonte potencial de soluções.
Eles também devem ser objeto prioritário das nossas preocupações.
Na luta pela sobrevivência, não há espaço para o negacionismo e a desinformação.
O Brasil seguirá trabalhando com a ONU e com a UNESCO na Iniciativa Global pela Integridade das Informações sobre a Mudança do Clima.
Enquanto estamos aqui, nossos representantes estão em Baku negociando uma nova meta de financiamento climático.
Não há ambição que se sustente sem meios de implementação.
Em Paris, falávamos em uma centena de bilhões de dólares por ano, que o mundo desenvolvido não cumpriu.
Hoje, falamos em trilhões.
Esses trilhões existem, mas estão sendo desperdiçados em armamentos, enquanto o planeta agoniza.
Não podemos adiar para Belém a tarefa de Baku.
A COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático.
Conto com todos para fazer de Belém a COP da virada.
Senhoras e senhores,
Precisamos de uma governança climática mais forte.
Não faz sentido negociar novos compromissos se não temos um mecanismo eficaz para acelerar a implementação do Acordo de Paris.
O Brasil convida a comunidade internacional a considerar a criação de um Conselho de Mudança do Clima na
ONU, que articule diferentes atores, processos e mecanismos que hoje se encontram fragmentados.
A esperança renasce a cada compromisso e ato de coragem em defesa da vida e da preservação das condições em que ela nos foi dada.
Muito obrigado.
(*) Haroldo Ceravolo Sereza é enviado especial ao G20.