A oposição venezuelana está nas ruas fazendo campanha política para as eleições deste domingo, 6 de dezembro, e aposta no surgimento de uma nova alternativa política com o fracasso das tentativas do deputado opositor e presidente autoproclamado Juan Guaidó de assumir o governo do país.
A oposição venezuelana está dividida em três blocos principais: aquele que continua apoiando o líder opositor Juan Guaidó; o grupo que reúne deputados e líderes regionais de diferentes partidos que se distanciaram de Guaidó em janeiro desse ano e montaram um movimento dissidente dos partidos tradicionais de direita; e um terceiro, composto por outros partidos opositores menores, de centro-direita.
O grupo anti-Guaidó é composto por 30 deputados da Assembleia Nacional, o que representa cerca de um terço da bancada opositora no Congresso. Os deputados desse grupo se uniram a outros líderes regionais e criaram um novo partido, chamado Primeiro Venezuela, que vai participar das próximas eleições.
O deputado José Brito, do Estado de Anzoátegui, é um dos líderes desse movimento dissidente, que foi chamado de “rebelião das regiões”, já que se tratava de deputados de estados que nunca tiveram grande proeminência na política nacional, como Anzoategui, Amazonia (VE), Yaracuy, Guarico, Táchira, entre outros.
“Essas eleições serão um ponto de virada. Porque aqui tivemos políticos opositores que se equivocaram e tomaram um caminho que prejudicou o povo venezuelano. Nascerá uma nova oposição dessas eleições, que quer ser escutada pela comunidade internacional”, diz Britto.
“Dentro do campo opositor, queremos construir novas lideranças e sair dessas lideranças de sempre. A fortaleza do nosso movimento é que nós somos a somatória das lideranças regionais. E nosso partido, Primeiro Venezuela, hoje é o único opositor que está presente em todo o território nacional”, ressalta o deputado.
Para Britto, um dos maiores desafios da oposição é convencer o eleitorado ir a votar, já que Guaidó e seus aliados estão defendendo a abstenção enquanto convocam a população a uma consulta pública, sem valor legal, para validar sua liderança e continuar com o autoproclamado “governo interino”, mesmo depois do fim de seu mandato como deputado.
“Chamar à abstenção é conduzir as pessoas ao nada. Não há proposta, somente uma campanha para não votar. O único que interessa a esse pequeno grupo político, que se autodenominou líder da oposição, é seguir conseguindo financiamento internacional”, afirma Brito.
Documentos secretos do Reino Unido, desclassificados recentemente, mostraram que o governo de Boris Johnson financiou uma coalizão opositora composta por coordenadores de ONGs e dirigentes de partidos venezuelanos. A informação foi divulgada por meios britânicos no mês passado.
Além disso, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) afirma que, desde 2017, envia recursos a organizações civis vinculadas à oposição, para atividades da Assembleia Nacional durante o período em que Guaidó presidiu a Casa e até mesmo para financiar jornalistas opositores.
Terceiro bloco opositor
Outros partidos opositores menores, de centro-direita, que nunca apoiaram Guaidó, também estão concorrendo nestas eleições. Entre os mais destacados, estão El Cambio, do líder evangélico Javier Bertucci, a Avanzada Progresista, liderado pelo ex candidato a presidente Henri Falcón, o Copei, partido da velha oligarquia, e o Soluciones Para Venezuela, de Claudio Fermín, que já foi candidato a presidente contra Hugo Chávez, e atualmente é um dos porta-vozes da mesa de diálogo entre o governo e estes quatro partidos, todos eles de centro-direita.
A meta do partido El Cambio é ter uma bancada de pelo menos 10 deputados. Nesse momento, a agremiação não tem nenhum parlamentar eleito, mas nas últimas eleições presidenciais, de 2018, o candidato Javier Bertucci obteve uma votação expressiva e ficou em terceiro lugar. “Acredito que, dessas eleições, surgirá uma nova oposição. Porque, atualmente, a população se sente desamparada. Ademais, Guaidó cometeu muitos erros e sua estratégia fracassou”, destaca.
“Guaidó hoje tem uma popularidade de 4% de aprovação. E mais de 74% da população não se identifica com nenhum grupo político atual. Temos muita expectativa porque vemos que temos a oportunidade de conquistar um espaço importante na política venezuelana”, diz Bertucci.
Atualmente, o partido El Cambio faz parte de uma coalizão que reúne 20 partidos pequenos e possui 137 candidatos. Há 277 vagas para e o sistema é misto: 114 deputados (52%) serão eleitos por voto proporcional, como normalmente já acontece. Já os demais parlamentares, 133 (48%), entrarão por representação proporcional nominal, mais parecido ao atual modelo brasileiro. O sistema mudou neste ano, com o objetivo de dar mais oportunidade aos partidos menores e diminuir a polarização.
