Quando iniciou sua campanha para presidente do Chile, Gabriel Boric, 36 anos, candidato da Frente Ampla de esquerda, parecia o principal favorito para ser eleito, logo após a vitória nas prévias realizadas em julho passado. Naquela época, Boric conquistou mais de um milhão de votos e superou o comunista Daniel Jadue, o outro pré-candidato da sua coalizão, que também foi a mais votada daquela jornada.
Para completar o cenário favorável, as prévias da direita, ocorridas no mesmo dia, tiveram uma quantidade muito menor de votos, e seu vencedor, Sebastián Sichel, conseguiu 400 mil votos a menos que Boric, o que indicava uma importante vantagem inicial para o candidato da esquerda.
Porém, entre agosto e setembro, esse favoritismo foi sendo ofuscado por uma série de problemas que a candidatura enfrentou no caminho. O principal deles foi a infecção por covid, detectada logo nos primeiros dias de novembro, que manteve o candidato em quarentena durante duas semanas, justo na reta final da campanha.
Esse afastamento ganhou ares ainda mais dramáticos pelo fato de que se deu quando uma nova candidatura de direita o ultrapassava nas pesquisas. Aliás, não só de direita, como de extrema direita, pois se trata de José Antonio Kast, do Partido Republicano, uma pequena legenda criada por políticos que se afastaram da direita tradicional com o argumento de que esta “não defendia o legado do governo militar” (que é como se referem à ditadura de Augusto Pinochet, vigente entre 1973 e 1990).
Além da doença, Boric também sofreu com alguns “erros não forçados” da sua campanha: em algumas entrevistas e debates televisivos, Boric cometeu gafes ao ser questionado por cifras econômicas – por exemplo, em um deles, não soube responder quando perguntaram o nível mínimo de patrimônio que seria taxado pelo seu projeto de imposto sobre grandes fortunas – o que alimentou o argumento dos seus adversários sobre sua inexperiência para exercer o cargo.
Caso seja eleito, Boric seria o presidente mais jovem da história do Chile – assumiria em março, aos 36 anos, cinco a menos que Manuel Bulnes, que tinha 41 anos quando assumiu o poder em 1841.
Duplamente “pinguim”
Boric nasceu em 1986, em Punta Arenas, capital da província de Magallanes, a mais austral do Chile. É comum que habitantes dessa região que se aventuram na capital ganhem o apelido de “pinguim”, em referência à ave típica da fauna local. Mas a história de Boric na política está relacionada aos pinguins, só que de outro tipo.
No Chile, “pinguim” também é o termo utilizado para se referir aos estudantes do ensino médio, em alusão ao uniforme com jaleco negro e gravata que os caracteriza. E Boric começou a se destacar na política como um dos líderes estudantis que participou da refundação da Federação dos Estudantes Secundaristas de Punta Arenas, no ano de 2001.
Uma década depois, ele voltou a ter protagonismo como dirigente estudantil, desta vez na capital: em 2011, os estudantes universitários realizaram uma onda de grandes marchas reivindicando, entre outras coisas, que a educação no Chile fosse gratuita desde o ensino fundamental até o ensino superior. Boric foi um dos líderes do movimento, junto com Giorgio Jackson e as comunistas Camila Vallejo e Karol Cariola. Os três seriam importantes nos seguintes passos que ele daria na política.
Fundador da Frente Ampla
As eleições deste ano serão a segunda tentativa da Frente Ampla chilena de chegar ao Palácio de La Moneda, depois de uma primeira vez em que quase foram a grande surpresa.
A coalizão nasceu justamente no ano da última corrida presidencial, em 2017, para ser uma alternativa que congregasse os independentes de esquerda e pequenos partidos chilenos.
Reprodução/Facebook Gabriel Boric
Boric tenta se tornar o presidente mais jovem da história do Chile
Seus criadores foram justamente Boric e Giorgio Jackson. Os dois ex-líderes estudantis se elegeram como deputados quatro anos antes em candidaturas independentes. Depois disso, resolveram criar seus próprios partidos: Boric lançou o Movimento Autonomista (que depois passou a se chamar Convergência Social, seu nome atual), e Jackson fez o mesmo com o Revolução Democrática. Na formação da Frente Ampla, eles também contaram com o apoio de outros partidos pequenos mais tradicionais, como o Partido Humanista e o Partido Liberal.
Para aquela primeira campanha presidencial, a Frente Ampla convidou uma figura de fora da política para ser sua candidata: a jornalista Beatriz Sánchez, que terminou o primeiro turno com 20,2% dos votos, e ficou a apenas 2,5% atrás de Alejandro Guillier, da Nova Maioria (centro-esquerda tradicional, a antiga Concertación), que passou ao segundo turno.
Nas eleições legislativas daquele ano, a coalizão teve um resultado ainda melhor para quem estreava nas urnas, elegendo 21 parlamentares (20 deputados e 1 senador). Também se destacou por ter uma maior quantidade de mulheres eleitas, em comparação com as demais alianças: das 20 vagas na Câmara conquistadas pela Frente Ampla, 8 foram de mulheres.
Aliança com o Partido Comunista
Para as eleições deste ano, a Frente Ampla formou uma aliança com o Partido Comunista, uma aproximação que começou graças à relação entre ex-líderes estudantis: as também deputadas Camila Vallejo e Karol Cariola, que compartilharam a liderança do movimento com Boric em 2011, foram cruciais para essa aproximação que criou a coalizão Apruebo Dignidad, e que realizou eleições prévias em julho deste ano.
Curiosamente, Boric lançou sua candidatura como azarão nessa disputa, em que competiu com o comunista Daniel Jadue, prefeito da comuna de Recoleta (um dos municípios mais populosos da região metropolitana de Santiago) e que era tido como favorito para aquela eleição interna, segundo as pesquisas. Mas o resultado acabou sendo bem diferente do esperado: Boric obteve pouco mais de um milhão de votos – 300 mil a mais que Jadue.
Com a oficialização do seu nome como presidenciável da coalizão Apruebo Dignidad, Boric passou a ser automaticamente um dos favoritos. Em todas as pesquisas eleitorais desde então, seu nome aparece ou em primeiro ou em segundo lugar, e sempre liderando em todas as simulações de segundo turno – ao menos até o começo de novembro.
Juventude e radicalismo
O principal fator para explicar esse sucesso está no fato de que Boric também tem sua origem como figura pública no movimento estudantil, condição que ajuda em uma eleição que ainda está marcada pelo clima de mudanças iniciado com a revolta social de 2019.
Além disso, o programa de governo da coalizão Apruebo Dignidad é considerado o mais sintonizado com as reivindicações que originaram os protestos de dois anos atrás: a candidatura de Boric promete o fim da previdência privada e a adoção de um novo sistema público, além da criação de um sistema público de saúde. Também defende a refundação das polícias, taxação das grandes fortunas e um projeto de industrialização do país, visando uma economia chilena seja menos dependente da exportação do cobre e de outras matérias primas. Propostas que o transformaram em preocupação para a grande imprensa chilena, que o rotula como um “radical de esquerda”, mas que o aproxima dos movimentos sociais.
Segundo a analista política Marta Lagos, da consultora Latinobarómetro, “as propostas de Boric são as que mais se sintonizam com o que a sociedade chilena está demandando desde a revolta social de 2019. Outro fator relevante é que ele é muito jovem, como a grande maioria dos que protestaram naquela ocasião. No entanto, isso também o obriga a provar ao seu eleitor que, apesar dessa juventude, ele é a pessoa ideal para liderar esse projeto”.