O julgamento do caso de esterilizações forçadas contra mais de 300 mil mulheres indígenas que ocorreu no governo do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, entre 1990 e 2000, começou na última quinta-feira (03/03) no Peru, depois de mais de 20 anos de espera.
Ao longo do processo judicial, três ex-ministros da Saúde, Eduardo Yong Motta, Marino Costa Bauer e Alejandro Aguinaga serão julgados pela realização de cirurgias que ocorreram entre 1996 e 1998 sem o consentimento das vítimas. O último inclusive é congressista atualmente, eleito pelo partido Força Popular, que representa o fujimorismo ainda hoje no Peru.
Os ex-titulares ministeriais serão investigados na Justiça peruana por crime contra a vida, o corpo e a saúde, e lesões graves seguidas de morte em contexto de graves violações dos direitos humanos.
Além disso, mais de 750 pessoas, vítimas, familiares de vítimas ou envolvidas de alguma forma no processo, prestarão depoimento ao juiz responsável pelo caso, Litman Ramírez Delgado, até o mês de julho.
Ainda nesta quarta-feira (02/03), às vésperas do início do julgamento, vítimas das esterilizações pediram ao Procurador da Nação e ao Presidente do Judiciário “que garantam uma investigação independente e imparcial, livre de discriminação”.
Fujimori, por outro lado, não será ouvido no julgamento. Preso no Chile em 2005 e extraditado a pedido do Peru, ele cumpre uma pena de prisão de 25 anos por crimes contra a humanidade. Para que seja culpado pela promoção consciente e deliberada das esterilizações forçadas, é necessário que o sistema de justiça chileno concorde em ampliar as acusações de sua extradição.
A Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos (Cnddhh) e a organização Estudo em Defesa dos Direitos da Mulher (Demus) reivindicam que sejam iniciados procedimentos para ampliar a extradição de Fujimori.
Wikicommons
‘Somos filhas das camponesas que não puderam esterilizar’, diz cartaz registrado em protesto no Peru em 2016
Esterilizações forçadas no governo de Alberto Fujimori
O ex-presidente Alberto Fujimori, hoje com 83 anos, governou o país entre 1990 e 2000, tendo dado um autogolpe em 5 de abril de 1992. Ele contou com o apoio das Forças Armadas para dissolver o Congresso, intervir no Poder Judiciário, tomar meios de comunicação e perseguir a oposição.
Preso no Instituto Penitenciário Nacional (INPE) em Lima, o ex-ditador cumpre pena de 25 anos por crimes contra a humanidade e corrupção. No começo de 2018, ele chegou a receber um indulto humanitário, depois de ter sido internado em uma unidade de terapia intensiva da cidade, com atestado de doença degenerativa, progressiva e incurável. Em outubro do mesmo ano, o indulto foi anulado.
A prática da imposição de esterilizar mulheres era uma das medidas do Programa Nacional de Planejamento Familiar. Estima-se que mais de 300 mil mulheres e 25 mil homens em idade fértil e reprodutiva, sobretudo entre camponeses e indígenas, foram esterilizados sem consentimento.
Na verdade, o Comitê Latino-Americano e Caribeno dos Direitos da Mulher (Cladem) concluiu que apenas 10% das mulheres esterilizadas naquele período deram “consentimento genuíno” à operação. Há relatos também de complicações pós-operatórias, condições precárias de higiene, profissionais despreparados e mortes.
Organizações como a Anistia Internacional e a Cladem ouviram depoimentos junto ao Congresso peruano de pessoas que foram submetidas ao processo. Elas relataram os métodos de assédio, ameaças e chantagens empregados por funcionários dos órgãos de saúde naquela época.
Uma maneira de pressão era ameaçar mães de recém-nascidos com a recusa ao registro civil do bebê. Outra ameaça era a de fazer abortos em mulheres grávidas ou a chamar a polícia para aquelas que não aceitassem a esterilização. Incentivos financeiros também eram pagos aos maridos para que eles assinassem autorização ao procedimento.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) classificou os atos como crimes contra a humanidade, e em 2015, o tema foi elevado por decreto a “assunto de interesse nacional do Peru” durante o governo de Ollanta Humala.
A filha do ex-presidente, Keiko Fujimori, que lançou campanha à presidência pela terceira vez no ano anterior, chegou a declarar que as esterilizações forçadas trataram-se, na verdade, de “planejamento familiar”.
“No caso do processo que está sendo realizado sobre aquilo que ´e mal chamado de ‘esterilizações forçadas’, que na verdade ´é um plano de planejamento familiar, são investigações que estão sendo feitas há 20 anos e já foram ajuizadas quatro vezes”, declarou na ocasião.
A então candidata da sigla Fuerza Popular perdeu as eleições para o atual presidente do país, Pedro Castillo.
(*) Com Telesur