Um avião com o ativista político Cesare Battisti partiu pouco depois das 19h deste domingo (13) da cidade de Santa Cruz de la Sierra em direção à Itália. Fotos de Battisti num jato executivo foram divulgadas pelo governo italiano.
A decisão de entregar Battisti à Itália foi anunciada pelo ministro do Interior da Bolívia, Carlos Romero, em uma coletiva de imprensa. “Battisti entrou ilegalmente na Bolívia, será imediatamente expulso e, nas próximas horas, entregue pela Interpol da Itália às autoridades italianas no aeroporto internacional Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra”, disse. Battisti foi capturado na cidade boliviana neste final de semana, na noite de sábado.
O voo com Cesare Battisti deve chegar à Itália por volta de 10h30 desta segunda-feira (14, horário de Brasília). O avião deixou Santa Cruz de La Sierra às 19h deste domingo.
A extradição de Battisti, desse forma, contraria os acordos internacionais sobre refugiados políticos, segundo o jornal Brasil de Fato. Segundo a publicação, Battisti não poderia ser extraditado ou expulso do país antes de uma resposta oficial da Comissão Nacional de Refúgio (Conare).
Condenado a prisão perpétua na Itália, Battisti enviou uma solicitação de refúgio à Comissão em 18 de dezembro – o Ministério de Relações Exteriores da Bolívia acusou recebimento do pedido em 21 de dezembro.
Conforme nota de orientação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “os solicitantes de refúgio estão protegidos contra a devolução pelo artigo 33 (1) da Convenção de 1951 e pelo direito internacional consuetudinário durante todo o período de reconhecimento da condição de refugiado. O Estado requerido não pode extraditar um solicitante de refúgio ao seu país de origem enquanto seu pedido de reconhecimento da condição de refugiado esteja sendo considerado, inclusive durante a etapa de apelação”.
O mesmo documento aponta que “deve-se prosseguir com o pedido de refúgio e se deve chegar a uma conclusão final a respeito uma vez que se tenha promulgado uma sentença, seja condenatória ou pela absolvição. Isto se pode fazer seja no Estado requerido onde se encontrava inicialmente pendente o pedido de refúgio, mediante um acordo de readmissão a esse Estado, ou mediante a transferência da responsabilidade para examinar o pedido de refúgio ao Estado que solicita a extradição, sempre que neste mesmo Estado se apliquem normas processuais similares”.
No pedido de refúgio à Bolívia, Battisti também cita a Convenção sobre o Protocolo de Refugiados, de 1951, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia e outros tratados e convênios internacionais dos quais o país é signatário.
O primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, anunciou a extradição pelo Facebook, num poste em que afirmou que conversou com o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, a quem agradeceu “em nome de todo o governo italiano pela eficaz colaboração que levou à captura de Battisti”.
“Da mesma maneira, agradeço às autoridades bolivianas”, publicou Conte. “Trata-se de um 'obrigado' que interpreto também como sentimento dos familiares das vítimas e de todos que desejavam que a justiça fosse feita. Estamos satisfeitos desse resultado, o qual o nosso país está esperando há anos”, concluiu Conte.
O ministro da Justiça da Itália, Alfonso Bonafede, disse no Twitter que a extradição de Battisti diretamente da Bolívia “permitirá que o italiano cumpra a prisão perpétua”. Isso porque, quando o governo brasileiro autorizou a extradição à Itália, negociou que a pena máxima a ser cumprida por Battisti seria a de 30 anos, conforme permite a Constituição brasileira.
Reprodução
Capa do jornal "Corriere dela Sera" com imagem do avião em que Battisti foi enviado à Itália (a imagem foi divulgada pela polícia italiana)
Memória
A Itália tenta a extradição de Battisti desde 2007, quando Battisti foi preso no Brasil – após fugir da Itália, Battisti passou por França e México antes de chegar ao Brasil.
Lula decidiu, em 31 de dezembro de 2010, por conceder refúgio a Battisti. À época, o STF considerou que essa decisão era de responsabilidade exclusiva da Presidência – assim, apesar dos recursos da Itália, o refúgio foi mantido até recentemente, quando Temer autorizou a extradição.
Num julgamento à revelia, o ativista Cesare Battisti havia sido condenado à prisão perpétua na Itália, em 1993, acusado de quatro assassinatos durante os anos 1970, quando diversos pequenos grupos radicais italianos optaram pela luta armada. Exilado, viveu na França e no México antes de fugir para o Brasil, onde foi preso em 2007. Em janeiro de 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu refúgio político a ele, após uma decisão contrária, mas apertada (3 votos contra 2) do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).
Houve, a partir de então, um intenso debate no país, uma enorme pressão do governo italiano, um julgamento em que o Supremo Tribunal Federal questionou o status de refugiado e recomendou uma conduta (a extradição), mas reconheceu que a decisão final ficava a cargo do Presidente da República.
A Itália afirma que Battisti não cometeu crimes políticos, mas crimes comuns. Argumenta que as supostas vítimas das ações armadas do PAC eram pessoas distantes do poder, policiais e pequenos empresários que não estavam ligados às disputas políticas da conturbada década de 1970.
* Com informações da ANSA e do Brasil de Fato