A campanha para as eleições legislativas da Venezuela – que acontecem no próximo dia 6 de dezembro – precisou se adaptar por conta da pandemia do covid-19. Apesar de ser um dos países da América Latina com menores índices de contágio e mortes pelo coronavírus, a Venezuela tem adotado medidas para não incrementar o número de casos nesse período eleitoral.
As marchas políticas que reuniam grandes multidões (a maioria com mais de 100 mil pessoas) foram substituídas por eventos menores em lugares abertos, como os estádios de beisebol pequenos e medianos, que são espaços abertos e lotação de um terço da capacidade.
A prioridade passou a ser as pequenas reuniões sem palanques e glamour, os carros de som fazendo convocatórias para as atividades praticamente desapareceram. A nova estratégia valoriza o corpo a corpo e a conversa direta com os eleitores, com distanciamento social e máscaras.
Segundo o chefe do comando de campanha do partido PSUV, Jorge Rodriguez, só foi possível realizar uma eleição em segurança porque a doença foi controlada logo no início da pandemia. “Podemos dizer que a Venezuela conseguiu estabilizar a curva de contágio do covid-19”. Atualmente, os casos diários estão entre 700 e mil contágios.
Rodríguez explicou ainda que o sistema eleitoral foi adaptado para respeitar as normas de distanciamento social. “O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) trocou todas as urnas eletrônicas, depois de um atentado contra seu depósito, em março desse ano. E as novas urnas vão garantir o distanciamento e a segurança sanitária dos eleitores”.
De acordo com o CNE, as urnas eletrônicas contam com scanner para registrar o documento de identidade – assim, os mesários não terão contato físico com os eleitores. Além disso, as máquinas são mais rápidas e eficientes, o que poderia diminuir as filas de espera para votar. Outra novidade é a limpeza das urnas durante a jornada eleitoral, que serão higienizadas cada vez que um eleitor sair da cabine.
O CNE também elaborou um Plano Estratégico de Biossegurança com as medidas que serão tomadas no dia da eleição para garantir a saúde dos eleitores. O plano foi apresentado à Organização Mundial da Saúde, à Organização Pan-Americana de Saúde e às agências da ONU na semana passada.
Outro desafio para o CNE e para a chancelaria venezuelana é garantir a chegada de todos os observadores internacionais inscritos para acompanhar a eleição. A restrição de voos em muitos países, inclusive na própria Venezuela, exigiu uma nova engenharia logística. Existem apenas seis vôos internacionais em operação na Venezuela, nesse momento, e têm como destino o México, República Dominicana, Panamá, Turquia, Rússia e Irã.
O jornalista francês Romain Migus viajará durante três dias para chegar a Caracas. “Saio de Marselha (cidade francesa) na segunda com destino ao México, chego na terça-feira e espero até quarta-feira para o voo para a Venezuela. Meu medo é que nesse tempo vença o teste PCR para a covid, que exigem nos aeroportos. Esse exame só é aceito que foi for feito 48h antes do translado final”. Chegando a Caracas, todos precisam se submeter a outro teste de covid no aeroporto.
Fania Rodrigues/Opera Mundi
Campanha chavista na praça Bolívar: sem aglomeração e com distanciamento
Campanha a pleno vapor
De acordo o CNE, 30 partidos políticos estão inscritos no processo eleitoral, dos quais seis fazem parte do bloco chavista. Os outros 24 são considerados opositores, entre eles o Primeiro Venezuela, que reúne dissidentes de partidos opositores como Primeiro Justicia, Voluntad Popular e Ação Democrática. Atualmente essas forças políticas apóiam o deputado Juan Guaidó.
Este setor da oposição está em intensa campanha eleitoral, com atividade em todo o país. É o que explica o candidato do partido Primeiro Venezuela Ramón Flores, que vai concorrer a deputado por Caracas. “Encontramos um ambiente tranquilo. Apesar da pandemia conseguimos percorrer as 22 regiões da área metropolitana de Caracas e a receptividade tem sido extraordinária”.
O objetivo é conquistar os votos daqueles eleitores que um dia apoiaram os partidos que fazem parte da base de sustentação de Guaidó e que hoje estão decepcionados. Mas, com a pandemia, o esforço precisa ser em dobro, já que as medidas sanitárias não permitem a realização de grandes eventos.
Justamente por isso, o candidato Negal Morales, dissidente do partido Ação Democrática, vem liderando atos de campanha em todo país. O último deles reuniu cerca de 300 pessoas no centro de Caracas essa semana.
“Sem dúvida essa é uma campanha atípica. Cada vez que vamos aos bairros, a uma atividade, vamos com máscaras. Participamos da simulação eleitoral onde trabalhamos muito a questão de manter o distanciamento nas filas para votar. Quando vamos às ruas a cumprimentar os cidadãos, tomamos o cuidado de colocar álcool nas mãos. Estamos fazendo campanha cuidando das pessoas e de nós”, destaca.
Chavistas mudam de estratégia
O covid-19 mudou a paisagem e o ambiente urbano da Venezuela. As ruas do centro de Caracas agora estão praticamente vazias. O comércio está parcialmente fechado e a emblemática praça Bolívar, epicentro político da capital, está fechada como medida preventiva, já era lugar de grande concentração de pessoas.
Essa é uma região de maioria chavista e também onde se concentravam as atividades massivas mais importantes do PSUV. Nessa eleição, ela foi substituída por espaços com melhor ventilação, para evitar a propagação do vírus. Um desses pontos tem sido La Guaira, região litorânea da zona metropolitana de Caracas. A brisa do mar permite que os comícios sejam mais seguros. Foi assim no ato de campanha liderado pelo primeiro-vice-presidente do PSUV, Diosdado Cabello, na última quinta-feira, no Estádio César Nieves de Catia la Mar, com capacidade para 10 mil pessoas, mas que recebeu a metade desse público.
Porém a força da campanha chavista está nas favelas venezuelanas, de onde vem o apoio mais contundente ao partido do governo. O PSUV, que tem mais de 7 milhões de afiliados, criou lideranças comunitárias de acordo com a distribuição territorial. Atualmente o partido possui 142 mil líderes de rua, 34 mil líderes de comunidade e 12 mil líderes de regiões urbanas, classificadas como Unidades de Batalha Hugo Chávez.
Essa maquinaria eleitoral segue igualmente as normas sanitárias e protocolos rigorosos de saúde. Não é permitido fazer panfletagem, caminhadas com grande número de pessoas, nem reuniões com muita gente em casas ou outros ambientes fechados. Por isso, a nova estratégia consiste em colocar a militância para visitar casa por casa. Até o momento, foram visitadas 10 milhões de famílias, segundo a direção nacional do partido – um dos maiores esforços eleitorais já feitos no país.