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Oposicionista Javier Bertucci em campanha: oposição tenta sair da sombra de Guaidó
Combate às sanções
Menos radical que os partidos que lideraram a oposição dos últimos anos, esse setor opositor que está em ascensão defende que as diferenças entre socialistas e liberais sejam resolvidas nas urnas. Também coincide com o governo na questão do combate às sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos contra a Venezuela. Por isso, assumiram o compromisso de trabalhar juntos para tentar romper o bloqueio.
Porém, é válido lembrar que chavistas e opositores, mesmo quando se trata da direita moderada, possuem projetos políticos antagônicos. Enquanto o chavismo, movimento liderado pelo presidente Nicolás Maduro, aposta no aprofundamento da Revolução Bolivariana e do projeto socialista, a nova oposição propõe o livre mercado, salários em dólares e a privatização de empresas estatais.
Ainda tendo diferenças ideológicas profundas com o chavismo, essa oposição acredita em um diálogo frutífero com o governo para resolver problemas econômicos que possam trazer benefícios para a população venezuelana. Isso é o que defende o presidente do partido Copei, Miguel Salazar, um dos partidos mais antigos da Venezuela e que fez parte do sistema bipartidário, junto com o Ação Democrática. Governaram o país por 50 anos consecutivos, entre 1948 e 1998.
“Os deputados opositores que serão eleitos vão ajudar a resolver os problemas do país. Existe um artigo na Constituição que estabelece a colaboração entre os poderes para que possam trazer melhorias para o país”, diz o presidente do Copei.
Salazar aposta em uma terceira via política, fora da polarização entre a direita e a esquerda. “Essa é a única via possível e que pode possibilitar ao país reconciliar-se. Nem o chavismo ortodoxo, nem o extremismo de direita vão conseguir revolver sozinhos os problemas complexos que temos hoje na Venezuela. Temos que ter um ponto de convergência.”
Para o deputado José Brito, uma das primeiras tarefas dos parlamentares opositores para o próximo mandato é buscar uma interlocução com congressistas norte-americanos para conseguir abrir um diálogo sobre as sanções econômicas que mais afetam a Venezuela. E também construir um debate com a comunidade internacional.
“Temos que abrir esse diálogo para que a comunidade internacional entenda que as sanções não afetam Nicolás Maduro. Afetam o povo. As sanções não derrubam presidentes e, na verdade, terminam dando um caráter épico à resistência do governo de turno”, afirma Brito.
Negociação entre governo e oposição
Desde o ano passado, o governo Maduro estabeleceu uma mesa de diálogo com cinco partidos da oposição: El Cambio, Soluciones para Venezuela, MAS, Copei e Avanzada Progresista. A principal pauta em discussão estava relacionada às condições que a oposição reivindicava para participar das eleições, o que incluía a destituição da diretoria do antigo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e a nomeação de uma nova, com a participação membros da oposição.
Depois de seis meses, os integrantes da mesa chegaram a um acordo. Com isso, o Tribunal Supremo de Justiça nomeou cinco diretores para comandar o CNE, dos quais dois vêm das filas opositoras, e dois, das chavistas. A presidente do órgão é uma ex-magistrada, com posições mais independentes.
“Nós conseguimos garantir condições eleitorais excelentes, que nunca tivemos. Além de ter nossa reivindicação atendida no conselho diretor do CNE, também teremos um membro da oposição na Junta Nacional Eleitoral: Leonardo Morales, atual vice-presidente do CNE. Essa comissão torna-se a máxima autoridade do país no dia a eleição, com poder de mando inclusive sobre algumas instâncias militares”, explica Bertucci.
Outra novidade do novo sistema eleitoral é que, além dos técnicos do CNE, os partidos políticos terão responsabilidade compartilhada na hora da contagem oficial. As organizações políticas poderão ter seus próprios técnicos especializados credenciados para fiscalizar o envio, recebimento e processamento dos votos. “Isso dá transparência ao processo. Também vai impedir que algum partido cante fraude sem que tenha ocorrido de verdade, simplesmente por não ter gostado do resultado da eleição. Em caso de fraude, ela poderá ser documentada, dessa forma não poderão fazer uma acusação sem apresentar provas. Isso acabou”, reforçou Bertucci.
No entanto, ainda com todas essas garantias relatas pelo opositor e apesar da participação de um amplo espectro da oposição, os governos dos Estados Unidos e dos países da União Europeia anunciaram que não vão reconhecer a legitimidade das próximas eleições venezuelanas – antes mesmo de a votação ocorrer, afirmam que haverá fraude.