Faltando menos de 50 dias para as eleições presidenciais na Venezuela, governo e oposição já estão percorrendo o país em uma pré-campanha na luta por votos. O objetivo dos candidatos a partir de agora passa a ser consolidar as bases eleitorais e buscar apoio em estados que costumam ter uma conduta eleitoral definida.
O atual presidente e candidato do governo à reeleição, Nicolás Maduro, tenta convencer eleitores em territórios que tendem a votar mais na direita enquanto busca solidificar os votos onde o chavismo tem uma força historicamente consolidada. Já os candidatos de oposição, especialmente o ex-embaixador Edmundo González Urrutia, tentam ganhar terreno em ambientes que tiveram ao longo do tempo uma margem maior para o chavismo.
Maduro tem em sua principal fortaleza a região dos “Llanos” (planícies, em espanhol) venezuelanos – região batizada por conta do ecossistema predominante em regiões próximas da fronteira com a Colômbia. Desde a ascensão do ex-presidente Hugo Chávez ao poder, estados como Portuguesa e Barinas (estado natal do ex-mandatário) votaram, em sua maioria, no movimento encabeçado pelo governo. Já a oposição tem a sua base eleitoral mais forte nos estados de Caracas, Nova Esparta, Zulia e Táchira.
Neste último, por exemplo, Chávez perdeu as eleições em 2012 para o ex-governador de Miranda Henrique Capriles. O opositor recebeu 56,24% dos votos e o ex-presidente teve 43,29%. No ano seguinte, as eleições tiveram que ser refeitas após a morte do ex-presidente por um câncer. O candidato do governo e atual presidente, Nicolás Maduro, perdeu novamente em Táchira, recebendo 36,97% dos votos válidos contra 62,87% do mesmo Capriles.
A oposição optou por não participar de forma massiva nas eleições de 2018, o que influenciou no comportamento histórico de alguns estados. Segundo o pesquisador e cientista político da Universidade Central da Venezuela, Ociel Lopez, as regiões têm as suas especificidades históricas, mas já não respondem tanto a essas questões e, com o tempo, começaram a ter variações nas perspectivas.
“Isso vai mudando e é interessante porque já não é tão automático. Se vamos à questão regional, Chávez era ‘llanero’ e falava muito bem a linguagem do ‘llanero’, e basicamente construiu uma proposta estética inclusiva aos ‘llanero’. Aí o chavismo ganhava e já não é assim. Nos Andes o chavismo sempre foi muito fraco, como em Táchira, que é radicalmente opositor. Isso tem a ver com uma questão histórica e étnica dos Andes. Os Andes tem uma proposta filosófica e estética diferente dos ‘llaneros’, da oriental”, afirmou ao Brasil de Fato.
Essa mudança se deu principalmente em terrenos que o chavismo já tinha uma força histórica. Barinas, por exemplo, é o estado em que Chávez nasceu. Nas últimas eleições regionais, realizadas em 2021, o governador eleito nesta região foi Sergio Garrido, um dirigente do partido de oposição Ação Democrática.
Para Sair Sira, cientista político e analista do grupo Missão Verdade, a mudança de perspectiva pode pautar essa eleição e não é mais possível ter certeza sobre os centros eleitorais dominados por governo e oposição, principalmente aqueles ligados aos votos em Nicolás Maduro.
“Pela mesma dinâmica que está atravessando o país, essas questões vem mudando pouco a pouco. Acho que é um erro tratar esse processo eleitoral dessa mesma perspectiva. Digo isso porque aconteceram muitas coisas no país e essa mesma engenharia eleitoral e essas mesmas variáveis não se cumprem assim. O caso mais paradigmático foram as últimas eleições regionais. Barinas, que foi um Estado historicamente governado pelo chavismo, onde Chávez nasceu e se tornou um espaço seguro, se perdeu. O mesmo foi em Cojedes”, disse ao Brasil de Fato.
Divisão também é de classe
Outro recorte importante para a busca de votos é o de classe. O principal reduto da oposição é a zona leste de Caracas. A região é a mais rica do país e foi palco dos protestos violentos da oposição desde 2014 e da tentativa de golpe encabeçada por Juan Guaidó em 2019.
A oposição encabeçada pela ex-deputada María Corina Machado tem nos bairros nobres da capital seu principal apoio. Ela está inabilitada por 15 anos pela Justiça venezuelana e tem feito campanha por Urrutia. A ultraliberal começou a percorrer o país com uma foto do candidato já que o ex-embaixador disse que não iria para outros estados e que esse trabalho seria feito por Machado.
Já o chavismo tem justamente nos bairros populares e nas comunas a sua principal força. O bairro 23 de Janeiro, onde está a comuna El Panal, é um dos mais representativos neste sentido. Coordenada pela Força Patriótica Alexis Vive, a comuna tem um histórico forte de apoio ao chavismo. Nas eleições de 2013, por exemplo, 62,52% dos eleitores do bairro escolheram Nicolás Maduro nas urnas.
Para Ociel Lopez, a construção histórica dos diferentes bairros e zonas do país foi determinante para a afinidade política com candidatos e lideranças venezuelanas, especialmente com o ex-presidente Hugo Chávez. Segundo ele, isso tem relação com a formação social e histórica e com a forma com a que se conformou o Estado-nação venezuelano.
“O que aconteceu durante o chavismo é que os setores se articularam com base no que podemos chamar de popular e determinados grupos étnicos conseguiram se conectar contra outros grupos étnicos que conseguiram se articular nos espaços da elite, basicamente a elite econômica”, afirmou.
De acordo com ele, mesmo com uma mudança nos resultados dos últimos pleitos, as regiões urbanizadas e mais ricas tendem a votar mais com a oposição.
“Nas zonas urbanizadas da classe média, média-alta das principais cidades, a votação contra o chavismo, independente do candidato, sempre chegou a 90%. Então conforme você vai descendo dos bairros para as zonas mais ricas, ou vai saindo das zonas rurais para as zonas urbanizadas, vai se equilibrando e o chavismo vai baixando a votação e a oposição vai subindo até mudar nos lugares tremendamente urbanizados das classes média e alta onde o chavismo não tem nenhum tipo de ascendência eleitoral”, afirmou.
Em um país onde o voto é facultativo, a abstenção também torna o cenário incerto. Nos últimos pleitos presidenciais a participação foi decaindo. Em 2006, a taxa de abstenção foi de 25,13%. Seis anos depois, esse número foi de 19,51%. Em 2013, cerca de 20,32% dos eleitores não foram às urnas. Já em 2018, mais da metade dos eleitores registrados não compareceu (53,93%).
Faltando menos de 50 dias para o pleito, Sair Sira entende que o descontentamento e a apatia são fortes para parte dos eleitores que não votam com o governo e não se identificam com as propostas da oposição. Por isso, de acordo com ele, a capacidade de mobilização será fundamental para determinar o resultado eleitoral.
“Eu acho que o determinante nessa eleição é a capacidade de organização e mobilização que tenham as forças políticas no momento da eleição. Isso sim pode ser uma vantagem para quem tiver essa capacidade. Você me pergunta quem tem essa possibilidade. Eu diria sem dúvida que é o PSUV porque é um partido. Que tem estrutura, que está organizado”, afirmou.