O processo eleitoral da Venezuela está sendo analisado pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) do país em duas frentes. Primeiro, é julgada a confiabilidade ou não dos resultados eleitorais que deram a vitória ao presidente Nicolás Maduro para um terceiro mandato. Depois, a Corte analisa o ataque hacker que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) diz ter sofrido no dia das eleições, que impediu a publicação do resultado desagregado dos votos.
A Constituição venezuelana define que a responsabilidade de analisar os dois casos é da Sala Eleitoral do TSJ. A entidade é um braço da Corte para julgar questões envolvendo disputas eleitorais no país. A Sala é composta por 5 ministros dos 32 que compõem o Tribunal Supremo.
No caso das eleições de 2024, a oposição contesta os resultados definitivos e afirma ter recolhido 70% das cópias das atas eleitorais e que a soma desses resultados garantiria a vitória do candidato da Plataforma Unitária Edmundo González Urrutia. Por conta disso e da dificuldade para divulgação dos resultados detalhados, a Sala Eleitoral do TSJ convocou o CNE para apresentar todo o material eleitoral recolhido no dia das eleições.
Todos os 10 candidatos foram convocados para prestar esclarecimento. Só Edmundo González não foi. Com base nos depoimentos recolhidos e no material coletado, a Sala Eleitoral tem duas opções: dizer que os resultados do CNE são autênticos conforme a peritagem ou que não são autênticos. Neste segundo caso, o Tribunal analisa as inconsistências entre os resultados das mesas de votação de acordo com o CNE e das cópias das atas que estão com os partidos e declara que as eleições são nulas, ou seja, o CNE teria que convocar novas eleições.
Caso o TSJ entenda que as eleições foram válidas, a Corte pode pedir o indiciamento dos candidatos que alegaram fraude e que eventualmente tenham apresentado provas falsas à Justiça. Essa denúncia é passada ao Ministério Público que retoma as investigações e formaliza a acusação.
A investigação foi pedida pelo próprio presidente Nicolás Maduro em 1 de agosto. O TSJ deu 72 horas para que o CNE entregasse as atas eleitorais à Justiça. A presidente da Sala Eleitoral, Caryslia Rodríguez, e outros 4 magistrados ouviram o depoimento dos candidatos e de representantes de partidos e encerraram a fase inicial em 10 de agosto. A peritagem do material eleitoral entregue pelo CNE começou nesta sexta-feira (16/08).
A partir de então, a Sala tem 15 dias para apresentar o resultado das investigações. O prazo vence em 31 de agosto, mas ela pode prorrogar caso entenda que precisa de mais tempo para análise.
Em relação aos ataques hackers, a Sala Eleitoral vai apurar se as acusações do CNE têm fundamento. De acordo com o advogado especialista em direito constitucional venezuelano Francisco Artigas, caso seja entendida a veracidade das acusações, a Sala Eleitoral pode dar uma “sentença declaratória” que, basicamente, reconhece uma ação junto à Justiça.
“Eu vejo que a única possibilidade que a Justiça tem nesse caso é emitir uma sentença declaratória. Ou seja, por ser um ataque que parte do exterior, não há como iniciar um julgamento interno sobre isso, a não ser que seja comprovada a participação de venezuelanos. Com isso, a Sala pode dar a certeza para a opinião pública que houve esses ataques. Mas é só uma sentença declaratória porque só tem efeito aqui, não no exterior”, afirmou ao Brasil de Fato.
O CNE tem um período de 30 dias para publicar o resultado completo das eleições na Gazeta Eleitoral. As atas, no entanto, não são publicadas. O órgão anunciou no domingo (28) a vitória do presidente Nicolás Maduro por 51,2% dos votos contra 44,2% de Edmundo González Urrutia com 80% das urnas apuradas. O resultado foi indicado como irreversível pela Corte Eleitoral. Mais tarde, o CNE atualizou o resultado e confirmou a vitória de Maduro com 6,4 milhões de votos (51,97%) contra 5,3 milhões (43,18%) de Edmundo com 96,87% das urnas apuradas.
O CNE, no entanto, ainda precisa divulgar o resultado com 100% das urnas apuradas.
Oposição força a situação
Os opositores de Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter.
Mas eles não publicaram a relação completa das atas na Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais. Corina disse que seu candidato, Edmundo González, ganhou o pleito por larga margem, 70% a 30% de Maduro.
Com o início das investigações pela Justiça, Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da oitiva, Rosales disse que a oposição “não precisa entregar nada” e exigiu a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.
De acordo com o advogado Francisco Artigas, o setor de extrema direita tinha duas opções: ou abrir um processo próprio na Justiça do país ou apresentar as provas na investigação que já está em curso. O grupo, no entanto, não optou por nenhuma das duas saídas.
“No marco do processo contencioso eleitoral, a Sala leva a um processo com especialistas que analisam o material eleitoral do CNE e as atas apresentadas por 9 dos 10 candidatos na investigação. Quem não levou é porque não quer levar. Essas atas provariam os resultados”, afirmou.
Além disso, o candidato derrotado nas eleições publicou nota nas redes sociais pedindo que militares do país “desobedeçam ordens” e “respeitem o resultado das eleições”. No texto, Edmundo González autoproclama presidente da Venezuela. Segundo o advogado, esse tipo de ação e a ausência nos depoimentos podem, ao final das investigações, ser configurado um crime a ser julgado pela Justiça do país.