Um onda de despejos forçados determinados pela Justiça do Paraguai atinge comunidades indígenas do país há mais de dois meses. Desde maio, sete populações originárias foram removidas de suas terras por ordens judiciais, em ações policiais denunciadas pelos atingidos como “violentas e arbitrárias”.
Segundo dados da organização de investigação social paraguaia Base-IS, cerca de 385 famílias que pertencem a povos indígenas já foram despejadas entre os meses de maio e julho.
A nova onda de despejos se iniciou em 13 de maio, quando tropas policiais invadiram a Comunidade Cerrito, pertencente ao povo Avá Guarani, na região de Minga Porã. Segundo o jornal paraguaio La Nación, 85 famílias que viviam ali foram obrigadas a deixar o local.
Já em junho, ao menos três comunidades sofreram ordens de despejo da Justiça. Yvy Porã, no departamento de San Pedro, Acaraymi, no distrito de Hernandarias, e Ka'a Poty, na região de Itakyry, foram atingidas pelas medidas judiciais. Outros três despejos já foram registrados nos primeiros dias de julho, afetando comunidades de povos Avá Guarani e Pa'i Tavyterã.
Segundo a Justiça paraguaia, os despejos estão sendo realizados após denúncias apresentadas por indivíduos que alegam serem donos das terras e teriam apresentados documentos de titularidade.
A versão é contestada por Marta Díaz, liderança da comunidade Ka'a Poty, da região Itakyry, no Alto Paraná, pertencente à etnia Avá Guarani.
Em entrevista a Opera Mundi, Díaz afirmou que sua comunidade possui os títulos de propriedade de mais de 1.300 hectares das terras em questão desde 1996, mas que a Justiça está deferindo ações de despejo baseados em pedidos que apresentam supostos títulos datados de anos depois.
“Nosso título é o primeiro e eles apresentam títulos de 2014, 2016, 2019 e colocam títulos em cima da nossa terra. Há 12 títulos que o INDI deu a outros”, afirma a liderança indígena que, atualmente, ao lado de 45 famílias despejadas, está acampando na plaza de Armas, em Assunção, até que os órgãos judiciais apresentem seu parecer.
O INDI citado por Díaz é o Instituto Paraguaio do Indígena, órgão estatal responsável por fazer cumprir os direitos dos povos originários. Segundo o diretor jurídico da entidade, Basilio Franco, a comunidade e o INDI já estão recorrendo da decisão judicial e lutarão “até o fim até que a Justiça defina”.
Wikimedia Commons
Indígenas paraguaios enfrentam onda de despejos forçados
“De fato, o INDI adquiriu 1.368 hectares daquela terra em 1996 e, aparentemente, há um sobreposição de títulos. Porém, há uma medida judicial aberta da nossa parte e é a Justiça que vai decidir se a terra é do INDI ou é privada”, disse o representante em entrevista a Opera Mundi.
Sobre a atual situação dos membros da comunidade Ka’a Poty, Franco afirmou que “eles estão em Assunção, se manifestando, e o INDI está dando toda a assistência jurídica a eles”. “Estamos em um inverno bastante forte e eles estão passando muita necessidade”, disse.
As ações contra esses povos levou a Cordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy) a apresentar na última quarta-feira (14/07) um projeto de lei ao Senado do país que visa a proibição de despejos, em áreas rurais e urbanas, enquanto durar a pandemia do novo coronavírus.
Segundo o diretor da Codehupy, Oscar Ayala, a prática de despejos “viola as obrigações do Estado” com a população durante a pandemia. “Não é possível que as recomendações sanitárias digam às pessoas ‘fiquem em casa’ e o Estado as expulsa de suas casas e as deixa nas ruas sem nenhum tipo de alternativa”, disse.
Indígenas no Brasil também enfrentam repressão
Episódios de repressão contra povos indígenas durante a pandemia também ocorrem em território brasileiro. O mais recente – e geograficamente próximo ao Paraguai – acontece em Dourados (MS), onde pistoleiros que, segundo os atingidos, teriam sido contratados por fazendeiros locais conduzem ataques sistemáticos contra povos originários.
Os afetados pertencem ao Tekoha Avaete II, um acampamento localizado em território considerado como “recuperado” pelos indígenas e conta hoje com cerca de 30 pessoas, entre elas mulheres, idosos e crianças.
Em entrevista a Opera Mundi, uma das lideranças da comunidade afirmou que as ataques ocorrem quase sempre no período noturno e que esses agentes já queimaram roupas e lonas utilizadas para a construção de barracas.
“Quando chegam os pistoleiros do fazendeiro, nós temos que recuar, que sair correndo, arrastar as crianças, porque quando eles chegam eles queimam os barracos e atiram sem piedade”, afirma.
O Tekoha Avaete II está localizado nos limites da Reserva Indígena de Dourados, a maior do país, com 13 mil integrantes. Segundo os indígenas atingidos, o local era de ocupação tradicional, mas seus descendentes foram retirados das terras durante a formação da reserva.
O acampamento foi montado há quase dois anos e, segundo as lideranças, a mais recente onda de ataques começou no dia 14 de junho. “Os ataques haviam parado no último ano, mas agora voltaram, queimaram nossos barracos e atiraram em nós”, conta.