Em termos pessoais, mesmo não sendo candidato, Rafael Correa entrou de cabeça nessas eleições. Em caso de derrota, é praticamente impossível que sua situação judicial, que o mantém suspenso de qualquer atividade política no Equador, seja revista. De fato, podemos pensar que sua situação pode ser piorada para provocar um sentimento maior de derrota na esquerda.
Agora, caso Andrés Arauz, seu candidato, ganhe, Correa se destacará na política equatoriana, se beneficiando por não ocupar um cargo institucional e não sofrer consequências de desgaste. Com a derrota dos outros candidatos, especialmente os da direita, Correa se tornaria o principal ator político do Equador.
Para além do resultado nas eleições, o “correísmo” e a esquerda em geral têm mostrado grande força política na situação mais adversa: fora do poder, sem recursos econômicos e sob constante cerco.
Apesar de todas as negativas, a constituição de uma frente política, a escolha do candidato presidencial e a campanha contribuíram para revitalizar a esquerda e coordenar sua mobilização a nível nacional, abrindo até a possibilidade de começar a pensar em uma expansão geracional progressivamente.
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Por outro lado, caso Guillermo Lasso perca a eleição, uma grande questão se abrirá nas fileiras da direita. Junto com seu ex-rival e hoje aliado Jaime Nebot, do Partido Social Cristão, Lasso representa a direita de estilo empresarial.
Embora pretenda se apresentar como um candidato com “ideias novas”, o fracasso econômico e social do governo Lenín Moreno, que deu uma guinada do “correísmo” ao neoliberalismo, representa a pior publicidade que as propostas de Lasso poderiam receber nesta campanha.
Além disso, caso a derrota de Lasso ocorra, será também a derrota de todo um projeto conservador e neoliberal no Equador. Essa direita não vai desaparecer, mas perderá sua hegemonia diante de outras vertentes que estão se constituindo atualmente.
Assim, podemos pensar em uma direita neoliberal coexistindo em tensão com outra direita mais populista e autoritária (no estilo de Bolsonaro, no Brasil), mesmo com uma presença cada vez mais ampla da corrente evangélica, que faz sua estreia nesta eleição. Da mesma forma, diante da crise de suas figuras históricas (Lasso e Nebot, mas também Abdalá Bucaram, Álvaro Noboa e Lucio Gutiérrez), é possível pensar na ascensão de lideranças do centro à direita, com uma visão mais “moderna” e até mesmo “social”.
Reprodução/Andrés Arauz
Arauz e a esquerda têm mostrado grande força política na situação mais adversa: fora do poder, sem recursos econômicos e sob constante cerco
Com a candidatura de Yaku Pérez, terceiro colocado em pesquisas das eleições presidenciais, o movimento indígena vive a conclusão de um ciclo que começou com as mobilizações de outubro de 2019. Porém, esse compromisso político visa se distanciar de sua origem no conflito e, em vez disso, briga para assumir um perfil baseado na ordem, na estabilidade e no progresso social, uma contradição difícil de manejar.
Se for para o segundo turno, Pérez seria um candidato perigoso para Aráuz, porque poderia construir uma frente antigovernamental com mais sucesso do que um candidato da direita neoliberal como Lasso. Porém, se houver um segundo turno, é bem provável que essa nova aposta política do partido Pachakutik termine fora da batalha principal e terá que negociar suas bases eleitorais com os dois candidatos do segundo turno.
Além de Arauz, Lasso e Pérez, nenhuma das outras 13 candidaturas tem chance real de vitória ou, pelo menos, de ir para o segundo turno. A previsão de seus “estrategistas políticos” é negociar posições ou benefícios em troca de apoio. No melhor dos casos, para tentar conquistar um espaço no Parlamento ou, eventualmente, para posicionar um candidato para futuras eleições. Não mais do que isso.
O governo de Lenín Moreno entrou pela porta da frente e saiu pela janela. Operou uma virada ideológica impensável e fez o trabalho de uma direita neoliberal que desde 2006 não consegue triunfar por vias eleitorais. Em nível regional, foi um governo verdadeiramente exótico, pois em outros casos (como Mauricio Macri na Argentina, Sebastián Piñera no Chile e Luis Lacalle Pou no Uruguai) a formação de governos neoliberais se deu a partir de eleições. Não houve surpresas ou mudanças no projeto político prometido. A solidão de Moreno e sua saída do governo sem herdeiros políticos podem explicar um fim de ciclo na história recente do Equador.
*Daniel Kersffeld é doutor em estudos latino-americanos pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM)
*Publicado originalmente em Ruta Krítica