Uma mobilização na Praça de Maio, na capital argentina Buenos Aires foi convocada para a tarde desta quinta-feira (04/07) contra o desmonte promovido pelo governo de extrema direita de Javier Milei de órgãos públicos responsáveis pelas políticas de memória, verdade e justiça que tornaram o país referência mundial no tema. Segundo dados oficiais, a repressão política deixou pelo menos 30 mil mortos ou desaparecidos na Argentina durante o regime militar (1976-83).
“Voltemos à praça!”, diz a convocatória das Avós da Praça de Maio, organização liderada por Estela de Carlotto que lerá, junto a Adolfo Pérez Esquível, do Serviço Paz e Justiça, um documento das organizações. “Pela continuidade da Unidade de Investigação para a busca de crianças desaparecidas da Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (Conadi)”. O organismo está na mira do Executivo, segundo apuração do jornal argentino Página/12, para parar de investigar e acessar os arquivos do Estado, decisão que está nas mãos dos ministros Patricia Bullrich no Ministério da Segurança e Luis Petri na Defesa.
“Não podemos fazer 20 marchas todos os dias. Temos que parar o país por três dias até que eles digam basta. E isso tem de estar nas mãos dos trabalhadores. As pessoas os acompanharão”, diz o manifesto.
A manifestação faz parte de uma mobilização da Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) contra o combo de desmantelamento de agências, demissões, depreciação de salários e criminalização de protestos promovidos pelo governo argentino.
As organizações de direitos humanos no país denunciam que Milei se voltou para diferentes órgãos que hoje estão sob a tutela do ministro da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, incluindo aqueles sob o guarda-chuva da Secretaria de Direitos Humanos, comandada por Alberto Baños: Arquivo Nacional da Memória, Registro Unificado de Vítimas de Terrorismo de Estado, Direção Nacional de Sítios de Memória. Também inclui outras áreas estatais que estão sendo desmanteladas pelo atual governo: o antigo Ministério da Mulher, Gênero e Diversidade e Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTI), cujos trabalhadores também são vítimas de perseguição e estigmatização pelo aparato de comunicação paralelo, semelhante ao “gabinete do ódio” que operou durante o governo de extrema direita Jair Bolsonaro no Brasil.
Este final de semana, Milei vem ao Brasil para encontrar Bolsonaro em um evento da extrema direita em Santa Catarina e não irá à cúpula do Mercosul que acontece na segunda-feira (8) em Assunção, o que aprofunda o distanciamento com o governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva, que exige um pedido de desculpas por parte de Milei, que o argentino insiste em negar.
Brasil retoma investigação de crimes da ditadura
Lula determinou nesta quinta-feira (04/07) a retomada das atividades de uma comissão de investigação de crimes durante a ditadura militar (1964-1985), encerradas por Bolsonaro.
O despacho presidencial, publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, deixa “sem efeito” a ordem que encerrou os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e declara “a continuidade das atividades”.
A comissão, criada em 1995 para investigar a repressão política durante a ditadura e indenizar as vítimas, foi encerrada por Bolsonaro, ex-capitão expulso do Exército e fervoroso defensor do regime militar, um dia antes de concluir seu mandato, em 30 de dezembro de 2022.
Segundo dados oficiais, a repressão política deixou pelo menos 434 mortos ou desaparecidos no Brasil entre 1946 e 1988. O número é consideravelmente inferior aos das ditaduras de outros países latino-americanos, como no Chile (3,2 mil) e na Argentina, segundo organizações de direitos humanos. Mas esse balanço não inclui centenas de vítimas de milícias criadas para reprimir conflitos agrários ou massacres de indígenas no avanço da ocupação do território pelo Estado.
Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou autoridades e agentes do Estado acusados de cometer crimes durante a ditadura (1976-1983), o Brasil encerrou esse capítulo com a Lei de Anistia de 1979.