A organização Avós da Praça de Maio anunciou nesta sexta-feira (27/12) a identificação de mais um neto, o 138º, sequestrado pela ditadura militar argentina (1976 – 1983).
O neto 138 é filho do casal Marta Enriqueta Pourtalé e Juan Carlos Villamayor, ambos militantes da guerrilha urbana Montoneros, e desaparecidos por agentes do Estado em 1976.
“Foram vistos no centro de detenção clandestino da ESMA [Escola de Mecânica da Armada], onde provavelmente ocorreu o nascimento do neto 138. Foram registados mais de 30 nascimentos neste centro clandestino. Pensavam em chamar o bebê que esperavam de Soledad ou Manuel”, disse Estela de Carlotto, presidente da organização.
Como costuma acontecer em suas coletivas, as Avós mantiveram a identidade do neto descoberto em sigilo, já que os identificados podem optar por ter sua identidade resguardada, devido ao trauma que a revelação da identidade pode causar.
Na coletiva de imprensa, Carlotto recordou que “a verdade sempre vem à tona” ao contar sobre a nova restituição.
Ela disse que essa descoberta é, “mais uma vez”, um exemplo das “consequências do terrorismo de Estado no presente e da centralidade das políticas de Direitos Humanos”.
Isso porque, a última ditadura argentina teve como uma de suas características um esquema de apropriação de filhos de presas políticas. Se estima que foram roubadas mais de 500 crianças de militantes opositores, algumas delas nascidas enquanto suas mães estavam na prisão, outras sequestradas quando ainda eram bebês. Algumas dessas crianças foram adotadas ilegalmente por chefes militares argentinos ou pessoas poderosas no país, mas também há registros de menores que foram vendidos a casais no interior do país e até no exterior.
A organização foi fundada em 1977 pelas mães dos presos e presas políticas que se reuniam na praça em frente à Casa Rosada para reclamar pelo paradeiro dos seus filhos e netos. Desde então, a principal missão da entidade é tentar encontrar essas crianças desaparecidas, através de campanhas de conscientização sobre a restauração da identidade.
Sobre a restauração, Carlotto destacou a importância de organizações, como o Banco Nacional de Dados Genéticos e a Secretaria de Direitos Humanos.
“A Secretaria de Direitos Humanos tem acompanhado a nossa luta em busca das respostas que os perpetradores nunca quiseram nos dar”, disse a chefe do grupo, destacando que a pasta enfrenta “um dos ajustes mais difíceis e brutais” neste governo do ultradireitista Javier Milei.
Marta Enriqueta Pourtalé e Juan Carlos Villamayor
As Avós contaram que Marta Pourtalé nasceu em 5 de maio de 1946 em Azul, província de Buenos Aires. Enquanto Juan Carlos era de 28 de abril de 1955, natural da capital argentina.
O casal se conheceu quando Juan tinha 17 anos, e Marta, mais velha que seu companheiro, já tinha um filho, Diego Antonio, com um companheiro anterior. Quando Juan Carlos completou 21 anos, deu seu sobrenome a Diego.
Ainda segundo a organização, Marta e Juan atuavam nos Montoneros, que lutavam contra o regime militar imposto no país. Dentro da guerrilha urbana, chamavam-na de “La Negra” ou “María”, já Juan era “Ricardo” ou “El Negro”.
“Em 10 de dezembro de 1976, o casal foi sequestrado em sua casa na cidade de Buenos Aires, numa operação realizada por pessoas vestidas à paisana. Ela estava grávida de oito meses e meio. O casal foi atendido no centro de detenção clandestino da ESMA”, afirmaram as Avós.
Familiares buscaram respostas em relação ao sequestro do casal e do bebê que Maria esperava, porém sem sucesso.
Neto 138
A organização disse esperar que o filho de Marta e Juan Carlos “possa reconstruir seus laços com a família que sempre o buscou e o amou”.
Manuel Gonçalves Granada, que é membro da direção da organização e secretário Executivo da Comissão Nacional do Direito à Identidade (CoNaDI), contou que estava no momento em que o neto 138 conheceu os resultados do Banco Nacional de Dados Genéticos.
Granada disse que encontrá-lo foi a “melhor resposta à luta daquela família. Eles vão conhecer e construir esse vínculo”.
“Ele vai conhecer uma família que o procurou e que nunca perdeu a esperança”, afirmou.
Já Diego Antonio, irmão do neto 138 e filho de Marta Enriqueta Pourtalé, agradeceu as Avós pelo trabalho de ter encontrado mais um neto sequestrado pela ditadura argentina.
Da Espanha, Antonio disse que a organização é “orgulho nacional”.
(*) Colaboração de Victor Farinelli.