O presidente Lula e o mandatário chinês Xi Jinping discursaram em defesa do “multilateralismo” na assinatura de 37 acordos de cooperação no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência do Brasil, na manhã desta quarta-feira (20/11).
Um desses acordos é para a exportação de grãos de café brasileiro nos próximos anos, dando continuidade a parceria comercial estabelecida entre os dois países. A China é o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, conforme o próprio presidente chinês destacou em artigo na Folha de S. Paulo, publicado em 16 de novembro.
O Ministério das Comunicações também assinou, na terça-feira, acordos de conectividade e economia digital com a empresa chinesa SpaceSail e a Administração Nacional de Dados da China, o que faz frente a hegemonia da empresa Starlink, do bilionário Elon Musk, no fornecimento de internet em áreas remotas do Brasil.
O chefe de Estado chinês disse que esse é o melhor momento da história entre Brasil e China, que mantêm relações diplomáticas há 50 anos. Xi participou da cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro, razão pela qual veio ao país.
“Fizemos uma retrospectiva do relacionamento da China com o Brasil ao longo dos últimos 50 anos. Coincidimos que este relacionamento está no melhor momento da história. Possui uma projeção global estratégica e de longo prazo cada vez mais destacada. E estabeleceu um exemplo para avançarem juntos com solidariedade e cooperação, entre os grandes países em desenvolvimento”, afirmou o presidente em declaração à imprensa.
A China é principal parceiro do Brasil desde 2009, responsável por mais da metade do superávit comercial anual do país.
“Em um mundo assolado por conflitos armados e tensões geopolíticas, China e Brasil colocam a paz, a diplomacia e o diálogo em primeiro lugar”, declarou o presidente brasileiro, afirmando que não será possível vencer o “flagelo da fome em meio à insensatez das guerras”.
Lula acrescentou ainda que a China foi parceira de “primeira hora” na Aliança Global contra a Fome, lançada oficialmente há dois dias no G20.
Sobre a “resolução política da crise na Ucrânia”, o mandatário citou a convergência de visões em matéria de segurança internacional com o país asiático. Sobre a crise humanitária em Gaza, na Palestina, alvo de bombardeiros israelenses há mais de um ano, Lula não falou nada.
Xi, por sua vez, cobrou maior empenho da comunidade internacional na questão da Palestina. “A situação humanitária na Faixa de Gaza está se deteriorando e estamos profundamente preocupados. A comunidade internacional tem que se empenhar mais para resolver a crise atual, e é preciso focar na Palestina”.
O chefe de Estado chinês falou ainda em esforços incessantes por uma “solução verdadeira”, conclamando um “cessar-fogo imediato” e a “solução de dois estados”.
China e Brasil têm condição de realizar e promover o verdadeiro multilateralismo, segundo Xi, citando o avanço na solidariedade internacional e uma “Comunidade de Futuro Compartilhado por um Mundo mais Justo e um Planeta Sustentável”.
Acordos de cooperação
“Estamos determinados a alicerçar nossa cooperação pelos próximos 50 anos em áreas como infraestrutura sustentável, transição energética, inteligência artificial, economia digital, saúde e aeroespacial”, disse Lula, na cerimônia de assinatura de acordos entre os países.
Na ocasião, foram firmados acordos de investimentos ligados à Iniciativa Cinturão e Rota, ainda que o Brasil não tenha aderido formalmente à estratégia chinesa.
“Estabeleceremos sinergias entre as estratégias brasileiras de desenvolvimento, como a Nova Indústria Brasil (NIB), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Programa Rotas da Integração Sul-Americana, e o Plano de Transformação Ecológica, e a Iniciativa Cinturão e Rota”, acrescentou o brasileiro.
Em discurso, Lula destacou o recorde histórico de 157 bilhões de dólares no comércio bilateral entre os países e disse ainda que “o agronegócio continua a garantir a segurança alimentar chinesa”.
Entre julho de 2023 e julho de 2024, segundo o Ministério de Agricultura e Pecuária (Mapa), a China foi o principal destino das exportações brasileiras do agronegócio, totalizando US$ 57,94 bilhões – um aumento de 8,9% em comparação ao período anterior.
Segundo Lula, indústrias brasileiras, como WEG, Suzano e Randon, também estão ampliando presença na China.
Na reunião, estiveram presentes pelo governo brasileiro o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Minas e Energia), Juscelino Filho (Comunicações), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia e Simone Tebet (Planejamento).
Também estiveram presentes o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o presidente do Banco Central Gabriel Galípolo, o embaixador do Brasil na China, Marcos Galvão, e a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff.
Nova Rota da Seda
Desde que Lula voltou à presidência, a expectativa da China para que o Brasil entrasse na Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como Nova Rota da Seda, cresceu. Mas o governo brasileiro preferiu não assinar formalmente o acordo, por se tratar de uma estratégia geopolítica de Xi Jinping.
Em referência à histórica rota da seda chinesa, a iniciativa é uma estratégia de cooperação chinesa focada em investimentos e desenvolvimento de infraestrutura.
O governo chinês, ao propagandear o empreendimento, fala em investimento em rodovias, portos, ferrovias, hidrelétricas, entre outros, numa perspectiva de “ganha-ganha” entre o gigante asiático e os países que aderirem ao projeto. 152 países já participam da iniciativa, em sua grande maioria do Sul Global.
Em agosto, Lula disse que a reunião com Xi no Brasil seria para “discutir uma parceria estratégica com a China de longo prazo”, além de comemorar os 50 anos de relações diplomáticas entre as partes.
O presidente brasileiro é considerado um “velho amigo” do povo chinês já que foi durante seu governo que a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, desbancando os Estados Unidos, que por décadas mantinha essa posição. Também foi durante os governos Lula que o Brics foi fundado.
A reunião ocorre duas semanas após a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, que aumenta as expectativas de novas tensões entre Washington e Pequim.
Tanto o Brasil como a China falam em reforma de instituições multilaterais, para torná-las mais representativas. Para o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, o cenário global não deve prejudicar os vínculos com a China.
“A relação Brasil-China já atravessou vários governos americanos, várias situações internacionais diferentes e só se fortaleceu”, declarou Eduardo Saboia, chefe do departamento de Ásia e Pacífico do Itamaraty.
Antes de chegar ao Brasil, Xi já havia inaugurado um porto no Peru para facilitar as exportações latino-americanas para a China.