Nesta terça-feira (24/10) a 1º Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgará o pedido de habeas corpus preventivo feito pelos advogados do ex-ativista italiano Cesare Battisti, sob alegação da possibilidade de o presidente Michel Temer decidir pela extradição de Battisti a pedido do governo italiano. Na sexta-feira (20/10), o ministro da Justiça, Torquato Jardim, declarou ter parecer favorável à extradição e que o governo brasileiro esperará decisão do STF para encaminhar a decisão.
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália, acusado do assassinato de quatro pessoas na década de 1970. Num julgamento no qual não estava presente e após ter sido inocentado em primeira instância, Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália, em 1993. Exilado, viveu na França e no México antes de fugir para o Brasil em 2004, onde foi preso em 2007.
Opera Mundi conversou com o advogado Pedro Abramovay, que era Secretário Nacional de Justiça quando o governo brasileiro concedeu refugio político ao ex-ativista em 2009. No mesmo ano, o STF havia decidido pela extradição de Battisti, mas resolveu submeter a decisão final ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No último dia de seu mandato, em 2010, negou a extradição do italiano e acatou parecer sobre o caso elaborado pela Advocacia Geral da União (AGU). Para Abramovay, não há provas contra o italiano e o ex-ativista é, para o advogado, novamente vítima de uma troca de governo.
Opera Mundi: Em 2009, o Ministério da Justiça apresentou parecer concedendo refúgio político a Cesare Battisti. Durante o processo de estudo do caso, qual a percepção que vocês tiveram sobre os acontecimentos do qual Battisti é acusado?
Pedro Abramovay: Quando trabalhei no Ministério da Justiça, fui responsável por redigir, junto ao então ministro Tarso Genro, a decisão de conceder o refúgio a Cesare Battisti. Não podia falar na época pelo fato de trabalhar na decisão e no Ministério e por que um pedido de refugio não é um rejulgamento de um país sobre a decisão de outro, mas sim uma avaliação sobre haver ou não o risco de perseguição política contra uma determinada pessoa. Li todo o processo e é muito evidente a inocência de Battisti. As provas contra ele nunca apareceram, além de que ele tinha um papel menor na [organização] Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).
O que há contra Battisti é a delação premiada de Pietro Mutti [companheiro de organização de Battisti], realizada depois de ele [Battisti] sair do grupo e de depoimentos de outros delatores próximos a Mutti. Além disso, na época em que os assassinatos ocorreram, Battisti já havia brigado e se afastado do delator e, por isso, não teria como cumprir um papel de organização das ações da PAC como afirmado por Mutti.
OM: Então não há provas contra o italiano?
PA: As únicas provas são os depoimento de delatores e não há provas periciais. Além disso, quando Battisti foi para a França, deixou procurações em branco que acabaram nas mãos de pessoas ligadas a Mutti. Durante o segundo julgamento sofrido por Battisti na Itália, a defesa dele foi feita pelos mesmos advogados que representavam aqueles que o acusaram nas suas delações premiadas. Além de não haver provas periciais, o direito de defesa de Battisti também ficou comprometido.
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OM: O que motivaria a perseguição política a Cesare Battisti?
PA: Fred Vargas, francesa que é historiadora, arqueóloga e escritora de livros policiais pesquisou a história de Battisti e afirma que ele tem vocação de bode expiatório. Foi bode expiatório durante os processos delação premiada do seu antigo grupo e de todo processo de julgamento na Justiça italiana – que precisava justificar de alguma forma a soltura daqueles que estavam envolvidos em ações da esquerda armada italiana -; foi bode expiatório quando Berlusconi assumiu o governo italiano e iniciou a perseguição da militância de esquerda que havia atuado durante os anos de chumbo; também foi bode expiatório do [ex-presidente francês Jacques] Chirac, que atendeu o pedido de Berlusconi como uma resposta à esquerda francesa que defendia Battisti.
Além disso, Battisti também foi bode expiatório da esquerda italiana dos anos 80 e 90, que adotou a linha de se distanciar de qualquer maneira da chamada 'esquerda armada' dos anos de chumbo e fez coro aos pedidos de prisão de todos que eram denunciados. Agora, no Brasil, vira bode expiatório mais uma vez, pois temos um governo impopular que precisa mudar o foco dos acontecimentos.
Agência Efe
Se o governo brasileiro extraditar Battisti, será a segunda vez que o ex-ativista perde abrigo político após mundanças no poder executivo de um país
OM: Quais são as demonstrações existentes de perseguição política contra Battisti?
PA: O Brasil tem tradição de dar refúgio político. Já deu refúgio a ditadores e pessoas que realmente cometeram crimes comprovadamente. No caso de Cesare Battisti, a perseguição se demonstra na retórica política adotada durante o julgamento do caso. Também se demonstra quando houve a troca de governo na França e ele perdeu o abrigo político. Talvez não tenha outra pessoa no mundo que tenha perdido tantas vezes refúgio político devido à troca de governos como Battisti. Essa é uma questão que demonstra a perseguição política vivida por ele. Perdeu o abrigo político na França quando trocou o governo de François Mitterrand para o de Jacques Chirac e, agora, no Brasil, acontece o mesmo. A Itália pediu novamente a extradição de Cesare Battisti após a mudança de governo ocorrida no Brasil.
A perseguição política existente contra ele é tão grande que [na época da concessão de refúgio à Battisti] o STF, em um ano, modificou o entendimento sobre concessão de refúgio político, indo contra os entendimentos existentes no direito internacional. Todas essas questões reforçam a existência de perseguição política contra Cesare Battisti e isso vai contra a constituição brasileira.